Cada vez mais comuns entre todas as idades e gêneros, as tatuagens já deixaram de ser tabu e se tornaram um acessório ou uma forma de demonstrar qual o estilo da pessoa. No entanto, ainda há muita gente que enxerga esse tipo de arte como algo negativo. Para quem atua na área, é questão de tempo para que as pessoas se acostumem a ver a arte em um número cada vez maior de pessoas.
O mercado de trabalho para os tatuadores na Serra, principalmente em Caxias do Sul, tem crescido de forma rápida. De acordo com Everton Flores, analista de desenvolvimento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), uma pesquisa realizada pela entidade apontou que, nos últimos dois anos (2021 e 2022) o aumento da demanda para o serviço de tatuagens foi de aproximadamente 17% no país. Segundo Flores, a Serra acompanha o número da pesquisa nacional.
— O levantamento do Sebrae aponta um crescimento do mercado de serviços de tatuagem. A ideia que a gente tem, também através desse levantamento, é que o investimento inicial para atuar, formalmente com o Microempreendedor Individual (MEI), tendo o próprio estúdio de tatuagem, é na faixa de R$ 300 a R$ 3 mil, aproximadamente — explica.
Em Caxias do Sul, por exemplo, segundo o coordenador da Sala do Empreendedor, da prefeitura, Silvio Tieppo, são 206 CNPJs ativos para tatuadores, mas o número de profissionais pode ser maior em função da informalidade da profissão. Segundo Flores, quando o tatuador identifica a necessidade de se formalizar, ele tem duas opções:
— Se ele for atuar dentro de um estúdio já existente, como um prestador de serviço, basta simplesmente se formalizar como MEI. Se ele quiser abrir um estúdio próprio, é importante que tenha a licença da Vigilância Sanitária. Como a tatuagem envolve risco de infecção, então é muito importante que ele tenha um ambiente em bom estado de limpeza, de higiene. Nesse caso, o primeiro passo é buscar o licenciamento da Vigilância Sanitária.
Uma vez que o tatuador tenha o licenciamento da Vigilância e a formalização como MEI, já pode atuar no estabelecimento próprio. A orientação do Sebrae é que o profissional busque se aperfeiçoar quanto à gestão do negócio e procure cada vez mais conhecimentos relacionados à área de atuação.
Com desenhos que podem ultrapassar o valor de R$ 1 mil, a procura aumentou e o público mudou. A busca, que antes se baseava em jovens, agora agrega até mesmo terceira idade.
Mercado mudou para melhor
Para quem é "das antigas" o mercado consumidor mudou de forma intensa. Jean Renosto é tatuador em Caxias desde 1989, quando abriu seu estúdio, mas desde 1983 atua na área. A primeira tatuagem foi em um amigo, que gostava dos desenhos que ele fazia e decidiu marcar na pele a arte. Depois, fez uma tattoo em si mesmo e foi aí que a paixão começou.
— Eu disse "não sei fazer, mas posso aprender". As minhas primeiras referências de tatuagem foram militares. O pessoal do quartel, que ficou um ano se lascando lá e aí se juntaram e fizeram uma tatuagem de grupo, bem de tribo. A lógica da tatuagem e, inclusive, a origem são disso, acredito que (a tatuagem) tem a idade da humanidade — explica.
No início, Jean conta que grande parte do público que procurava pelas tattoos era de adolescentes e que as referências eram de revistas norte-americanas focadas em motociclistas, ainda nos anos 1980. No início, o processo era totalmente artesanal: as agulhas eram amarradas com a mão e os decalques eram feitos com caneta esferográfica.
— É a mesma lógica, só que era manual. Mas como o universo conspirava para isso, questão de um ano depois, um dia, bateu na porta de casa um homem que tinha comprado uma máquina de tatuagem de um estrangeiro. Tinha um cartãozinho em inglês, mas ele começou a fazer e não pegou gosto. Eu não tinha dinheiro, mas eu tinha um aparelho de som que valia três vezes o valor. Troquei com ele — relembra.
A partir daí, começou a estudar por conta própria com o novo equipamento de tatuagem. Relembra que, naquela época, as informações ainda eram muito limitadas, principalmente no interior do Estado. Em Porto Alegre já existia um grupo de tatuadores. Um deles, o Frank Tattoo, serviu como referência na época:
— Era uma coisa bizarra. Ninguém tinha tatuagem na época. Ele tinha as mãos e pescoço tatuados e, naquela época, era um tabu. Viajava para o Exterior, falava inglês fluentemente e começava a fazer esse câmbio de material — conta.
