Oportunidades para ter o primeiro emprego ou recolocar-se no mercado de trabalho, em Caxias do Sul, não faltam. Entretanto, a demanda das vagas ainda não vem sendo atendida pela oferta de pessoas preparadas para ingressar nas respectivas funções. Segundo entidades que representam o comércio, serviços, indústria e construção civil, a falta de mão de obra qualificada virou uma preocupação recorrente na hora da contratação na Serra gaúcha.
— As vagas estão em todos os lugares, porém, em todos os lugares, há o enfrentamento de um problema sério de falta de qualificação.
Assim, o presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Caxias, Celestino Oscar Loro, inicia a conversa com a reportagem sobre o assunto. Na opinião de Loro, o atual momento do mercado de trabalho vive o reflexo de um enfraquecimento do ensino público.
— A qualificação que a gente se refere, ela é de coisas muito básicas, uma soma de matemática simples, uma interpretação de texto, coisas muito primárias. Está chegando no mercado de trabalho uma geração produzida por um momento que o ensino público enfraqueceu muito. Nos faz muita falta um ensino técnico, profissionalizante, onde a pessoa aprende um ofício, além de uma visão de conhecimentos gerais, que aprende determinada atividade, seja eletricista, uma atividade de técnico de comércio, ou coisa do gênero — avalia o presidente da CIC Caxias.
Uma solução, na visão de Loro, é que haja maior incentivo, relacionado ao ensino, para que as pessoas busquem o mercado de trabalho, tornando-se economicamente ativas e produzindo riqueza para o país.
— Me parece que a humanidade toda, na sua trajetória, ela foi movida por necessidades. A necessidade é o que move o círculo da coisa. Se a gente não criar uma obrigatoriedade de que, para receber o benefício, tem que se especializar, tem que se treinar, não vai ter a necessidade de se qualificar e de ser melhor hoje do que foi ontem — opina o presidente da CIC Caxias.
Qualificar para ser contratado
O problema apresentado pela CIC Caxias não se restringe apenas para o município. A presidente da CIC Bento Gonçalves, Marijane Paese, diz que a questão vem "se arrastando já há bastante tempo". Para driblar o gargalo para os setores, a entidade criou um projeto chamado Qualifica Bento, que, em parceria com diversos setores e entidades, incluindo o poder público, oportuniza a qualificação profissional.
— Esse movimento ocorre por meio da oferta de cursos de qualificação previamente sinalizados conforme interesse das empresas contratantes, de modo a tornar sua proposta assertiva e geradora de resultados imediatos. O desafio é fazer com que elas cheguem às pessoas, acompanhado de outra missão importante: conscientizar as pessoas para que elas busquem a qualificação profissional, o que certamente ajudará em seu (re)ingresso no mercado de trabalho — comenta Marijane.
A presidente compartilha que, durante o desenvolvimento do projeto, em 2021, uma pesquisa com mais de 200 indústrias apontou que 85% das empresas entrevistadas tinha carência por mão de obra especializada. Ao todo, 250 profissionais já foram formados com o Qualifica Bento, todos eles com atuação no mercado de trabalho. Dentre os cursos ofertados, estão de Planejamento, Programação e Controle da Produção (PPCP), Programação e Operação de Torno e Centro de Usinagem e de Liderança.
Atualmente, o Qualifica Bento está com turmas gratuitas, em parceria com o Senai, para montador mecânico de máquinas industriais; operador de processos logísticos industriais; pedreiro de alvenaria; confeccionador de móveis por processos; mantenedor de sistemas eletroeletrônico, de máquinas e equipamentos e Fresador CNC. Interessados podem acessar o site para conferir mais informações sobre as qualificações.
Diálogo para alinhar demanda
Voltando a Caxias do Sul, o gerente de operações do Senai Nilo Peçanha, Igor André Krakheche, afirma que há muita conversa entre a instituição e empresários e sindicatos patronais para que, efetivamente, haja o entendimento de qual é o perfil de profissional que há mais necessidade, para conseguir mapear talentos na indústria, mecatrônica, automação e construção civil.
Uma estratégia, deste ano, é que estamos abrindo cursos para trabalhadores das indústrias sem qualificação, para que possam se qualificar, podendo evoluir dentro da própria empresa
IGOR ANDRÉ KRAKHECHE
gerente de operações do Senai Nilo Peçanha
— Os sindicatos patronais nos informam a demanda mais significativa e a gente oferta os cursos para essa demanda. Uma estratégia, deste ano, é que estamos abrindo cursos para trabalhadores das indústrias sem qualificação, para que possam se qualificar, podendo evoluir dentro da própria empresa — exemplifica Krakheche.
Para o gerente de operações, a grande questão é que nem todos os alunos que estudam no Senai querem trabalhar na indústria.
— Seja porque não é o sonho deles, porque, em algum momento, eles se formaram numa idade em que eles não podem atuar pela insalubridade, seja porque entraram no Senai por motivos que não sejam os de investir naquela profissão — acrescenta Krakheche.
Para solucionar a falta de mão de obra qualificada, o Senai tem buscado, junto ao sindicato, qualificar o ingresso dos alunos na instituição. Atualmente feita através de inscrição em edital, a ideia é que já seja identificado se há ou não interesse para atuação na indústria, familiar com vínculo empregatício no setor ou alguma aptidão técnica relacionada.
