É em meio às baixas temperaturas que diversos segmentos da economia se aquecem na Serra gaúcha. E um dos principais termômetros está na rede hoteleira, principalmente na Região das Hortênsias e nos Campos de Cima da Serra, dois importantes destinos turísticos do Rio Grande do Sul. O anúncio da expectativa de neve na região — que se confirmou em São José dos Ausentes na terça-feira (16) — e as temperaturas próximas a 0ºC em diversos municípios da Serra, atraíram turistas e registraram ocupação acima de 50% em hotéis e pousadas da região em dias úteis, comportamento considerado atípico pelo setor, ainda mais faltando um mês para o início oficial do inverno.
De acordo com dados do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Região das Hortênsias (Sindtur), a última semana iniciou com 52% de ocupação nos pouco mais de 30 mil leitos disponíveis em Gramado, Canela, Novas Petrópolis e São Francisco de Paula (veja o quadro abaixo). Na quinta-feira (19), alcançou 70% e o volume de reservas prevê que 90% dos leitos estejam ocupados até domingo (22). Na visão do presidente do Sindtur, Cláudio Souza, quem viaja está se programando com mais antecedência, reservando a estadia meses antes, o que permite ao setor projetar a temporada de inverno com mais segurança.
— Vivemos o clima de inverno em pleno outono. A excelente movimentação nesse período nos indica que teremos uma alta temporada com muita procura. O turista da Região das Hortênsias, que é predominantemente nacional, ou seja, gaúchos e de outros estados brasileiros, está se programando mais na hora de viajar. Para junho, por exemplo, algumas datas na rede hoteleira não estão mais disponíveis. Para julho e agosto, daqui a algumas semanas, também deve ocorrer o mesmo. Os finais de semana são os mais concorridos e, quem quiser viajar, vai precisar fazer o passeio em outras datas ao longo da semana — analisa Souza.
Essa movimentação, segundo o presidente do Segh, ainda é resultado da demanda represada com a pandemia, quando o turismo ficou em baixa com a redução da circulação de visitantes nas cidades. Ao mesmo tempo, as famílias estão saindo de casa para viajar em meio a um cenário de alta no preço dos combustíveis e da alimentação, por exemplo, o que pode deixar o passeio mais caro. Na visão dele, o turismo seguirá forte mesmo diante do cenário incerto.
— O frio chama muito a atenção. Quem puder, vai viajar e com certeza estará na nossa região. Temos uma capacidade de recuperação muito rápida, quem está vindo é porque pensou no passeio lá atrás e quem quer vir agora vai fazer um esforço para estar aqui. Não acho que seja um momento ruim — analisa.
Para o secretário municipal de Turismo de Cambará do Sul, Marcelo Sartori, a cidade está cada vez mais preparada para receber os turistas e isso se reflete na boa ocupação dos hotéis e pousadas do município. A estimativa é que o município tenha cerca de mil leitos em hotéis e pousadas.
— As baixas temperaturas fazem muito bem para o nosso município. Atrai mais pessoas, movimenta mais a cidade. É o nosso melhor momento — afirma.
O sentimento é o mesmo compartilhado pelo presidente da Associação dos Empreendedores de Pousadas Rurais e Hotéis de São José dos Ausentes (Apruha), Cléber Pasini. O município da Serra registrou neve nesta semana, a primeira do ano no Rio Grande do Sul. A entidade e a prefeitura do município não têm dados da ocupação da rede hoteleira na cidade.
— Nosso forte mesmo é junho e julho. Nessa época, chega a faltar espaço — resume.
Dados hotelaria (em números de leitos)
Gramado: 22.654
Canela: 4.643
Nova Petrópolis: 1.634
São Francisco de Paula: 1.115
Cambará do Sul: 550
São José dos Ausentes: 300
Metade dos apartamentos ocupados em dia de semana
Em um dos maiores hotéis de Cambará do Sul, com 32 apartamentos, a última semana não registrou menos do que 50% de ocupação. São os efeitos das baixas temperaturas em pleno outono gaúcho. Para este final de semana, não há mais vagas. Para os próximos, restam poucas oportunidades de estadia no local, segundo a gerente do empreendimento, Stephany Brugnera.
