O DNA empreendedor dos primeiros imigrantes que chegaram na Serra gaúcha foi um dos impulsionadores para que peças automotivas fabricadas na região estivessem presentes, atualmente, em cerca de 120 países do mundo. Segundo dados informados pelo Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico (Simecs) de Caxias do Sul e Região, dos 70 mil empregos gerados em todo setor que o órgão representa - que inclui o automotivo, eletroeletrônico, metalmecânico, ferramentaria e reparação veicular - 45 mil são para a área automotiva. Os dados são de dezembro de 2022, divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
O vice-presidente de Relações Internacionais do Simecs, Rubem Antônio Bisi, conta que a força do setor na região teve início em meados da década de 1950, quando ospovos italianos, que trouxeram consigo a habilidade de transformação do aço, estavam em busca do próprio sustento em solo brasileiro.
A partir da afinidade com serviços de lanternagem e cutelaria, por exemplo, o crescimento gradativo do setor automotivo e de toda indústria da região, que seguiu o processo, pôde ser acompanhado.
— O que impulsionou esse movimento foi muito a necessidade de termos produtos nacionais aqui na região e da dificuldade de termos produtos que eram trazidos do centro do país, onde o Brasil se industrializou. Aqui no extremo sul, a gente teve praticamente que ser autodidata no setor automotivo para chegarmos no resultado da evolução que existe hoje — explica Bisi.
Empresas da Serra no Brasil e no mundo
Acompanhando esse movimento de evolução está a Amalcaburio, sediada em Caxias, que completa 60 anos de história este ano. Fabricante de peças para caminhões, a companhia, fundada em 1963, surgiu a partir da necessidade de desenvolver produtos na região que na época estavam fortemente presentes no eixo Rio de Janeiro-São Paulo. A primeira peça produzida foi uma caixa de bateria para a Fábrica Nacional de Motores (FNM).
— A empresa foi fundada pelos irmãos Gentil e Genir Amalcaburio, que eram lanterneiros e chapeadores. Eles começaram desenvolvendo essas peças dos caminhões FNM e, com o tempo, entraram em outras linhas de produção. Hoje a empresa é multimarca, produzindo para todas as linhas de caminhões que existem no Brasil, América do Sul e América Central — afirma Gelson Amalcaburio, diretor comercial da companhia.
Na empresa, que está presente no mercado de autopeças e montadoras, os cerca de 300 profissionais trabalham com a produção de para-choques, para-lamas, portas, capôs, grades e todos os detalhes presentes nos caminhões, até completar a cabine. A marca atua com linhas para marcas como Mercedes-Benz, Iveco, Volvo, Volkswagen e Ford.
A Master Power é outra marca da Serra que pode ser encontrada em veículos Brasil afora. Com a produção de turbo-alimentadores e turbinas, a empresa de 56 anos, sediada em São Marcos, atende atualmente cerca de 60 países presentes na América, Europa e Oriente Médio.
— Começamos sendo uma oficina mecânica de reparação de motores. Em 1971, a empresa deu início à fabricação de peças e se tornou totalmente industrial e, em 2002, já não fazia mais os serviços mecânicos. Hoje em dia trabalhamos para quase todas as empresas de veículos, são mais de 50 marcas de veículos e dentro dessas marcas vendemos vários tipos de motores — revela Ricardo Letti Borghetti, diretor comercial da companhia.
A empresa de São Marcos compete com fabricantes de turbos de São Paulo, maior nicho industrial do país, e com multinacionais estadunidenses.
O vice-presidente de Relações Internacionais do Simecs revela que, a partir de produções como as que são feitas pelas empresas de Caxias e São Marcos, é possível apontar a grandeza e importância do setor automotivo para a região.
— Eu diria que é o setor mais importante, porque nós temos áreas como a calçadista, agricultura, hotelaria, imóveis, vários outros, mas, somando esses grandes com os fornecedores, percebemos que o automotivo envolve uma cadeia longa. Por exemplo, ele tem praticamente todos os componentes: aço, alumínio, cobre, vidro, borracha, tecido, peças plásticas e isso envolve outras cadeias dentro desse mesmo setor. Tudo isso faz do setor automotivo uma área grande, visto o valor agregado e o produto que a gente fabrica. Temos que lembrar ainda de todos os fornecedores, mão de obra e abastecimento de tudo isso — aponta Bisi.
