Dados da Associação Brasileira das Empresas Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames), compilados ao longo de 2023, colocam o Rio Grande do Sul como o terceiro Estado com mais empreendimentos na área, com 69 empresas, ficando atrás somente de São Paulo e Rio de Janeiro.
Do ponto de vista de receitas geradas, os números são ainda melhores. O presidente da Associação dos Desenvolvedores de Jogos do Rio Grande do Sul (ADJogosRS), Everton Vieira, explica que tem mapeadas 55 empresas, sendo que 45 são associadas. Somadas, elas tiveram uma receita de R$ 80 milhões, tanto em 2022 como em 2023. A projeção é que os números se mantenham estáveis em 2024.
Em maio deste ano, o governo federal sancionou o marco legal dos jogos eletrônicos, que regulamenta a fabricação, importação, comercialização, desenvolvimento e o uso comercial dos jogos, por exemplo. Além disso, prevê que as empresas possam receber fomento e incentivos fiscais por meio das leis Rouanet e do Audiovisual, visando à promoção da indústria nacional.
— Vai ser muito diferente a indústria daqui para frente. São ações aparentemente muito simples, como (por exemplo) um CNAE (Classificação Nacional das Atividades Econômicas), porque permite que a gente mapeie adequadamente todo o imposto, toda a receita da indústria, e consiga medir com precisão, e de forma fácil. Formaliza a notoriedade da indústria, e isso desencadeia também em investimentos, isenções e fomento para o setor — comemora Everton Vieira sobre o marco legal.
Em Caxias do Sul, segundo maior município do RS, o cenário é um pouco diferente, mas há ações sendo desenvolvidas com o objetivo de alavancar o crescimento. Em agosto, a Universidade de Caxias do Sul (UCS) lançou o StartUCS Games. O objetivo do programa é dar um suporte gratuito para a modelagem de até 15 novos negócios na área. Isso ocorrerá por meio de mentorias, projetos de desenvolvimento e aprimoramento de ideias na criação de games com fins educativos ou de entretenimento, seguindo uma metodologia similar à de outras ações de suporte organizadas pela instituição de ensino. Os interessados podem se inscrever até dia 31 de agosto pelo site, onde está disponível o edital.
O professor e coordenador dos cursos de graduação em Jogos Digitais e Criação Digital da UCS, Marcelo Luís Fardo, explica que, mesmo lentamente, o cenário tem começado a mudar nos últimos anos, mas reitera que ainda há questões culturais que impedem um crescimento acentuado. Ele considera que atualmente há mão de obra qualificada na cidade, principalmente pelo fato de os dois cursos formarem em média 15 alunos por ano.
— Olhando para esse ciclo, tem uma coisa que há quatro ou cinco anos eu não tinha: que são alunos que hoje estão trabalhando nas empresas. Observamos esse primeiro passo, porque eles têm que estar dentro das empresas trabalhando para enxergar como funciona — detalha Fardo.
Melhoria na comunicação entre o setor é um dos caminhos apontados por Fardo para potencializar as capacidades vistas em Caxias.
— Vemos tudo isso acontecendo ao redor, e acho que capacidade para isso a gente tem, talento temos, pessoas para isso temos. Talvez esteja faltando uma conexão, e com o próprio edital esperamos tentar resolver um pouco disso, juntar as pessoas.
Cenários e oportunidades
Para a diretora de Inovação da Câmara da Indústria Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC Caxias), Grasiela Tesser, é preciso acompanhar de perto o crescimento do setor em níveis globais, para que se possa aprimorar essa indústria na cidade.
— O Brasil já é o maior mercado de produção de games aqui da América Latina, e isso replicado para o Estado, consequentemente, tem potencial de replicação no município. É uma cascata, porque é uma questão de interesse. Se ela desperta esse interesse em âmbito global, certamente a gente tem dentro do município o interesse neste tema — reflete a diretora da CIC Caxias.
Ela percebe que Caxias tem conseguido formar mão de obra qualificada, só que, por vezes, acaba perdendo para outros mercados, como o Exterior. Grasiela acredita que tudo parte da educação, seja em Ensino Superior, como também nas formações de base, que podem ser voltadas a robótica e tecnologia, por exemplo. A diretora da CIC afirma que é preciso pensar em qual área específica a cidade quer se desenvolver na área de jogos digitais, e acredita que há chances de crescimento na cidade nas áreas de gamificação (aplicação de jogos para ensinar as pessoas de forma lúdica) e de jogos corporativos.
