Nascido na Serra Gaúcha, cooperativismo de crédito completa 120 anos

Descendente de fundadores da Caixa Rural, em Nova Petrópolis, Ovídio Hillebrand preserva acervo com a história da instituiçãoBruno Todeschini / Agencia RBS

Quando, em 1902, José Neumann Senior fundou, ao lado de outros 19 imigrantes alemães, a Caixa Rural, pensava em resolver o problema da falta de um banco na região de Nova Petrópolis e a consequente dificuldade em conseguir empréstimo. Talvez não imaginasse o quanto aquele passo seria importante e que o bisneto Werno Blásio Neumann presenciaria a instituição ser considerada a primeira cooperativa de crédito da América Latina, que neste dia 28 de dezembro completa 120 anos — em função disso, nessa data também é celebrado o Dia Nacional do Cooperativismo de Crédito.

Talvez não tivesse ideia, também na época, que a cooperativa estaria tão presente na vida da família. Eleito em assembleia, foi o primeiro gerente da então Caixa Rural, sucedido pelo filho José Neumann Filho, avô de Werno. Depois foi a vez do neto José Otto Neumann se tornar gerente até "passar o bastão" para o filho Werno. Ele ocupou a função das três gerações anteriores, entre 1975 e 1993, até ser eleito vice-presidente da Sicredi Pioneira.

— Na época do meu pais, nas décadas de 1940 e 1950, era a única instituição financeira regional. Vinham associados do Vale do Caí, de Santa Lúcia do Piaí, de Picada Café, de Gramado. As pessoas não tinham automóvel, vinham a cavalo de longas distâncias. Era um sinal de que tinha credibilidade — lembra Werno, hoje aos 88 anos de idade.

Crescimento

O que começou com 20 colonos alemães em busca de dinheiro para comprar ferramentas de trabalho, hoje reúne mais de 200 mil associados somente na área de abrangência da Sicredi Pioneira, como é conhecida atualmente. De uma sede improvisada por 31 anos na casa do velho Neumann, em Linha Imperial — espaço que foi dividido com a fábrica de cerveja dele —, atualmente tem agências espalhadas pelo país inteiro.

Havia um slogan que se alguém precisasse de dinheiro e não conseguisse com a Caixa Rural, não conseguiria com mais ninguém.
WERNO NEUMANN
Bisneto de um dos fundadores da Caixa Rural

— Havia um slogan que se alguém precisasse de dinheiro e não conseguisse com a Caixa Rural, não conseguiria com mais ninguém — conta Werno, destacando que os juros sempre foram baixos e que a instituição conseguiu sobreviver a duas guerras mundiais impulsionando o desenvolvimento de Nova Petrópolis e região.

— A Caixa Rural/Sicredi sempre foi voltada para a comunidade, atendendo aos empréstimos para compra de terra, casa, veículos. Participou de todos os empreendimentos que surgiam no município — completa Werno, que foi também presidente da Sicredi Central, de Porto Alegre.

Instituição dobra de tamanho em Caxias

Cento e vinte anos depois, a Sicredi Pioneira tem 48 agências em 21 municípios da área de atuação (desde São Leopoldo até Caxias do Sul e a Região das Hortênsias). As unidades são responsáveis pelo atendimento de 208 mil associados que, juntos, têm depositado na cooperativa um montante de R$ 5,8 bilhões e viabilizam uma carteira de crédito de quase R$ 4 bilhões. Do total de cooperados, 26 mil são empresas e 15% correspondem ao financiamento agro.

— A gente está bastante feliz, especialmente com Caxias, que praticamente dobrou de tamanho nos últimos dois anos, o que é muito expressivo. Atualmente, a cooperativa está chegando na marca de 60 mil associados em Caxias. É o município gaúcho com o maior número de sócios de uma cooperativa de qualquer ramo ou de qualquer sistema, mostrando que é possível a gente praticar cooperativismo também nos grandes centros urbanos — diz Tiago Luiz Schmidt, presidente do Conselho de Administração da Sicredi Pioneira.

"A gente se sente verdadeiramente conectado com todas as cooperativas"

Em todo o país, a Sicredi reúne mais de 6 milhões de associados com mais de 2,4 mil agências distribuídas em mais de 100 cooperativas – dados de 2022. Mas o crescimento não foi apenas na instituição nascida na Linha Imperial. A primeira cooperativa de crédito da América Latina foi fundamental para o surgimento de outras e para o fortalecimento do modelo de instituição financeira.

Segundo dados do AnuárioCoop 2022 — Dados do Cooperativismo Brasileiro (referentes a 2021), o total de pessoas associadas às sociedades cooperativas chegou a 18,8 milhões. O número é 10% superior ao de 2020, quando foram registrados mais de 17 milhões de cooperados no país. O número total de cooperativas subiu para 4.880.

A história de todas as cooperativas (no Brasil) tem a raiz na Linha Imperial.
TIAGO LUIZ SCHMIDT
Presidente da Sicredi Pioneira

— Não é porque é nossa história que ela é só nossa. Fomos a primeira em 1902 e foi por causa dessa história que Nova Petrópolis se tornou capital do cooperativismo. A gente se sente verdadeiramente conectado com todas as cooperativas. A história de todas as cooperativas (no Brasil) tem a raiz na Linha Imperial — acrescenta Tiago Luiz Schmidt.

