Para a economia, a Páscoa tem um significado bem particular — e não menos esperançoso do que o real simbolismo da data. O período é de otimismo para boas vendas, expectativa de maior movimento em lojas e mercados. Em Caxias do Sul, uma pesquisa da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) mostra que a procura por produtos para o feriado deve aumentar 27,2% em relação a 2021. Os números sinalizam que a celebração religiosa tem tudo para dar uma injeção de ânimo aos comerciantes caxienses.
Para quem trabalha no comércio, principalmente no Centro, a projeção é a mesma da pesquisa mencionada. O gerente da unidade do Supermercado Andreazza da Avenida Júlio de Castilhos, Ricardo Antonio Morllmann, 59 anos, avalia que apesar de "calmo", o movimento está melhor do que o ano passado.
— O pessoal deixa para última hora, né? Aí todo mundo sai correndo. Todos anos é a mesma situação — destaca o gerente.
Nada é mais típico do que as compras em cima da hora, mesmo que o cenário da Páscoa esteja mudando. Além do mercado tradicional, os caxienses têm a opção de chocolates artesanais. Os doces, por vezes requintados, conquistam cada vez mais o público e ainda se tornam uma oportunidade de renda extra para trabalhadores informais, bem como a chance de empreender.
Um desses casos é o do casal Marcelo Pandolfo, 37, e Angélica Brenner, 32. Ele é engenheiro de formação e ela, administradora. Os dois deixaram de lado suas carreiras para apostar na PanTrufas, que tem na Páscoa o principal período de vendas.
— Todas as Páscoas são viradas de chave para nós. Em 2020 foi o início. A gente foi praticamente empurrado para isso — recorda o engenheiro que diz ser apaixonado por fazer doces e praticar as receitas que assiste pela internet.
A confeitaria teve um início informal, ainda em 2018, com a produção de trufas — o que justifica o nome da empresa. No entanto, passaram a apostar em cones trufados e bolos no pote em 2020. Por conta da pandemia receberam diversas encomendas de amigos que queriam se deliciar com o doce. A demanda e a renda extra trouxeram a primeira mudança na dinâmica do negócio: Angélica deixou o cargo que tinha há sete anos em uma empresa multinacional onde poderia ter feito carreira.
— O medo (de trabalhar apenas na confeitaria) era muito grande. A gente vinha da cultura da nossa família de carteira assinada, o pai e a mãe sempre dizendo, 'Não, vai para uma empresa, vai com carteira assinada' — conta Angélica sobre a decisão de virar empreendedora.
Em 2021, a PanTrufas deu mais um passo importante. No começo do ano, o engenheiro pediu demissão do emprego que mantinha há 13 anos para se dedicar exclusivamente ao empreendimento, que atende pedidos feitos pelas redes sociais e em aplicativos de entrega. No início, a decisão gerou aflição.
— Foi uma decisão muito 'bucha' quando eu saí, porque o que a gente tirava de faturamento aqui não cobria os nossos custos. Foi arriscado, na verdade — relembra Pandolfo, que reconhece que a mudança está valendo a pena. Inclusive, cogitaram contratar um funcionário para que pudessem dar conta das encomendas deste ano.
Bombons entre os líderes de venda
Ricardo Morllmann, gerente do Andreazza, diz que um dos itens mais vendidos continua a ser a caixa de bombons. Para comprar esse produto os consumidores investem entre R$ 9 e R$ 12 nos mercados e lojas da cidade.
Eduarda Rumor, de 25, é uma consumidora que prefere as caixas de bombons. Mãe de Caleb, de 5 anos e, Lourenço, de 2, a operadora de caixa percebe que outros produtos estão mais caros nesta Páscoa e, por isso, dá bombons e chocolates diversos para as crianças.
— Eu prefiro comprar assim, que aí eles vão comendo aos poucos. Quando tu compra um ovo de Páscoa, termina rápido — conta ela, que gastou R$ 110 com as compras de Páscoa e disse que não investirá mais para a data.
Qualidade e preço acessível
Outros consumidores, por sua vez, buscam qualidade, mas desde que o preço seja acessível. Giovana Barcellos, 25, optou por comprar, de forma antecipada, a cesta de Páscoa para o filho Nicolas,6.
