As temperaturas baixas, que chegaram antes em 2022, são um bom sinal para os negócios na Serra gaúcha. Afinal, o frio pode ser considerado a marca registrada da região. A estação significa aquecimento e bons sinais para setores como os de hotelaria, gastronomia, dos vinhos e das malharias, em cidades como Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Nova Petrópolis, Farroupilha e Gramado, entre outras. Além dos consumidores locais, há uma tendência maior para chegada de turistas, que buscam as experiências típicas da Serra.
Em maio, por exemplo, hotéis serranos chegaram a registrar ocupação de 90% por conta do frio, conforme o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Região das Hortênsias (Sindtur). Sites de viagens também colocam cidades da região como os principais destinos no inverno. Em levantamento, o Booking afirma que Gramado é o segundo destino mais procurado no país durante a estação, enquanto o Decolar contabiliza que a busca por hospedagens na cidade subiu em 25% apenas na primeira quinzena de maio.
A procura por Gramado e por outras cidades da Serra respinga na economia de toda a região. Para o inverno, a expectativa do Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria (Segh) da Região Uva e Vinho é de que a média de ocupação dos hotéis supere os 65% (algumas cidades até ficando acima do índice), batendo o inverno de 2021, ainda afetado pela pandemia, e tendo uma média acima de 2019, quando a estação registrou 60% de taxa de ocupação. Em Caxias, por exemplo, são cerca de 20 hotéis e três mil leitos.
— O inverno é a marca da Serra gaúcha, é o chamariz para aumento de fluxo, visto que o pessoal procura muito a região em função da gastronomia que temos e da hotelaria bastante aconchegante, além da degustação dos vinhos e feiras que temos de inverno — destaca Marcos Ferronatto, presidente do Segh Uva e Vinho.
Nesta estação, a expectativa é de que haja uma forte retomada. Se 2022 fizer frente a 2019, a região pode ter grandes resultados. Naquele ano, por exemplo, Bento Gonçalves recebeu 1,5 milhão de turistas, conforme União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), e Gramado teve cerca de seis milhões de visitantes, de acordo com dados da secretaria de turismo local.
— As duas experiências que o pessoal busca são o frio e a gastronomia típica, que é tradicional para a estação. A nossa gastronomia, como a nossa sopa de capeletti, o quentão, os vinhos e os cafés coloniais, atraem muitos turistas — observa Ferronatto.
Conforto e atendimento especial para atrair hóspedes na Serra
Com eventos como Festa da Uva, Expobento e Fenavinho, os hotéis iniciaram o ano com um movimento maior. Em Caxias do Sul, por exemplo, a média de ocupação foi de 65% nos finais de semana, enquanto a Expobento bateu recorde de público em Bento Gonçalves (com 274 mil visitantes) - o que leva a organização a acreditar que tenha atraído um grande número de turistas. A projeção é de que o cenário se mantenha no inverno, principalmente pela chegada precoce do frio.
No Malbec Casa Hotel, em Bento, a gerente Bárbara Manfroi Chies vê com bons olhos o fluxo previsto para o inverno. Filial do Hotel Mont Blanc, o estabelecimento foi inaugurado durante o Dia dos Namorados de 2021. Desde então, o hotel tem um crescimento no atendimento. Em junho, o Malbec Casa Hotel deve fechar com média de 95% a 100% de ocupação nos finais de semana, a sua melhor até então. A profissional relata ainda que o Mont Blanc, mais antigo no mercado, também conseguirá um dos melhores meses dos últimos anos em 2022.
— Acredito que (o aumento) não se atribui apenas ao frio. Mas, tenho percebido que como o frio veio um pouco antecipado, existe a relação direta com o aumento de reservas. Até mesmo durante a semana, a taxa de elevação têm aumentado pelo frio, porque atendemos muitas pessoas de fora — constata Bárbara.
No inverno, o hotel aposta em serviços diferenciados. Por exemplo, os hóspedes podem ser recebidos com uma taça de vinho tinto, têm acesso a espaço com lareira, café da manhã “aconchegante”, além de terem à disposição, por 24h, chás, cafés, biscoitos e bolos.
— O turista que vem para cá pensa muito no enoturismo, na enogastronomia e nesta gastronomia afetiva. Penso, que tudo isso tem que estar atrelado da hospedagem até as outras experiências que eles terão — aponta a gerente do hotel.
Por mais que o inverno seja uma “marca” da região, a Serra também tem outras épocas fortes, como a vindima. O período de colheitas das uvas, entre janeiro e março, costuma atrair turistas. Para a gerente, é importante que os estabelecimentos e os municípios pensem em programações de acordo com as estações e experiências proporcionadas por elas.
