Começar um negócio próprio exige coragem e dinheiro, mas também alguns conselhos sobre finanças. Foi nessa necessidade de apoio aos jovens empreendedores que as operadoras de microcrédito encontraram seu público. Acreditar nos sonhos de confeiteiros, cabeleireiros e outros autônomos também é uma forma de mudar a sociedade. É isso que motiva o Banco da Mulher, mantido voluntariamente por mulheres caxienses, e o Banco da Família, que já concedeu mais de R$ 1 bilhão em crédito em operações na Região Sul.
Ambas as instituições têm a mesma origem e, por isso, a mesma ideia que os difere das instituições bancárias tradicionais. Em vez da papelada e pacotes de serviços, esses agentes de crédito apostam em uma visita ao empreendimento do cliente. É conhecendo a história e o trabalho das pessoas que essas associações financeiras decidem o valor que podem emprestar. Somado esse conhecimento à taxa de juros reduzida que é oferecida, o sentimento que fica é de uma parceria.
— A dificuldade de acesso ao crédito é uma das maiores formas de exclusão social. Temos esse diferencial de entender o nosso cliente. Nossos clientes sabem o seu trabalho, mas não têm domínio sobre negócios, como calcular o valor a ser cobrado, por exemplo. Nossos agentes de crédito são treinados para conversar e orientar o cliente — explica Cátia Ferreira, supervisora da agência do Banco da Família em Caxias do Sul.
Esse propósito surgiu em 1975, durante a 1ª Conferência Internacional da Mulher, no México. Lá, começaram a ser traçadas estratégias para reduzir a discriminação à mulher e favorecer seu avanço social. Foi por esse ideal que, com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), nasceu o Women's World Banking, uma organização internacional sem fins lucrativos que busca fornecer às empreendedoras o capital e informações necessárias.
A iniciativa chegou no Brasil em 1984, no Rio de Janeiro. A vinda para Caxias do Sul se deve a Marien Salatino Rech, que ouviu sobre a proposta em uma conversa informal e acreditou no potencial da cidade. Ela mobilizou outras mulheres que conhecia pela Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) e buscaram conhecimento e parcerias para, em maio de 1997, criarem uma filial do Banco da Mulher.
No Brasil, o Banco da Mulher chegou a ter 21 afiliadas. Contudo, com o tempo, o Women's World Bank passou a exigir profissionalização, e a maioria das unidades não conseguiu manter o funcionamento. Fiéis a sua proposta, as mulheres caxienses optaram por se desfiliar e se qualificar como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). A continuidade da instituição fez com que Caxias do Sul seja detentora da marca Banco da Mulher no Brasil.
Já o Banco da Família também era uma unidade filiada do Banco da Mulher por iniciativa da Câmara da Mulher Empresária, da Associação Empresarial de Lages. Em 2003, diante das novas exigências, a proposta foi ampliada e recebeu o novo nome, também registrada como uma Oscip. A chegada no Rio Grande do Sul aconteceu em junho de 2005, com a agência em Caxias.
Ao completarem 25 anos e 17 anos de operação, o Banco da Mulher e o Banco da Família, respectivamente, mantêm-se fiéis e orgulhosos à sua missão: promover a transformação social por acreditar no trabalho e no sonho dos novos empreendedores.
Como solicitar microcrédito?
No Banco da Família:
O protocolo de solicitação pode ser feito pelo site ou pelo aplicativo WhatsApp ou pelo telefone. É preciso os seguintes documentos:
:: Carteira de Identidade e CPF;
:: Comprovante de residência atualizado, sua e da atividade, se houver
:: Três últimos comprovantes de renda, se houver renda fixa também.
As condições oferecidas são:
:: Taxas de juros de 3,69%.
:: Limites de concessão de R$ 500 até R$ 25 mil.
:: Prazos de até 12 vezes (giro) e 36 vezes (fixo ou misto).
No Banco da Mulher:
O atendimento pode ser agendado pelo telefone (54) 3218-8017. É preciso apresentar:
:: Documentos de identificação e comprovante de endereço.
:: Comprovante de renda.
:: Avalista.
As condições oferecidas são:
:: Taxas de juros de 2,9% ao mês.
:: Empréstimo de no máximo R$ 15 mil.
:: Prazos de até 18 vezes.
"Respeito ao nosso sonho é uma parceria"
Conseguir trabalhar com o que gosta e do jeito que acredita é sempre um desafio. Ainda mais em uma profissão nova. Soma-se a isso a vontade de reservar um tempo para também criar os filhos, e temos a história de Cristiane Amôedo. Após 10 anos de carteira assinada, ela decidiu trabalhar em casa e virou uma microempreendedora individual (MEI). Além do apoio familiar, a empresária encontrou no Banco do Mulher o suporte necessário.
— A minha relação é profissional e emocional, porque me sinto muito acolhida por eles. Abri meu negócio em 2014 e, alguns meses depois, procurei eles. Solicitei empréstimo para aumentar meu mix de produtos. Foi importante para fortalecer aquele meu primeiro passo — conta.
"Começamos no tamanho que comportamos pisar, mas o objetivo é crescer sempre. Ter essa relação nos dá essa segurança"
CRISTIANE AMÔEDO
Para trabalhar em casa e ficar próxima do filho, desejo que ela cumpriu até os cinco anos dele, Cristiane montou um serviço de mala delivery. Ela escolhia roupas e acessórios e enviava para suas clientes, que podiam experimentar com calma em suas residências.