— O número que nós formamos está adequado com o porte da indústria de Caxias, porém a gente identifica que nem todos acabam indo para a indústria. Ou seja, a gente está investindo no aluno que não se torna um profissional daquela área de formação dele — lamenta o gerente, que complementa que escuta que as maiores demandas no mercado são de soldador, para atuação com máquinas específicas e em robótica.
Diferentemente destes casos, o líder de produção Matheus Pegorini Dani, 19 anos, é um exemplo de profissional que decidiu se manter na área do curso feito inicialmente no Senai. Hoje em dia, Dani lida com automação industrial, mais voltado para didática.
— A oportunidade de emprego me apareceu antes mesmo de concluir o curso no Senai, com a indicação do professor, e, assim que pude, já comecei a trabalhar. Acho que, devido a todas experiências e hábitos desenvolvidos nas aulas, já entrei no mercado de trabalho com uma maturidade profissional — opina Dani.
Também dentro do Sistema S, o Senac busca atender demandas dos setores de serviço e comércio. O diretor do Senac Caxias do Sul, Marcus Guazzelli revela que vem recebendo demandas na área da gastronomia. Entre as ocupações com maior necessidade, estão confeiteiros, padeiros, cozinheiros e pizzaiolos.
— São cursos longos e que preconizam exatamente o formato de trabalho que tem um restaurante. Não usamos o formato de bancada mais para a parte visual e comercial e, sim, da cozinha. Que eles aprendam desde a parte de higienização, limpeza, organização, execução do trabalho, na questão de custo, na parte de empreendedorismo, história da gastronomia — explica Guazzelli.
A solução dentro da empresa
Há quase 12 anos, o Instituto Adelino Miotti, através do Programa Recriar, qualifica jovens como uma consequência positiva do trabalho social. O nome do Instituto homenageia o diretor-presidente das indústrias Soprano, morto em 2010. Miotti era um entusiasta do papel social e educador aos jovens. Não à toa, o Senai de Farroupilha carrega o nome do empresário, que acolheu a instituição dentro da sua empresa. Atualmente, quem dá andamento às atividades do Instituto é a viúva, Lourdes Vanin Miotti, que atua como presidente.
— Ele (Adelino Miotti, fundador da Soprano) acreditava que, se o jovem adquirisse experiências, se o jovem tivesse oportunidade de ter algum curso, quando entrasse no mercado de trabalho, ele já estaria mais qualificado — comenta Lourdes.
Segundo a presidente, para 2024 existe o projeto de dobrar o número de alunos. Atualmente, as turmas são de 25 estudantes, que, além de terem acesso a questões iniciais do mercado de trabalho, também têm contato com educação financeira e situações da vida num geral, como aprender a lidar com problemas na estrutura familiar. Na última seleção, foram recebidas mais de 200 inscrições.
— Eles vão para as fábricas, para as áreas administrativas, conhecem os setores e, a partir daí, descobrem o que precisam, o que gostariam de seguir de carreira. Alguns alunos estão trabalhando com a gente e outros foram contratados em outras empresas e sempre recebemos elogios sobre eles — compartilha a presidente.
A vulnerabilidade social não é só dinheiro, nunca foi, a gente tem muito problema com estrutura familiar
CAMILA MARTINS DE LIMA
Coordenadora pedagógica do Instituto Adelino Miotti
— A vulnerabilidade social não é só dinheiro, nunca foi, a gente tem muito problema com estrutura familiar. Temos a questão de dinheiro também, mas principalmente de estrutura familiar, tem carência afetiva, de carinho, atenção — complementa a coordenadora pedagógica do Instituto, Camila Martins de Lima.
Um levantamento do Instituto aponta que 87% dos jovens que passaram pelo local estão empregados atualmente. Um deles é a analista de marketing júnior, Amanda Lazzari, 23 anos, que se formou na turma de 2017 e, hoje em dia, trabalha na Soprano.
— Eu saí com uma visão muito mais clara do que era um mercado de trabalho, o que era uma organização, uma indústria, o que eu precisava mais estar mais capacitada. Na época, eu tinha e ainda tenho o sonho de ser jornalista, acabei cursando algo mais voltado à Administração, para conseguir ter uma estabilidade, um emprego e a Soprano me deu essa oportunidade — diz Amanda.
Outro aluno do Recriar que ficou na empresa é o analista de desenvolvimento de produto, Alisson Cavalheiro, 27 anos. Ele foi inspirado pelo pai, que atuou por 17 anos na indústria.
— Quando eu comecei, com 16 anos, eu só queria jogar videogame, bola, e me vi em uma situação em que eu estava com os três turnos ocupados. Senai de manhã, Recriar à tarde e escola à noite. Eu tive contato com várias pessoas, cases da indústria, e isso fez com que virasse um objetivo: ser como elas — conta Cavalheiro.
Outros cursos ofertados
- A CIC Caxias tem mais de 85 cursos de qualificação para diversas áreas, como comunicação, marketing e vendas; estratégia, negócios e gestão; financeiro, contábil e tributário; logística e produção; Recursos Humanos (RH), liderança e comportamental. O cursos podem ser acessadas no site.
- O Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região (Simecs), em parceria com o Senai, está com um curso em andamento para qualificar 23 profissionais na área de ferramentaria. A formatura será em 2025.