Entre as empresas de componentes envolvidas no setor está a Belga, também de Caxias, que produz moldes para linha automobilística e linha branca de eletroeletrônicos. A empresa, fundada em 1979, está presente no Brasil e possui maior número de concorrentes no Exterior.
— Nós produzimos faróis para automóveis e também para-choques e painéis de instrumentos. Hoje em dia nós atendemos todas as montadoras, então nossas peças podem ser encontradas na Volkswagen, Fiat, Renault, Nissan, Honda e etc. A empresa começou pequena, no setor de usinagens, e há mais ou menos 30 anos mudou e passou a atuar fortemente na linha automobilística — conta Rafael Lorandi, gerente geral da empresa.
O segredo para o crescimento vivido pela Belga nos 44 anos de existência é acompanhar o mercado e buscar evoluir. Conforme Lorandi, o aprimoramento de tecnologias para a expansão é norma para que a empresa busque ganhar novos espaços e concorrer com empresas de fora do país.
Em Flores da Cunha, a Keko também possui concorrentes do Exterior e está presente em algumas das principais montadoras do mundo. A empresa, que possui 36 anos de história, produz acessórios para personalização de veículos.
— Começamos a produzir de forma artesanal em 1986 produtos para jipes, como santantônios, estribos, porta estepes e, com o tempo, nossos produtos foram se atualizando de acordo com a necessidade do mercado. Continuamos produzindo basicamente o mesmo segmento de produto, mas agora fazemos para picapes e não mais para jipes - diz Lilian Mantovani, gerente de marketing da Keko.
A fábrica da Keko produz peças originais das montadoras Ford, Toyota, Fiat, RAM, GM, Honda, Hyundai, Nissan, Mitsubishi, Volkswagen e Peugeot e envia para todo o Brasil e outros 45 países ao redor do mundo. O destaque atual da empresa é a capota rígida retrátil, vendida desde 2017, que foi uma aposta oferecendo tecnologia e praticidade para os compradores.
A tecnologia aplicada no produto da Keko e nas demais companhias é o que pode impulsionar a Serra gaúcha a se tornar um polo automotivo ainda maior no país. Conforme lembra o vice-presidente do Simecs, a região está em constante desenvolvimento para ganhar ainda mais espaço no mercado.
— Acredito que com muita inovação e criatividade nós podemos ser ainda mais importantes do que somos hoje. Sei de empresas que estão trabalhando em um hub de mobilidade elétrica, com movimentos que podem tornar Caxias do Sul uma cidade com esse diferencial de mobilidade. A partir disso, o Simecs tem programas de desenvolvimento justamente para incentivar o setor automotivo a continuar se reinventando e crescendo ainda mais na região — afirma Bisi.
O conceito de inovação mencionado pelo vice-presidente é abraçado pela Inova, também de Caxias do Sul, que produz painéis eletrônicos de led e o itinerário eletrônico dos ônibus. A empresa está no mercado há 25 anos e trabalha para as principais montadoras do Brasil, produzindo para países de toda América Latina.
— Há cerca de 10 ou 12 anos começamos a trabalhar com ônibus, por ser um nicho com certa estabilidade e bom faturamento. A partir desse movimento, começamos a produzir o letreiro luminoso, que chamamos de itinerário eletrônico, que está na parte frontal, lateral e traseira dos ônibus. Esse produto indica o roteiro que ele faz - diz Rudinei Zimmermann, gerente comercial da Inova.
A empresa, que começou fabricando temporizadores e controles de temperatura, ampliou a atuação e atualmente é uma companhia multissetorial, presente em diferentes segmentos. Buscando fortalecer a própria identidade, a Inova tem produção e engenharia próprios.
Os exemplos das empresas contribuem para uma visão ampla sobre a importância da evolução do segmento automotivo na Serra até os dias atuais. Conforme o Simecs, as cinco trazem componentes que abrem espaço para buscas de maior incentivo na introdução de elementos que possam contribuir logisticamente com o setor, que paga valores altos na importação e exportação dos produtos comercializados.
Além de fornecer peças que equipam muitas fábricas de veículos, quatro das principais montadoras do mundo foram fundadas na Serra e contribuíram para o desenvolvimento do setor. Conforme reforça o vice-presidente do Simecs, as marcas Marcopolo, Agrale, Randon e Neobuss, que atuam em diferentes continentes, deram o pontapé inicial para o crescimento automotivo na região. Gerando muita riqueza, empregando milhares de pessoas e desenvolvimento a economia da região.