— A vindima também é uma época muito forte. Não é somente pela procura da estação e do frio em si, também é pela procura das programações. Acredito que a programação que a cidade cria de acordo com cada estação é que o chama o turista para cá - argumenta Bárbara.
Mesmo assim, na avaliação da gerente, a vindima ainda fica um pouco abaixo do inverno, porque acaba tendo a disputa com o litoral, por acontecer no verão.
— Pensou no inverno, pensou Serra gaúcha. Então, acredito que o inverno é um pouco ainda mais requisitado neste sentido — ressalta Bárbara.
Comparação na hotelaria do inverno 2022 com 2019
:: Julho de 2022: Expectativa de 65% de média de ocupação
:: Inverno de 2019: Índice de ocupação de 60%
:: Verão de 2019: Média de ocupação de 50%
:: Primavera de 2019: Taxa de ocupação de 45%
*Segh reforça que no verão há competição com litoral
**Comparativo com último ano antes da pandemia
“Amamos o inverno”, afirma turista na Serra
Uma turista que, sempre quando pode, viaja para a Serra é Carla Suelen de Souza, 36. A bancária de Jaguariaíva, cidade do Paraná, e o namorado Silvio César Manoel, 53, escolheram Bento Gonçalves para aproveitar o frio de junho. A opção, desta vez, foi justamente ficar no Malbec Casa Hotel, que fez o casal paranaense se sentir “em casa”.
— Amamos o inverno e a culinária do sul. Vale ressaltar a riqueza do nosso sul e a hospitalidade das pessoas. Recomendo aos turistas que fiquem ao menos uma semana para explorar o local — sugere Carla.
A bancária destaca as experiências gastronômicas, em restaurantes de comida típica italiana e lojas de produtos artesanais, como cucas. Além disso, o casal aproveita o enoturismo, conhecendo vinícolas e degustando os diferentes vinhos e espumantes que a região pode oferecer.
— Em cada vinícola visitada, uma surpresa. Paisagens lindas e bons vinhos. Gostaria de ter tempo suficiente para irmos em todas, pois cada uma tem as suas peculiaridades — elogia a turista.
Vinho, gastronomia e aconchego
Quem vive situação parecida com o hotel de Bento Gonçalves é o Tannat Wine Bar, estabelecimento de Caxias do Sul que mistura a experiência da degustação de vinhos com a gastronomia típica da região. Inaugurado no final de 2020, o bar vive um aumento de movimento neste ano, projetando uma demanda ainda maior para os próximos meses. Entrando no seu segundo inverno, o local percebe como a mudança do comportamento do consumidor, sendo da cidade ou turista, é diferente com a estação.
— Conseguimos notar que a diferença acontece, tanto na questão da gastronomia, em que pratos mais pesados e encorpados crescem o consumo consideravelmente. A parte dos vinhos também muda, onde o vinho tinto representa 70% do consumo entre vinhos e espumantes, quando no verão é ao contrário — analisa Erich Tortelli, um dos sócios do bar, ao lado de Alessandro Beltrame, Jéverson Brisotto e Jonatan Bittencourt.
Tortelli calcula ainda que a queda das temperaturas, em maio, já ajuda a atrair um público maior, tanto em dias de semana, quanto nos finais de semana. O crescimento no período seria de 20% a 30%.
— Para nós, esse clima frio nos dá até uma certa vantagem. Pelo nosso espaço ser consideravelmente grande, totalmente fechado e totalmente aquecido, notamos que conseguimos atrair mais clientes do que propriamente no verão — garante o sócio, que calcula um tíquete-médio de consumo de R$ 100 por consumidor, que pode subir entre R$ 10 e R$ 20 na estação.
Para deixar o ambiente e o atendimento ainda mais aconchegante e acolhedor, o estabelecimento aposta em um cardápio especial para o inverno, com pratos mais robustos como massa à carbonara e lasanha. Além disso, há opções especiais, como sopa no pão às terças - com diferentes molhos em cada semana, rodízio de vinhos nas quintas com rótulos selecionados pelo sommelier do estabelecimento, e fondue no pão nas sextas.
Um vinho para cada estação
Historicamente, o consumo do vinho tinto aumenta no inverno, pela característica “encorpada” e pela fácil harmonização com pratos da estação. Do outro lado, os vinhos branco e rosé e espumantes se tornam os “queridinhos” de épocas mais quentes, como primavera e verão. Em 2022, a tendência ainda é sentida, apesar de que o vinho tinto, além de ser mais apreciado no inverno, também tem vendas constantes ao longo de todo o ano.