No entanto, a tatuagem nem sempre foi bem aceita pelas pessoas. Mesmo atualmente, segundo Jean, ainda é um tabu. Conta que muitas pessoas tatuam partes do corpo que podem esconder no dia a dia e no mercado de trabalho e deixam sem desenhos as áreas do corpo que mais aparecem.
— No começo, era caso de polícia — brinca. E complementa:
—Eu acabei talvez me dando bem, por ser discreto. Eu vi que a tatuagem era uma coisa que chocava e eu tinha tatuagens, então observei que se eu aparecesse menos seria melhor.
Recorda que, quando era mais novo, apenas os jovens gostavam de tatuagens, mas que um boom veio quando a música Menino do Rio, de Caetano Veloso e Baby do Brasil, fez sucesso com o verso "Menino do Rio, calor que provoca arrepio, dragão tatuado no braço".
— A tatuagem, para mim, tem uma uma visão romântica simbólica. Gosto disso, acho que é o que faz a diferença. Posso não ser o melhor dos artistas, mas eu tenho que fazer o meu melhor, tratar da melhor maneira possível, e ter consciência que não sai mais, né? — diz Jean.
De mulheres para mulheres
Apesar de estar crescendo, o mercado de trabalho para tatuadores ainda é restrito para as mulheres. Muitas vezes vistas como secretárias ou com diferença no tratamento, as amigas e agora sócias Gabriela Baioto e Marina Pacheco decidiram investir em um espaço para tatuadoras mulheres e com enfoque no público feminino. As duas se conheceram no meio da tattoo e, apesar de nunca terem trabalhado juntas antes, construíram uma relação que, mais tarde, se tornou o estúdio Lucky Baby.
As duas aprenderam a tatuagem na prática, como aprendizes em estúdios mais antigos da cidade.
— Você aprende muito na prática, estar dentro de um estúdio e aprender com os outros tatuadores... É muito melhor estar na prática, no estúdio, acompanhando como é, desde o atendimento ao cliente, como vão ser as ideias, sair do papel até a prática de tatuar mesmo — afirma Gabriela.
O estúdio veio mais tarde, em 2021, quando Marina já somava 10 anos de carreira e Gabriela, quatro. Além da amizade que uniu as sócias com o objetivo de ter um negócio próprio e diferente do que já existia na cidade, ambas tinham vontade de trabalhar juntas.
— Cada pessoa que você trabalha, você acaba absorvendo alguma coisa no processo da tattoo. A Marina tinha um estilo muito legal que eu me identificava muito antes de nos conhecermos pessoalmente. Foi isso que nos uniu. E pelo fato de criar um estúdio mais voltado para mulheres também, que a gente pudesse ter tatuadoras mulheres, mas somente mulheres, porque aqui em Caxias ainda não tinha — pontua Gabriela.
A ideia de um estúdio 100% feminino veio a partir de conversas que as duas tinham quando se encontravam, sobre as necessidades do mercado, o dia a dia nos estúdios, majoritariamente masculinos, e também sobre o que as clientes, também mulheres, relatavam sobre vergonha e receio dos ambientes mais estereotipados.
— A gente viu a necessidade de ter um espaço do jeitinho que a gente queria, com o que a gente achava que era legal dentro da tattoo. O espaço como a gente queria ter, como a gente achava que seria confortável, principalmente para as nossas clientes, já que a maior parte é mulher. Tinha essa necessidade de ter um espaço que as pessoas pudessem se sentir confortáveis tatuando e sendo tatuadas. Já vimos alguns relatos de mulheres, que, às vezes, não se sentem confortáveis de estar só com homens. Então, aqui é um ambiente que elas se sentem mais confortáveis — conta Marina.
O objetivo, agora, além de ser referência de ambiente confortável às mulheres, é servir de inspiração e espaço seguro para quem quer aprender:
— Quando eu comecei, em 2011, tinha pouquíssimas mulheres tatuando. Sempre foi um mercado muito masculino e é bem difícil no começo, porque já é difícil para quem tá começando, no geral. Eu acho que pra mulher não tinha abertura de espaço e esse acolhimento para começar. Muitas meninas que estão começando agora vêm aqui no estúdio se tatuar com a gente, buscando essa referência — afirma Marina.