— Nós somos, sim, um polo importante de desenvolvimento de tecnologia, a questão toda é como a gente usa esse potencial de Caxias do Sul para esse crescimento e esse fomento dessa indústria que, como a gente vê, tem crescido muito. Eu acho que sim, tem uma questão de fomento desde a educação, mas tem muita política pública que precisa ser conhecida para esse fomento — conclui.
Programa GameRS em Caxias
Criado em julho de 2020 por meio da Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia do Governo do Rio Grande do Sul, o programa GameRS busca apoiar a competitividade da indústria gaúcha. A ideia é estimular a capacitação de recursos humanos na área, fomentar o acesso a fontes de financiamento, incentivar a geração de ambientes de negócios e colaborar para o aprimoramento de políticas de demanda.
Desde o ano passado, a UCS conta com o Laboratório de Garantia da Qualidade de Jogos Digitais (UCS Lab Q.A) que contribui no ensino, pesquisa e serviços voltados à área de conhecimento de ciências exatas e engenharias, que faz parte da iniciativa estadual. Essa ação da universidade integra o GameRS.
Os desafios e dia a dia de quem empreende
A ligação de André Antônio Schmitz, 45 anos, com o cenário de jogos digitais começou ainda na adolescência, como consumidor. Mas foi durante a graduação em Ciências da Computação que teve uma proximidade maior, quando cursou uma disciplina de empreendedorismo e, ao lado de um grupo de colegas, desenvolveu dois protótipos de jogos para celular, que acabaram não sendo publicados.
Após um período em que trabalhou em diversas áreas relacionadas à Tecnologia da Informação (TI), em 2012 lançou ao mercado o primeiro game. Em Vibrant Recycling, o jogador tem que ajudar lixeiras a coletarem e reciclarem de forma correta diversos resíduos arremessados durante os 23 níveis do jogo. No ano seguinte, conseguiu duas importantes parcerias que ajudaram a tornar o game mais conhecido. A primeira foi com um portal da cidade de Bucaramanga, na Colômbia. A segunda contou uma união com a Tang, marca de mistura para bebidas, para uma adaptação e publicação na plataforma Click Jogos.
— Foi um jogo que teve um alcance até interessante. Tem bastante parcerias que a gente consegue nessa área. E o jogo ficou disponível por um bom tempo. Agora, em junho de 2024, na última vez que eu olhei ele tinha mais de um milhão de acessos espalhado pelo mundo — recorda orgulhoso o desenvolvedor.
Na época, André já usava o nome Cian Games, empresa que formalizou em 2022. Em junho de 2024, após cinco anos de produção, lançou o Omega Warp, um jogo de aventura em 2D, que está disponível na plataforma Steam no valor de R$ 49,90.
Mas o empresário enfrenta algumas dificuldades. Ainda não consegue fazer com que a renda da Cian seja somente de jogos, assim, também trabalha com o desenvolvimento de softwares. Mesmo assim, é esperançoso para o futuro, está pensando em expandir a equipe, e vai participar do StartUCS Games para tentar incubar uma empresa na universidade.
— Ficar só com games, hoje, é um pouco complicado porque tu tens que ter um jogo que tenha bastante público ou tem que ter diversos jogos menores. O processo como eu desenvolvi, de 2018 até 2024, é muito tempo, o ideal seria cair esse tempo ao menor possível, e aí tu consegues colocar mais produto no mercado.
Desenvolvedor independente e premiado
Um produtor independente do gênero de terror. É assim que o caxiense Bruno Paese Pressanto, de 28 anos, se define. Formado no curso de Criação Digital, já produziu dois jogos gratuitos. O primeiro foi O incidente do Bloco 71, feito durante o trabalho de conclusão de curso em 2021, e que tem um tempo de jogo de 20 minutos. Com a produção, ele ganhou os prêmios de melhor narrativa e melhor arte no 21º Festival de Jogos do SBGames, em 2022. O segundo, lançado ao público em 2023, é o The Windows Are Gone.
— Eu produzi esses dois jogos com o intuito de cativar um público, que conhecesse minha marca, meu nome, o que eu gosto de produzir, para em um terceiro jogo, que estou produzindo agora, cobrar, fazer uma produção mais complexa, mais longa, e ter a possibilidade maior desse público que já me conhece adquirir o jogo — explica Paese.
Uma das formas de conseguir receita mesmo com os jogos gratuitos ocorrem por meio de doações. Desde que entrou no mercado, recebeu mais de R$ 6 mil em contribuições dos jogadores.