— O vinho tinto é mais apropriado para o inverno, o pessoal aprecia mais. Já o vinho branco é um pouco mais ácido, que vai muito bem gelado no verão e na primavera — explica Darci Dani, diretor-executivo da Associação Gaúcha De Vinicultores (Agavi).
Prova sobre a regularidade do vinho tinto estão em dados da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do RS, acompanhados pela Agavi. Entre janeiro e abril de 2022, quase 42 milhões de litros de vinho de mesa tinto do estado foram comercializados, além de quase 4,2 milhões de litros de vinho tinto fino. O vinho de mesa, inclusive, segue como o preferido do público, apesar da boa venda de espumantes e vinhos finos (como é visto no quadro abaixo). Apenas entre janeiro e abril de 2022, mais de 48 milhões de litros de vinho de mesa do estado foram vendidos, contra 6,1 milhão de vinhos finos, no mesmo período.
Em comparação com outros anos, inclusive, o vinho de mesa teve uma leve queda de 3,99% nas vendas - já em comparação com 2019, último ano antes da pandemia, a redução é de cerca de 7%. Do outro lado, os vinhos finos estão em alta em relação a 2019, com quase 50% a mais nas vendas - apesar da queda de um pouco mais de 3%, se comparado com o período de janeiro a abril do ano passado. A expectativa, porém, é de que as vendas melhorem.
— O frio sempre foi um impulsionador das vendas de vinhos. Passamos uma época de pandemia, se compararmos com estes anos é um pouco diferente, temos que voltar para 2019, que tinha uma condição parecida. Mas, estamos na esperança de vender bem — pondera Dani.
Por enquanto, as entidades não contam com um comparativo de vendas por estações, uma vez que existe um trabalho para que as diferentes variedades sejam vendidas e apreciadas durante o ano inteiro.
Abrindo espaço para outros rótulos
Os consumidores parecem ter o gosto bem definido, mas sempre abrem espaço para experimentar novos rótulos. É o caso de Carla, a bancária do Paraná mostrada no começo da reportagem, que prefere os vinhos tintos, mas prova sugestões de vinícolas e restaurantes, e do empresário Arévalo Almeida, 43. O morador de Caxias tem o vinho tinto malbec argentino como o favorito, mas sempre procura experimentar novos rótulos, como na estação mais gelada.
— Vinho em geral, gosto de apreciar bastante rótulos diferentes e harmonizações. Inverno é isso, né? Vinhos, comidas quentes e diversão — comenta Almeida, que costuma diversificar na compra da bebida, apesar da preferência.
No inverno, o empresário gosta também de experimentar as bebidas em bares e estabelecimentos mais aconchegantes, como o próprio Tannat. No verão, também toma vinhos mais refrescantes, mas mantém o consumo dos rótulos preferidos. Almeida, que tem uma ‘adeguinha’ em casa, costuma comprar entre quatro a cinco novos rótulos por semana.
Proporcionando experiências únicas
De acordo com a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), o setor das vinícolas pode aquecer no inverno também pelo enoturismo, que está em alta. Os passeios nas vinícolas, que envolvem experiências com os vinhos e o ambiente em que são produzidos, se tornam fontes para potencializar o verão na Serra, e não apenas a estação mais gelada do ano.
Uma empresa da região que proporciona estas experiências e vive esta realidade é a Vinícola Cristófoli, da comunidade de Faria Lemos, em Bento, e que está há 33 anos no mercado. Uma das principais fontes da vinícola, comandada pela família, é justamente o serviço personalizado, que oferece degustação das bebidas e refeições em lugares encantadores, como em um ambiente cercado por parreirais.
Por ter mais opções ao ar livre, como o edredom nos parreirais - que é um piquenique no ambiente - o maior faturamento da vinícola é no verão. Bruna Cristófoli, administradora da empresa, calcula que o tíquete-médio de cada consumidor no fim do ano é de R$ 250, enquanto no inverno é de R$ 200. Bruna nota que as pessoas tendem a comprar mais vinhos quando visitam a vinícola no meio do ano, enquanto aproveitam mais as experiências nos dias mais quentes.
— A alta temporada da Serra é o inverno. Na nossa empresa, temos uma situação um pouco atípica. Nós trabalhamos muito ao ar livre, então, no nosso caso, a alta temporada é o verão porque temos experiências que envolvem a vindima. O que observo é que quem visita a Serra pela primeira vez, vem pelo inverno, então vão nos lugares mais tradicionais. Depois que elas visitam, percebem que os vinhedos estão em dormência no inverno e não tem uvas. Assim, ficam fascinadas e querem voltar na vindima — descreve a administradora.