Os números do Anuário mostram que 8% da população brasileira já é associada a alguma cooperativa de crédito. Ainda está longe dos percentuais de países como Alemanha (30%), França (60%) e Estados Unidos (52%), mas é favorável porque demonstra um crescimento nos últimos anos.

Melhor resultado de todos os tempos

A ampliação de unidades de cooperativas de crédito no país — que praticamente dobraram nos últimos anos, totalizando atualmente 8.593 postos de atendimento — só demonstra a importância do movimento do padre jesuíta Theodor Amstad e dos 20 imigrantes alemães, os fundadores e primeiros associados da Caixa Rural. Foram muitas instituições surgidas após a Sicredi e a Unicred é uma delas.

Com uma confederação, quatro centrais, 33 cooperativas e 285 unidades de negócio, o Sistema Unicred tem 261 mil cooperados e R$ 203 milhões de resultado por ano. O patrimônio líquido é de R$ 2,6 bilhões. Na Unicred Integração (que engloba Caxias, Litoral Sul e Pelotas), o resultado em 2021 foi o melhor da história da cooperativa: R$ 22,2 milhões, considerando os juros ao capital, o que demonstra um aumento de 80% de crescimento em relação ao ano anterior.

São mais de 13 mil cooperados, e, até o final do 1° semestre de 2022, a Unicred Integração obteve um crescimento da sua base de cooperados, superior a 6,5% em relação ao último ano.

— Em 2021, tivemos um resultado histórico. Aumentou 80% em relação a 2020 e é o maior resultado da cooperativa e do Sistema Unicred. 2022 deve acompanhar a tendência — acredita Michele Accorsi, gerente de desenvolvimento e negócios da Unicred Integração.

Em 2022, a Unicred inaugurou três novas unidades e há previsão de expansão para o próximo ano: em Carlos Barbosa, São Luís do Maranhão e Parnaíba, no Piauí. Segundo Michele, a perspectiva de crescimento é ainda maior, porque existe uma proposta do Banco Central de aumentar o número de cooperados no Nordeste do país.

— O nosso modelo de trabalho é ouvir o cooperado, atender às necessidades individuais. Muitos nos procuram por isso. A gente trabalha para o cooperado. O consumidor passou a consumir algo que tenha propósito, ele quer sentir que tem valor, tem um cuidado e preocupação social — completa Michele.

Médico mastologista de Caxias do Sul se associou a uma cooperativa de crédito em 2005Arquivo Pessoal / Divulgação

"Não teria tudo o que tenho se não fosse a cooperativa"

Assim como os imigrantes alemães que fundaram a Caixa Rural em 1902, o médico Flávio Elias Ribas também se associou a uma cooperativa, em 2005, com objetivo de conseguir crédito para iniciar a carreira.

Graduado um ano antes, o médico viu na Unicred, uma instituição voltada à área da saúde, a possibilidade de ter maiores rendimentos e mais investimentos para abrir a própria clínica.

— Me abriu muitas portas para tomar empréstimo e para formar patrimônio através dos financiamentos. Se eu estivesse em um banco tradicional, talvez não teria tudo isso — diz o médico mastologista.

Me abriu muitas portas para tomar empréstimo e para formar patrimônio.
FLÁVIO ELIAS RIBAS
Médico e cooperado da Unicred

Além das oportunidades de crédito facilitado, Ribas ressalta o baixo custo de manutenção da conta e a divisão dos lucros, além da oferta de previdência privada – que ele já tem há 17 anos. O contato próximo entre associado e funcionários também é um ponto positivo, segundo o médico. Para ele, a atenção dispensada pela gerente da sua conta é muito importante.

— Não teria tudo o que tenho se não fosse a cooperativa — finaliza.

Seu Ovídio preserva a história da família e do cooperativismo

Na formação da Caixa Rural, no início do século 20, estavam também os antepassados de Ovídio Hillebrand: o bisavô Franz Oppitz e o tio-avô Franz Hillebrand, que foi, inclusive, o primeiro secretário da cooperativa e será o patrono do auditório do prédio da Sicredi, em Linha Imperial.

A história da família e da participação dos Oppitz e dos Hillebrand na criação da Sicredi é preservada por Ovídio em um museu na propriedade da família, no interior de Nova Petrópolis, com o nome do seu pai, Alberto Hillebrand.

O foco do cooperativismo é chamar a atenção do povo unido, não é um capitalismo explorador.
OVÍDIO HILLEBRAND
Descendente de fundadores da Caixa Rural

No espaço, Ovídio guarda utensílios da imigração e até as primeiras atas da Caixa Rural. Numa delas, há o pedido de ajuda da escola da Linha Imperial para a construção de um prédio próprio.

— A intenção é mostrar o que é o cooperativismo, de todo mundo unido. O foco é chamar a atenção do povo unido, não é um capitalismo explorador — diz o professor e memorialista de 84 anos.

O museu destaca a importância de cada colono alemão na fundação de uma instituição que mudou a vida não apenas deles, mas de tanta gente que veio depois.

— Acho bacana o trabalho que o pai faz, que não é resgatar um herói, mas uma história com todos os seus detalhes. É a vida de pessoas comuns que gerou a Sicredi — diz Sandro Hillebrand, filho de Ovídio.