Um estudo da Confederação Nacional de Municípios (CNM) mostra que as cidades gaúchas podem perder R$ 4,1 bilhões a partir de medidas federais que criam novos gastos e cortes para prefeituras, como o reajuste na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e aprovações dos novos pisos salariais para categorias profissionais, como dos agentes de saúde e do magistério. Na Serra, conforme números da mesma pesquisa, a perda na arrecadação pode ser de R$ 1,3 bilhão. Caxias do Sul lidera o levantamento na região, com o impacto podendo chegar a R$ 556,8 milhões.
Entre as medidas federais aprovadas, entre Executivo, Legislativo e Judiciário, uma que gera impacto imediato nos municípios da região é a redução da alíquota do ICMS para alguns setores. Desde 1º de julho, a taxa passou de 25% para 17% para combustíveis, energia elétrica, telefonia e internet. A mudança é motivada para tentar reduzir o preço da gasolina, após seguidas altas. Apenas essa decisão, aprovada pelo Congresso Federal, pode gerar perda de R$ 177,4 milhões na Serra, de acordo com os números da CNM.
A arrecadação total do ICMS é dividida entre o Estado e os municípios, com 75% ficando com o governo estadual e 25% para as prefeituras.
Entenda, no vídeo abaixo, o que é o ICMS e como o imposto é calculado:
A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) recebe o impacto com "muita preocupação", já que traz uma mudança nos orçamentos municipais. A associação, em levantamento próprio, calcula que as prefeituras da Serra tem redução de 6,5% na estimativa da arrecadação com o ICMS. De mais de R$ 932 milhões que a região poderia arrecadar, o montante passa para R$ 872 milhões após o reajuste na alíquota dos combustíveis e energia elétrica.
— Nós precisamos estar atentos à redução e que possamos cuidar muito de como mexer no orçamento, de como tentar reduzir os custos da máquina pública, para que a gente possa passar dessa fase — afirma o presidente da Famurs e prefeito de Restinga Sêca, Paulinho Salerno.
Para amenizar o impacto, a Famurs, junto a CNM, apoia a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 122/2015, que proíbe a criação de novas contas aos municípios sem indicar uma fonte de arrecadação. Além disso, no último dia 6, em Brasília, Salerno entregou um estudo ao presidente Jair Bolsonaro sobre a perda da arrecadação dos municípios com o reajuste da alíquota sobre os combustíveis.
— Encaminhamos (o documento) solicitando que o governo federal faça, a partir de 2023, uma análise ou estudo, para que possamos ter, quem sabe, uma compensação a essas perdas — conta o presidente da Famurs.
Caxias do Sul tem plano para amenizar impacto
A Secretaria da Receita Municipal de Caxias do Sul calcula, a partir de estimativa do Estado, que o impacto com o reajuste da alíquota do ICMS é de R$ 30 milhões até o final do ano. Para amenizar a perda, a pasta prevê para esse ano um Refis (Programa de Recuperação Fiscal) diferenciado para grandes devedores do município, com débitos acima de R$ 8 milhões. O secretário Roneide Dornelles menciona ainda que um pacote de medidas é estudado e deve ser apresentado até o fim do mês para o prefeito Adiló Didomenico, com o intuito de conseguir alternativas para aumento na arrecadação.
— Caxias fará novos cálculos a partir da alteração do ICMS, mas esperamos que o impacto não seja tão grande, já que os valores que não serão gastos com os combustíveis, circularão no mercado e podem acarretar outros tipos de arrecadação. Ainda assim, é bom refletir, não minimizamos o forte impacto no nosso caixa — comenta Dornelles.
O secretário da Receita Municipal observa ainda que a prefeitura não é contra a redução da carga tributária. Em 2022, a prefeitura reduziu o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) para empresas de informática e congêneres.
— Nós não somos contra diminuir a carga tributária, pelo contrário, somos a favor. Tanto que nesse ano, reduzimos o ISSQN das empresas de informática e congêneres, de 4% a 2% e está dando resultado. Estamos atraindo novas empresas, as empresas que foram embora, estão voltando. Não é terra arrasada. Nós temos muita fé em Caxias. Caxias é uma cidade que está pulsando e com certeza, vamos sair desse momento e vamos sair por cima — destaca o secretário caxiense.
Bento Gonçalves também busca menor dependência de governos estadual e federal
Em Bento Gonçalves, a secretária de Finanças, Elisiane Schenato, afirma que a arrecadação do ICMS é a maior do município. Porém, a prefeitura "vem buscando a menor dependência das transferências multigovernamentais". Elisiane lembra ainda que Bento parte do princípio de administração de se prevenir com despesas, o que ajuda a lidar com a redução na arrecadação.