Mesmo com a tendência, experiências voltadas para o inverno também são oferecidas. Com este cenário, a vinícola, que conta com o trabalho de sete familiares e mais quatro funcionários, tem duas épocas fortes no ano: o inverno e o verão. O mesmo acontece com outras empresas na Serra.
— A vindima é uma joia pouco explorada e tem potencial para crescer muito. A nossa empresa já vem trabalhando com isso — enaltece Bruna.
Frio antecipado, vendas em alta
Como adiantado pela coluna Caixa-Forte, a projeção é que o inverno de 2022 iguale ou supere os melhores anos do setor das malharias na última década, como 2016. De acordo com a Associação dos Centros de Compras da Serra Gaúcha (Acecors), as empresas já teriam vendido 60% das coleções para lojistas e as vendas podem ser de 20% a 25% maiores que no ano passado.
Um dos indicativos é o movimento em centros de compras de lojistas. No Centro de Compras de Farroupilha, por exemplo, a melhora no movimento foi notada a partir da chegada do frio.
— As pessoas, antes, estavam evitando sair de casa e evitando os gastos. Notamos um aumento na movimentação. Todos estão ansiosos por essa retomada e a ideia é que se mantenha — relata Marisa Mussoi, administradora do Centro de Compras.
O presidente da Associação de Malharias de Nova Petrópolis e Picada Café, Márcio Kny, também acredita que o setor pode alcançar patamares de anos anteriores. Geralmente, os picos de vendas são em maio, junho e julho. Neste ano, com o frio antecipado, o movimento já ganhou destaque a partir de abril.
— Eu diria até que podemos voltar para 2016, 2017, anos de maior frio e menos interferência externa na economia, como em 2018 tivemos a greve dos caminhoneiros e em 2019, que tivemos um inverno ameno. Estamos dentro de um retorno à normalidade, com bom período de vendas — celebra Kny.
Outro grande indicativo sobre esse aumento é o resultado da Tricofest de Nova Petrópolis, realizada entre 13 de maio e 19 de junho. O evento tinha a expectativa de movimentar R$ 6 milhões, quando o resultado foi de R$ 10 milhões. Entre 16 a 31 de julho, o Tricofest também terá uma edição em Picada Café.
Uma vantagem de 2022, como menciona Kny, é a possibilidade da venda em eventos e feiras. No ano passado, já existia um aquecimento neste comércio, mas com muito foco nas lojas das malharias - como na do presidente da associação.
— Ano passado foi bom, porque como não tinha evento, procuravam na loja, e agora este ano, temos o evento e a loja aberta, então vendemos bem — acrescenta Kny.
O presidente da associação, que também é dono de malharia e professor universitário, vê que as boas vendas trazem um grande significado para o segmento.
— Fica evidente com a retomada, a esperança e perspectiva de que malharia pode ser um bom negócio. Conversando com colegas, muitos estão com o entusiasmo renovado, voltando a sonhar, não apenas com contenção de despesa, mas com as empresas investindo em maquinário, matéria-prima, voltando a pensar em coleção elaborada, com mais capital à disposição para reinvestir na base — destaca o presidente da associação.
De olho em geração de empregos
Para comunidade da Serra, o aquecimento na economia com o frio pode também gerar mais postos de trabalho. Não há uma projeção específica para os setores, mas existe a expectativa de novos postos com a maior movimentação.
— Com certeza, esse aumento de fluxo na hotelaria e na gastronomia, reflete diretamente no aumento dos postos de trabalho. Principalmente nas vendas de vinhos, que é um serviço diferenciado, nos restaurantes e hotéis que também trabalham com serviços harmonizados. Os clientes são muito bem tratados, servidos na mesa, com lareira, com locais mais aconchegantes para atrair o cliente. Isso demanda maior quantidade de pessoas para o trabalho — prevê Marcos Ferronatto, presidente do Segh Uva e Vinho.
Já em abril, por exemplo, o setor de serviços foi o terceiro que mais gerou postos de trabalho em Caxias do Sul, com a criação de 271 empregos. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o setor ficou atrás apenas da indústria, que teve geração de 480 vagas.
Conforme a Agavi, no setor das vinícolas a tendência é que a geração de empregos aumente durante a vindima, por conta da colheita das uvas e até mesmo pelos serviços de enoturismo oferecidos pelas empresas da Serra.