— Ano passado eu procurei fazer. Eu fiz tudo em casa e investi para presentear e para vender — relata a maquiadora, que avaliou não valer a pena repetir a produção em 2022 por conta da inflação.
A busca por qualidade e um preço competitivo também é o lema de Franciele Frassão, 28. A autônoma faz pesquisas em lojas da cidade para avaliar o que comprar para a filha Maísa, 4, e para outros 11 familiares.
— Se for uma lembrancinha para cada um, uns R$ 30 — calcula Franciele, que gastaria assim cerca de R$ 330, mais do que o dobro do tíquete médio calculado pela CDL para data, que é de R$ 160, ou seja, R$ 25 acima de 2021.
Confeiteiro incentiva novos empreendedores
Muitos confeiteiros buscam novos conhecimentos para aprimorar seus produtos. Alguns têm a mentoria do catarinense Flávio Basílio, 40, que trabalha desde os 12 anos com confeitaria. Além de professor, o gerente da Baggio Festas motiva alunos e alunas a entrarem no competitivo ramo.
Com estúdio próprio no Bairro Cruzeiro, em Caxias do Sul, Basílio ministra aulas presenciais e via internet - principal recurso durante a pandemia. O desejo de ensinar surgiu em 2016, após o catarinense fazer um curso com a confeiteira Mara Cakes. Ao começar o novo projeto na cidade, o doceiro teve uma resposta imediata.
— A aceitação foi ótima. Sempre tive feedbacks bem legais das minhas alunas. Sou daquela opinião de quanto mais a gente dá, mais a gente ganha. Eu vejo a alegria das minhas alunas e dos meus alunos, de ver que não é tão difícil com toda modernidade também — celebra Basílio.
Roseli Justina Chilanti, 60, é diarista e confeiteira. O trabalho com o chocolate evoluiu com os cursos de Basílio e também com o incentivo do professor.
— Hoje, na época de Páscoa, apesar de ser um ano de crise, eu tenho bastante encomenda pra fazer — relata Roseli, que tem boas vendas com doces de festa e barras de chocolate recheadas.
A confeiteira vende os doces há três anos, praticamente o mesmo período que participa das aulas. Roseli trabalha por encomendas em Caxias do Sul e avalia que consegue um bom reforço na renda com as vendas.
— É um extra. Eu faço porque eu gosto e dá um extra, que na hora do aperto tu tem — afirma a diarista.
Da mesma forma, as aulas servem para aperfeiçoar a técnica de confeiteiros iniciantes. Jussara Medeiros Aquino, 49, trabalhou a maior parte da vida com faxina. Mãe de quatro filhos, ela se aproximou da produção de doces e chocolates por uma necessidade.
Após conseguir a primeira experiência na padaria de um mercado em Flores da Cunha, Jussara decidiu mudar o trabalho para casa, para poder cuidar do neto Arthur, 9, que tem autismo. A confeiteira começou os estudos em uma escola profissionalizante e aprimorou a técnica com Basílio. Justamente a Páscoa é que deu a oportunidade para ela continuar no ramo.
— A Páscoa é uma data muito boa e (a confeitaria) é uma área muito grande, que te dá muitas oportunidades. Não é só a confeiteira experiente que ganha dinheiro na Páscoa, bem pelo contrário. Pessoas que estão iniciando, conhecendo como trabalhar com chocolate, tem a oportunidade de fazer dinheiro — conta Jussara, que conseguiu o dinheiro para mais cursos após decidir vender pela primeira vez na Páscoa, em 2017.
Com a venda de doces, Jussara conseguiu comprar uma lancheria em Flores da Cunha. Mesmo assim, mantém a padaria, onde também aproveita a Páscoa para vender ovos artesanais.
Chocolate artesanal
A produção de chocolate artesanal está em alta no Brasil. Um estudo de 2021 do SEBRAE e da Associação Bean to Bar Brasil mostrou que mais de 50% dos negócios ligados ao doce surgiram desde 2017. Além disso, de todas empresas do segmento, 78% possuíam faturamento anual de até R$ 81 mil. Ou seja, são microempreendedores.