— Além disso, a estimativa das receitas da Lei Orçamentária Anual é feita respeitando o Princípio da Prudência, ou seja, menor receita e maior despesa, desta forma o impacto previsto pela Confederação Nacional dos Municípios de mais de R$ 6 milhões acaba sendo mitigado. Contudo, mensalmente faz-se o controle para que a despesa não ultrapasse a receita e, caso ultrapassar, para que sejam tomadas as providências de limitação de empenho — pontua a secretária.
Cidades da Serra sentem reajuste de formas diferentes
Pela Serra, os municípios sentem o impacto de maneiras diferentes, bem como avaliam de formas diversas como administrá-lo. Em Farroupilha, até julho, a prefeitura afirma ter recebido mais do que o estimado com o imposto. Até maio, conforme dados da Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul, o valor foi de cerca de R$ 28 milhões. Em julho, a partir do reajuste da alíquota do ICMS, o município estima que receberá R$ 900 mil a menos no primeiro mês após a mudança.
Se a média continuar, o município pode receber R$ 5 milhões a menos do que o previsto. Apesar da redução, o secretário municipal de Finanças, Plínio Balbinot, espera que o impacto seja minimizado com o "estímulo" que a redução no preço do combustível, por exemplo, pode gerar.
— O município, no entanto, devido às fortes economias em pessoal e na otimização de gastos pelas secretarias, feitas já desde o início da gestão municipal, em 2021, encontra-se numa situação estável. Entendemos que a redução dos impostos devem estimular a atividade econômica e, essa sendo maior, mesmo com a redução da arrecadação, o impacto poderá ser minimizado — analisa o secretário municipal de Finanças, Plínio Balbinot.
Em Vacaria, onde o estudo da CNM projeta uma perda de R$ 8,6 milhões, o secretário de Gestão e Finanças, Elder da Costa Nery, calcula que a arrecadação do ICMS do município deve seguir no mesmo patamar, de R$ 55 milhões anuais.
Nery explica que a prefeitura trabalha junto às empresas do município para que todas operem com pagamentos dos impostos em dia. Um dos principais critérios do cálculo para distribuição do dinheiro arrecado com o ICMS é o Valor Adicional Fiscal, que é a diferença entre todas as movimentações de saídas e entradas de mercadorias dos contribuintes de imposto em um município. Em Vacaria, além da saúde e educação, o dinheiro arrecadado também é usado para infraestrutura.
— Nós não vamos ter uma queda, a princípio, porque já vínhamos em um trabalho de incentivo à nota fiscal e fiscalização em empresas. Isso tudo acrescenta ao Valor Adicionado, que para o cálculo é essencial — observa o secretário de Vacaria.
A mesma conscientização é buscada em Canela, como explica o secretário da Fazenda e Desenvolvimento Econômico, Luciano Melo. A prefeitura busca conscientizar cidadãos, desde a escola, sobre a importância do tributo - reforçando, por exemplo, sobre a nota fiscal. O titular da pasta, porém, demonstra preocupação. Para o município da Região das Hortênsias, a perda com o reajuste no imposto deve ser R$ 150 mil a R$ 200 mil mensais, chegando a R$ 2,5 milhões anuais.
— Vai trazer prejuízo para todo mundo. Vai fazer muita falta no contexto da saúde, educação, entre outros pontos — alerta Melo.
Outra preocupação é sobre o novo formato de divisão do ICMS. Como aprovado pela Assembleia Legislativa, a partir de 2024, a qualidade de educação se torna um fator importante no cálculo para divisão da arrecadação entre as prefeituras (25% da arrecadação total do imposto é repassada do Estado para os municípios). Para Melo, a educação foi prejudicada na pandemia, o que pode causar mais perdas aos municípios a partir do novo critério.
Canela está preocupada com a mudança da regra, quando a qualidade de educação entrará como um fator de divisão da arrecadação com o ICMS a partir de 2024. Inicialmente, esse "ICMS Educação" começará como um fator que vale 10% no cálculo para divisão da arrecadação entre as prefeituras, até chegar a 17%, em 2029.
— O que temos feito é trabalhar junto ao governo do Estado para dar o maior subsídio para que todos compreendam como funcionará a questão do ICMS Educação. Vai ser baseado em uma prova, que vai avaliar a qualidade da educação, e a partir disso, terá a mudança da repartição por espécie de ranqueamento dos municípios — responde o presidente da Famurs, Paulinho Salerno, sobre a preocupação.