— É um número muito bom porque, para nós, em dias de semana, é mais difícil chegar a esse patamar. O nosso forte é o final de semana. Em junho e julho, estamos prevendo uma ocupação muito maior no sábado, domingo e feriado, mas começa a surgir procura para dias de semana. Além do frio, vamos ter as férias escolares também, que ajudam a impulsionar — conta ela, que está há sete anos na função.
Segundo Stephany, além dos gaúchos, a maioria dos turistas são da região Sudeste. Ficam, em média, duas noites. Para atender o público, a unidade investiu em áreas de lazer, permitindo que o visitante encontre opções de entretenimento dentro do hotel. São passeios em pedalinhos, caiaque, pesca esportiva, piscina coberta e externa e sauna.
O espaço, inaugurado em 2010, concentra ainda um restaurante, que é aberto também para quem não está hospedado, mas que está fechado e deve reabrir neste inverno. O hotel concentra ainda uma agência de turismo, que ajuda na hora de guiar os turistas em busca de atrações na cidade.
— O turista não quer apenas hospedagem, quer coisas diferentes. Além do que oferecemos aqui, temos pacotes com empresas que oferecem passeio de balão, cavalgadas e roteiros em 4x4. Os turistas querem visitar os cânions, mas ampliam a experiência na cidade — destaca.
Segundo ela, o turismo na cidade ganhará mais força quando forem concluídas as melhorias na RS-020, que liga Cambará do Sul a São José dos Ausentes. O governo do Estado autorizou em dezembro a pavimentação dos últimos 26,6 quilômetros da rodovia. Dessa forma, dois dos principais destinos do frio na Serra serão interligados por uma rodovia pavimentada. Além de ligar Cambará e Ausentes, a RS-020 vai se unir à BR-285, em fase de conclusão nos Campos de Cima da Serra e em Santa Catarina. Dessa forma, será possível acessar a BR-101 na cidade catarinense de Araranguá.
— Com estradas melhores, mais turistas de Santa Catarina estarão aqui na região, porque é um público que gosta bastante do que temos para oferecer aqui — avalia.
Moradora investe em cabanas de madeira e lota espaços antes do inverno
Circular por Cambará do Sul permite perceber a quantidade de obras em andamento e novos empreendimentos, principalmente para hospedagem. E foi pensando em fazer investimento na cidade onde nasceu que Sheila Martins inaugurou recentemente uma pousada formada por 12 cabanas, que diferem apenas entre espaço para família ou casais. As estruturas utilizam madeira da própria cidade, que é referência também na exploração dessa matéria-prima.
A ideia de inaugurar o espaço surgiu, segundo ela, por entender que era necessário ter uma nova fonte de renda e aproveitar o potencial turístico do município. Entre ter a ideia e receber os primeiros hóspedes, foram um ano e meio. A pousada iniciou com cinco cabanas, mas, desde o ano passado, ampliou para 12. O espaço é como se fosse um quarto, com lareira e televisão.
— Meu marido trabalha no ramo da madeira e chegou um momento que pensei que tínhamos que investir em alguma coisa além disso. Como a cidade está crescendo, optamos por oferecer hospedagem com a proposta das cabanas. Nosso diferencial é permitir mais comodidade e silêncio porque estamos mais afastados do Centro. A decoração também é um diferencial, não é rústico. Coloquei em prática o que eu gostaria de ver se fosse me hospedar — explica.
Quem chega ao local encontra o recepcionista Marcelino de Mello, que é natural da cidade e sempre trabalhou com turismo. Anos atrás, trabalhou nos parques nacionais, onde acumulou experiência para entender como a economia da cidade se movimenta com as temperaturas baixas.