Cleci Baggio, 51, é proprietária da Baggio Festas, uma das principais lojas da Serra em insumos para confeitaria. Em mais uma Páscoa, a empresária percebe que existe uma grande procura dos produtos por trabalhadores de diversos setores que aproveitam a celebração para garantir uma renda extra.
— Tem muito mais gente trabalhando nesse ramo. Como a Baggio tem um centro técnico, sabemos que tem mais pessoas procurando informações para se aperfeiçoar. E elas têm um emprego fixo, mas também dão um jeitinho de ter uma jornada dupla e trabalhar com a Páscoa. Com toda certeza, é uma maneira de garantir uma renda extra com a família — destaca Cleci.
Quem conseguiu uma renda extra na Páscoa de 2021 e repetirá a dose em 2022 é Valquíria Melo, 31, que trabalha no restante do ano com cones recheados. Com o perfil Delisim Cozinha, no Instagram, a moradora de Antônio Prado foca em produtos como ovos artesanais, ovos de colher e ovos recheados para o período. A expectativa é repetir o ano passado.
— Eu espero vender mais ou menos a mesma quantidade porque ano passado atingi minha capacidade de produção. Quase cheguei depois do coelho na casa de alguns clientes — confessa Valquíria.
Seis em cada dez pessoas vai comprar presente de Páscoa, aponta pesquisa
Pesquisa de intenção de compras da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Caxias do Sul aponta que seis em cada 10 pessoas devem adquirir produtos para a data, como chocolates, cestas, brinquedos e roupas. O tíquete médio para essas compras deve ser de R$ 160,12, o que representa R$ 25 a mais que no ano passado. A projeção indica ainda aumento de 27,2% na procura por produtos.
O chocolate é a preferência dessa Páscoa, como ocorre tradicionalmente. Dos entrevistados, 84,4% disseram que comprarão esse produto. Além do doce, 5,3% disseram que vão presentar também com outros itens, como calçados, roupas e utensílios, enquanto 4,2% vão incluir brinquedos nos pacotes. A estimativa é que cada consumidor compre 3,2 produtos, em média.
Outro dado positivo para o comércio caxiense é que aumentou a disposição para compras. Enquanto no ano passado 47% dos entrevistados disseram que iriam às lojas para a Páscoa, neste ano, o número chegou a 59,8%. O gerente administrativo financeiro da CDL Caxias, Carlos Alberto Cervieri, destaca ainda a disposição do público em investir mais, mesmo com os impactos da inflação e o aumento de preço dos insumos dos produtos.
A pesquisa aponta ainda uma preferência pelo consumo dentro de Caxias do Sul. Cerca de 92% dos consumidores irão às compras no comércio local, com concentração maior nos dias de semana. Os supermercados perderam espaço entre os consumidores, caindo de 38,4% (2021) para 19,4% (2022). As lojas do Centro (44,7%) e de shoppings (11,2%) e as feiras ou depósitos (9,7%) estão entre os pontos de preferências.
Outros dados
- 61,3% dos caxienses declararem que vão às compras na semana, na véspera ou no dia da Páscoa. Apesar do predomínio das compras na última hora, 22,8% consumidores disseram que se anteciparam neste ano. Um salto em relação ao ano passado, quando o indicador ficou em 3,3%.
- Entre os fatores decisivos na escolha do local de compra está o atendimento (atenção, explicação e ajuda para a escolha), com 43,3%, seguido de produto (qualidade, diversidade e diferenciação), com 23,9%. Já a seleção do presente é baseada em preço (54,8%), opções diferenciadas (14,1%) e na confiança (11,2%).
- 80,6% do consumidores afirmam que decoração influencia nas compras e 79,4% afirmaram que a ambientação colabora para que eles entrem e confiram os produtos.
- Entre os chocolates, os produtos artesanais (41,70%) deverão ser mais procurados que os industrializados (35,70%), sendo que para 22,60% da população o processo de elaboração é indiferente na hora da escolha.
- Quase 40% dos participantes sinalizaram que levam em consideração os pedidos de quem receberá os mimos, especialmente as crianças.
Como foi feita a pesquisa
A pesquisa de intenção de compras da CDL Caxias foi realizada entre os dias 22 e 26 de março, com 580 moradores de diferentes pontos do município. O levantamento tem índice de confiança de 95% e margem de erro de 5% para mais ou para menos.