Do papel para a pele
Para o casal Nadime Koff e Jack Oliveira, abrir um estúdio próprio foi a materialização de anos de estudo e trabalho no mercado da tatuagem. Nadime, antes de ser tatuadora, já foi arquiteta, curso no qual se formou na universidade e atualmente é professora, função que acumula agora com a tatuagem. Mas a arte sempre esteve presente na vida dela, principalmente por incentivo da família.
— O trabalho do arquiteto é muito voltado ao projeto e acaba se perdendo a questão mais artística. Para mim meio que foi uma frustração. Depois, segui carreira docente nas disciplinas de desenho, desde a faculdade sempre tive reconhecimento do desenho, mas eu sentia aquela falta que me fazia na vida de trabalhar com arte mesmo — conta a tatuadora.
Foi então que decidiu viver da arte, por meio da tatuagem. O início foi de estudos e prática, trocando a lapiseira pela agulha e o papel pela pele. Foi assim também para Jack Oliveira, que antes trabalhava como metalúrgico, mas sempre teve amor pelo desenho, principalmente retratos realistas.
— Eu fiquei seis anos como metalúrgico, mas nesse período eu sempre desenhei. Eu sempre gostei desse meio de arte, aí comecei a desenhar mais. Quando estava com cinco anos de empresa, eu já não aguentava mais, não era o que eu queria, eu queria viver do que eu gosto, então comecei com a tatuagem — relembra Jack.
Uma necessidade que o casal percebeu com o aumento de clientes foi que muitas das pessoas que procuravam tatuagens também queriam colocar piercing. Foi por esse motivo que uniram forças com a profissional, que antes era amiga, Taís Wolff, que atua em períodos específicos no estúdio junto dos tatuadores.
— Nosso público é diverso, mas o que padroniza ele é a procura pelo tipo de arte. O pessoal identifica o tipo de traço, o detalhamento de arte e nos busca pelo estilo. Quem procura tatuagem, quase sempre procura pelo piercing também. É uma profissão quase casada — relata Nadime.
A opção de agregar mais uma profissional à equipe foi para conquistar e fidelizar os clientes, que podem, em um único estúdio, ser profissionais e ter um ambiente de confiança.
Transformar a paixão em trabalho
Unir o amor pela cultura pop e geek com o trabalho como tatuador é uma das conquistas do tatuador Luciano Rossi, que já soma 30 anos de experiência em Caxias. Atualmente, além de tatuar quase que apenas o que mais gosta, os comics, também é proprietário do estúdio Inked Underground. Por lá, além do negócio, abre espaço para profissionais iniciantes, que tenham vontade de aprender e que queiram ganhar experiência com quem já tem credibilidade no mercado.
— Tatuar comics foi uma coisa que aconteceu muito naturalmente porque eu sou nerd. Gosto de cultura pop e isso influencia os meus trabalhos. Unir minha paixão pelos super-heróis e pelos quadrinhos com a tattoo me dá prazer. É uma maneira de estar relacionado e de lidar com as pessoas que gostam das mesmas coisas que eu — afirma Rossi.
Por isso, Luciano destaca que seu público costuma dar mais liberdade para desenvolver os desenhos, porque entendem que ele domina o tema.
— Eu vou saber conversar com a pessoa sobre o assunto, porque eu tenho conhecimento. Então, é algo que eu gosto, e fazer essa fusão do estilo de coisa que tu gosta na tua vida com o teu trabalho, para mim, foi o a cereja do bolo — reflete.
Mas para chegar nesse patamar, a trajetória profissional também contou com dificuldades. Começando aos 17 anos de idade, ele lembra que o início, na década de 1990, teve julgamentos.
— Hoje em dia ainda existe julgamento, então, imagine a década de 90, aqui em Caxias do Sul. Mas, eu comecei a tatuar com 17, e com 23 anos eu já morava em Londres, tatuava lá até cinco anos atrás — conta.
Com foco nas tatuagens de comics, Luciano já conquistou prêmios em grandes feiras e convenções de tatuagens, onde grandes nomes da área se encontram para tatuar, compartilhar experiências e, claro, competir pelos troféus. O prêmio mais recente foi conquistado na 10ª Tattoo City Oficial, uma convenção internacional de tatuagem em Joinville, Santa Catarina, que aconteceu nos dias 6, 7 e 8 de outubro. Por lá, Luciano foi premiado no primeiro lugar na categoria comics.