— A procura pela hospedagem aumenta com o frio. No início do ano, no verão, tivemos baixa procura porque entendemos que os visitantes iam para os parques, mas logo desciam para o litoral. Agora, com o frio, permanecer na cidade é regra. Para este final de semana, vamos ter todas as cabanas lotadas. Um bom termômetro é o WhatsApp. Muita gente entra em contato para conhecer, saber mais, e logo se torna uma reserva — conta ele.
As diárias custam, em média, R$ 450. Segundo a proprietária, há poucas datas disponíveis para hospedagem no local no mês que vem, principalmente aos finais de semana.
Caxiense foi pioneira em instalar contêineres como opção de hospedagem em Cambará
Na prática, quem chega a Cambará do Sul está em busca de novas experiências. E essa preferência começa desde o momento da escolha do local onde se hospedar. Além dos hotéis e pousadas tradicionais, a cidade ganhou, nos últimos anos, novas opções para estadia, que permitem aos turistas e visitantes mais conexão com a natureza, mas sem perder o conforto, a comodidade e sem passar frio.
Em 2016, quando chegou a Cambará para fazer a trilha do Rio do Boi, no cânion Itaimbezinho, a empresária Carina Boff não encontrou locais para se hospedar. A opção foi dormir em uma casa de família. Da dificuldade, ela enxergou um modo de empreender e investir. Pouco tempo depois, voltou para a cidade, localizou um terreno com uma vista surpreendente e iniciou o projeto para a construção de uma pousada. Inicialmente, o local seria de alvenaria, depois passou a ser pensado de madeira, mas nenhuma das opções agradava a caxiense.
— Me inspirei em outras cidades e trouxe a ideia do contêiner. Fomos pioneiros em Cambará a utilizar esse tipo de estrutura para hospedagem. E sempre quis algo como se fosse um cubo, levando mais personalidade ao espaço. Além disso, entendi também que tinha mais a cara do lugar e também por ser uma opção sustentável, com mais conexão com a cidade onde estamos inseridos — conta ela.
A pousada iniciou com dois contêineres e, desde o ano passado, ampliou para quatro unidades. A expansão foi acompanhada da chegada de um sócio, o também empresário Jones Giacomin. A ampliação tem uma explicação: a procura pela estadia cresceu com o início da pandemia, uma vez que cidades dos Campos de Cima da Serra se tornaram opções de viagem devido ao perfil aventureiro e mais isolado dos municípios. Nesta semana, a reportagem visitou uma unidade porque o espaço ficou disponível após um dos hóspedes chegar um dia antes do check-in.
Além da vista do vale e instalada em um local silencioso, a casa-contêiner tem decoração moderna e pensada com estrutura de metal. Conta ainda com cozinha equipada, utensílios, estacionamento e até mesmo uma lareira para ajudar nos dias frios. Também é possível aproveitar o pôr do sol em cima da estrutura, já que os hóspedes podem subir na casa e encontrar um gramado para aproveitar a experiência.
Quem ficou curioso pela estadia na pousada terá que esperar. Carina conta que há disponibilidade de datas apenas a partir de agosto. Em junho e julho, por exemplo, existem alternativas, mas concentradas em dias de semana. O perfil dos hóspedes, segundo os sócios, são gaúchos, vindos de Porto Alegre, mas também de São Paulo, principalmente por meio de aplicativos de hospedagem disponíveis na internet. As diárias variam de R$ 435 de domingo a quinta e R$ 665 nas sextas e sábados. Eles pretendem expandir a opção para outras cidades.
Para continuarem atrativos, ambos passaram a oferecer, recentemente, um serviço de café da manhã que deixa uma cesta com produtos na porta do contêiner todas as manhãs. Eles atuam em parceria, uma vez que ficam concentrados em Caxias e dispõem de pessoas em Cambará que auxiliam na recepção e limpeza dos espaços. Para eles, a cidade está mais preparada para receber o turista.