O negócio deu certo e permitiu à empresária continuar sua formação em Consultora de Imagem e Estilo. Com nome de Cris Amôedo Consultoria de Imagem, ela migrou para essa área em 2018. No ano passado, alugou o primeiro espaço físico para seu negócio. E aproveitou para inovar novamente, criando uma boutique exclusiva para suas clientes.
— Começamos no tamanho que comportamos pisar, mas o objetivo é crescer sempre. Ter essa relação (com o Banco da Mulher) nos dá essa segurança. A gente tem esse apoiador e pode sonhar com novos movimentos. O sentimento é que estão sempre comigo. Empréstimo costuma ser uma preocupação, uma angústia, só que no Banco da Mulher o sentimento é que é justo. É uma relação que dá tranquilidade — exalta Cristiane.
A empresária ressalta que o principal diferencial é a taxa de juros reduzida, afinal, o empréstimo é um negócio. Só que a proposta do Banco da Mulher passa essa confiança, por isso a cliente retorna. As visitas e palavras de outras mulheres experientes e bem sucedidas ajudam a transformar o sonho em realidade.
— A gente vive num mundo que ainda é muito machista. E ainda enfrentei preconceito que existe contra MEI e de uma profissão nova que, no meu caso, muitos consideram fútil. Conhecer uma instituição que tem esse nome, já dá uma conotação de acolher diferente, de realmente abrir os ouvidos para conhecer a necessidade e o auxílio que a mulher precisa para se estabelecer no mercado de trabalho. Esse respeito ao nosso sonho é uma parceria que não tem como esquecer, por isso se perpetua — salienta Cristiane.
"Nos conheceram e viraram nossas clientes"
Para os irmãos Silveira, a parceria do Banco da Mulher foi a base para a ascensão da Unique Estética e Clínica. O empreendimento surgiu em 1999, a partir da união dos talentos dos irmãos Rejane, 57, Elenamares, 55, e Valdemir, 52. Na época, o Banco da Mulher também era uma ideia nova, e a visita das voluntárias criou um laço.
— Foi uma força que não encontramos em outras instituições. É um tratamento mais personalizado. Elas ouviram o que precisávamos e conseguiram ajustar para ficar bom para ambos. Uma verdadeira parceria — aponta Valdemir.
— Elas vieram aqui nos conhecer e criou essa relação da parte financeira com a pessoal. Na época, o Banco tinha uns dois anos, e elas viraram nossas clientes ao mesmo tempo que viramos clientes delas. Foi uma relação muito legal — complementa Elenamares.
O primeiro endereço da Unique foi na Avenida São Leopoldo. Depois, em 2007, o empreendimento foi ampliado em uma sala da Rua Marechal Floriano, no bairro Exposição, onde continua. Todas as etapas do sucesso do salão e clínica contaram com a salvaguarda do Banco da Mulher.
— A primeira vez foi para pedir uma ajuda para termos capital de giro. O investimento inicial já tínhamos feito, mas precisávamos de uma ajuda extra. Depois, fizemos mais três ou quatro empréstimos. Uma hora era para potencializar os equipamentos, outro para mudanças, depois para ampliar o espaço — lembra Rejane.
"Foi uma força que não encontramos em outras instituições. É um tratamento mais personalizado"
VALDEMIR SILVEIRA
Nestes 23 anos, os três irmãos desenvolveram suas habilidades e fizeram parcerias com diversas empresas tradicionais de Caxias do Sul. Na década passada, a Unique montou um ônibus para fazer atendimentos em eventos e ocasiões festivas, como Dia do Trabalhador ou Dia da Mulher.
— Fazíamos esse atendimento externo, cortando cabelo, fazendo sobrancelha e pintando unha tudo dentro de um ônibus. Começamos oferecendo massagem para as empresas e cresceu para a empresa contratar o serviço que queria. Montávamos a equipe e levávamos até o evento da empresa. Era uma equipe de 23 (pessoas) atendendo — conta Valdemir, listando os serviços de salão de beleza, barbearia, quiropraxista, podologia, massagem e depilação que a Unique oferece até hoje.
As ideias dos três irmãos vigoraram nestas mais de duas décadas acompanhando várias mudanças do cenário econômico. Só que, para o empreendedor, o desafio sempre se renova. Mesmo com sua marca consolidada no mercado caxiense, a Unique está novamente em um momento de reflexão.
— A pandemia mudou muito nosso mercado. Antes, o salão estava sempre cheio, tínhamos vários funcionários atendendo mais de uma cliente, e todos gostavam desse ambiente. Agora, as pessoas já ligam e perguntam quantos atendem por hora. Elas não querem aglomeração — explica Valdemir.
— Nosso público está nessa trajetória com a gente. Querem era cliente lá em 1998, continua com a gente. Há famílias que já atendemos a terceira geração. Então, uma boa parte da clientela está com mais idade e se preocupa com questões de saúde. Antes era vuco-vuco, agora querem ser atendidos sozinhos. Diminuiu para 60% nosso atendimento —complementa Elenamares.
Microcrédito na Região Sul
Operadoras: 15 Oscip
Clientes ativos: 82.057
Ticket médio: R$ 6 mil por cliente
Valor emprestado: R$ 465 milhões
Média de inadimplência: 2,52%
Fonte: Relatório de 2021 da Associação Brasileira de Entidades Operadoras de Microcrédito e Microfinanças (AbCred).