O caxiense explica que atualmente há um fator que tem ajudado na divulgação dos jogos: os canais de YouTube especializados no assunto. Por meio de vídeos, esses produtores de conteúdo auxiliam a difundir os jogos. Por exemplo, O incidente do Bloco 71 já tem 96.287 downloads, enquanto que o The Windows Are Gone foi baixado 74.605 vezes desde o lançamento.
O desenvolvedor não traça uma data para o lançamento para o terceiro jogo que está em produção, mas acredita que deva durar ao menos um ano. Ele pensa que o gênero em que atua é uma das boas vertentes para o desenvolvimento da indústria de games em Caxias do Sul e região.
— Caxias está em uma posição interessante, não só pesando na cidade isolada, mas o ambiente ao redor propicia um crescimento, tem a ADJogos que ajuda desenvolvedores independentes, pequenas e grandes empresas, então eu acho que tem potencial, e tem amigos, digamos assim, ao redor que também estão incentivando esse mercado a crescer cada vez mais.
A serviço de empresa na capital gaúcha
Uma das opções encontradas por profissionais da área é a de trabalhar de forma remota para empresas de outras cidades. Esse é o caminho que o porto-alegrense Matheus Santos Teixeira, 21, que mora há uma década em Caxias, está seguindo. Próximo de concluir a graduação de Jogos Digitais, trabalha há pouco mais de um ano para a Epopeia Games, com sede na capital gaúcha, e uma das maiores empresas do Estado no setor.
Mas experiências na área começaram cedo. O primeiro contato com produção foi durante o Ensino Médio no Cetec, onde fez um curso técnico na área de computação. Em 2021, participou do Game Jam Plus, evento em que desenvolvedores trabalham em conjunto para propor protótipos ou conceitos experimentais para novos jogos, a atividade foi feita de forma online em virtude da pandemia da covid-19. A ideia foi criar o Miss, um jogo narrativo que segue disponível para download.
Do ponto de vista financeiro, o jovem considera que está em uma situação boa. Atualmente não pensa em sair da cidade, e está buscando se desenvolver cada vez mais na área. Considera que Caxias do Sul tem potencial de crescimento para os próximos anos.
— Em TI tu tens que estar estudando a todo momento, porque o mercado muda em dois segundos. Terminando agora o curso, eu pretendo procurar outros tipos de estudos, como a questão de game design, que quem programa precisa ter conhecimento, que seria o planejamento de jogo, tem gente que confunde com a arte, mas seria como o jogo vai funcionar, as fases, e todo esse projeto — projeta Teixeira.
No contraturno escolar em Flores da Cunha
Em outros municípios da Serra também há a preocupação em formar os jovens desde cedo. E Flores da Cunha tem um bom exemplo disso. O município inaugurou em junho o Núcleo de Extensão Educacional (InTec), em que diariamente estudantes da rede pública de ensino têm atividades no contraturno escolar nas áreas de tecnologia, inovação e esportes.
Um dos cursos que mais chamou atenção foi o de design de games. As aulas acontecem pela manhã e à tarde, nas terças e quintas-feiras, e têm duração de uma hora e meia. São cerca de 200 alunos semanalmente, que têm idades entre 9 e 14 anos. O professor Franco Wayhs Cougo acredita que essa é uma boa oportunidade para inserir os jovens em uma indústria que está em crescimento.
— Durante a aula a gente não vai para a parte prática direta, a gente conversa, (vê) quantos têm interesse em trabalhar no mercado de jogos, eles falam os jogos que têm interesse em fazer, e eu tento dar uma direção de como eles poderiam seguir para fazer esses jogos. Muitas delas (crianças) já vêm com ideias, porque ideia, é o que eu falo para eles, é de graça, todo mundo tem várias, só que se não executar ela nunca vai sair da cabeça — explica Cougo sobre as aulas.
De acordo com o educador, todos os programas utilizados são gratuitos para, caso o aluno tenha interesse e oportunidade, que possa dar continuidade aos estudos em casa. Alguns protótipos de jogos já estão sendo desenvolvidos em sala de aula.
— Definitivamente, introduzir as crianças a esse assunto é o que fomenta a curiosidade delas, que vai logo acabar fomentando o interesse. Eu, por exemplo, só trabalho com jogos porque quando era pequeno teve uma palestra gratuita na minha cidade, onde somente em um dia foi um designer de jogos lá, e eu fiquei bem interessado na palestra dele, peguei o contato e comecei a trocar e-mails, e ele me explicou por onde poderia começar.