— Nos últimos anos, Cambará cresceu muito. Ganhamos concorrentes, mas é algo valioso. Existem muitas opções de alimentação, passeios e uma experiência muito legal na cidade. Os terrenos valorizaram muito também após a concessão dos parques nacionais. A expectativa de investimentos e melhorias fez muito bem para a cidade — avalia Carina.
Paulistas passam a lua de mel em barracas em formato de casulo
Na hora de escolher o destino para passar a lua de mel, a advogada Tatiana Ribas e o produtor rural João Carlos, ambos com 33 anos, não pensaram duas vezes: queriam conhecer os cânions de Cambará do Sul. Souberam da cidade dos Campos de Cima da Serra quando visitaram Gramado, há dois anos, quando foram apresentados ao destino por amigos. Ao mesmo tempo, descobriram que Cambará oferece hospedagem no estilo glamping (glamour com camping), com barracas no formato de casulo.
— Vimos que existia essa possibilidade de hospedagem e tínhamos curiosidade em ter essa experiência. É muito legal, diferente, uma cabana moderna. Uma linda experiência para casais — conta ela.
— É muito gostoso passar a noite no casulo, tem barulho do vento, que é algo muito bacana, ficamos felizes com a nossa escolha — resume João Carlos.
A opção encontrada pelo casal é uma novidade de um tradicional hotel da cidade. São sete casulos, como são chamados, que são barracas construídas com estrutura de madeira de reflorestamento. Quem vê de fora percebe que elas lembram casulos de abelhas e, por isso, cada unidade foi batizada com nomes de abelhas nativas, como Jataí e Guaraipo.
Do lado de dentro, o espaço de 24 metros quadrados tem decoração com elementos naturais e um deck com banheira de hidromassagem. Todos os espaços estavam ocupados na quinta-feira (19), quando a reportagem conheceu as estruturas. Para este final de semana, todas as 28 acomodações dos casulos e das barracas e bangalôs estarão ocupadas. Para os meses de inverno, até o momento, 80% estão reservados e a expectativa é de 90% de lotação. Os pacotes para hospedagem partem de R$ 1,8 mil.
— Vivemos uma temporada de muita procura, o frio desta semana ajudou muito e a expectativa para o inverno é a melhor possível — avalia a gerente Daniela Mohr.
“Com a notícia do frio e o risco de neve, a procura é absurda”, diz dono de hotéis em São Francisco e Canela
Também é possível encontrar exemplos de alta procura por hospedagem nas demais cidades da região. Na pousada em São Francisco de Paula e no hotel em Canela do empresário Fernando Stalliviere, que possuem perfis diferentes de público, também não há mais leitos disponíveis para este final de semana. A unidade de São Chico é voltada para um público que viaja a trabalho, enquanto a estrutura em Canela é focada no atendimento de pessoas que estão passeando pela região.
Stalliviere é natural de Porto Alegre e encontrou em São Chico uma oportunidade de empreender no segmento. Na visão dele, a cidade foi beneficiada pelo turismo durante a pandemia e, além disso, ganhou mais força nos últimos anos com investimentos, como o Mátria Parque de Flores. O empresário ocupou, até semanas atrás, a presidência da Associação Pró-Turismo de São Francisco de Paula (Asturis). Deixou o cargo para se dedicar aos negócios — ele também é proprietário de um pub na cidade.
— Um tempo atrás, São Francisco de Paula era considerada apenas como uma cidade dormitório de quem não conseguia hospedagem em Gramado e Canela. Porém, durante a pandemia, as pessoas começaram a descobrir a cidade. Existem opções de lazer, muito verde, natureza, que atendem às expectativas de quem procurava um lugar mais isolado. Já em Canela, as pessoas se programam, compram passeios, estão de férias — analisa.
Com a expectativa da neve, as duas unidades tiveram procura 40% maior em relação a outras semanas sem a possibilidade do registro do fenômeno climático.
— Com a notícia do frio e o risco de neve, a procura é absurda. No ano passado, quando nevou, eu lotei. Tenho 18 quartos em São Francisco de Paula e, se eu tivesse 40, tinha preenchido todos — observa Stalliviere.