Apesar das flexibilizações nos protocolos sanitários, o olhar ainda está voltado de forma significativa aos lares. Com mais tempo em casa, as pessoas perceberam necessidades que antes passavam batidas. Troca de piso, pintura de uma parede, compra de um móvel novo... foram várias as demandas que surgiram ao longo do último ano e a arquiteta Laiane Magalhães, de Caxias do Sul, presenciou — e ainda presencia — muitas de perto.
Em seu escritório, o aumento foi de mais de 50% na procura neste ano. Foram 12 projetos contratados no primeiro semestre. Tanto agora quanto no ano passado, a maioria foi de reforma completa da casa ou apartamento. Muitas famílias, segundo Laiane, precisaram criar espaço como de teletrabalho ou para as aulas remotas das crianças.
— Espaços já utilizados precisaram ser adaptados, por exemplo, integrar a sacada ao living do apartamento — diz.
Com tanta gente querendo promover mudanças, a arquiteta viu prazos sendo estendidos. Trabalhos que eram feitos em 45 dias passaram a ser executados em 60 e até 70 dias. Materiais a pronta-entrega precisaram de mais tempo para chegar na obra. Tudo precisou ser comprado com muita antecedência. Ela conta que um serviço de marcenaria que será executado neste mês para um de seus clientes foi contratado ainda em maio.
A profissional também precisou de reforço na própria equipe:
— Eu trabalhava de forma quase artesanal. O que antes eu conseguia fazer sozinha, precisei terceirizar. Hoje tenho uma pessoa fixa e duas terceirizadas.
Parceiro de Laiane em obras novas e reformas, Leandro Alves confirma o aumento na procura por reformas. Depois do susto inicial da pandemia, em março do ano passado, com alguns serviços cancelados, o proprietário da Incorporadora Alves, empresa que presta serviço de pintura, já retomou o ritmo de trabalho pré-covid-19.
— Não dou conta de toda a procura. Somos em cinco e eu precisaria de mais uma pessoa para atender a toda a demanda — diz Alves, que está há 20 anos no mercado.
Embora sem dados oficiais, já que considera apenas os projetos aprovados pela prefeitura, o Sindicato da Construção Civil de Caxias do Sul, o Sinduscon, reconhece o crescimento no setor relacionado às obras de pequena monta. Conforme o presidente da entidade, Rodrigo Postiglione, o relato dos associados é de um aumento expressivo para reformas. Além disso, ele tem ouvido de donos de lojas de materiais de construção e de tintas que as vendas estão superando as do ano passado.
— As pessoas ficaram em casa, não puderam viajar e investiram em melhorias – constata Postiglione.
Reforma programada antes de a pandemia começar
Quando comprou um apartamento usado e programou a reforma, há cerca de dois anos, o empresário Paulo Aguiar, 31, nem sonhava que uma pandemia iria afetar de forma tão drástica a vida das pessoas. A obra começou justamente em março, quando a crise foi decretada no país, e precisou ser adaptada.
Como grande parte dos novos vizinhos passou a trabalhar em casa, Aguiar precisou negociar com o condomínio um horário para a reforma. A expectativa era de que as equipes trabalhassem o dia todo, mas precisou ser feito revezamento para o barulho não atrapalhar ninguém. Além disso, houve falta de material para a execução — alguns componentes ficaram retidos no porto por medida de segurança sanitária.
Com todos os imprevistos, a obra, que tinha previsão de duração de dois meses, levou sete para ser concluída.
— Teve também reajuste no orçamento, ficou 20% mais caro. E aumento também nos móveis — completa Aguiar.
O empresário planeja uma segunda etapa da reforma. O projeto, na verdade, já está pronto, mas, como o orçamento, feito antes da pandemia, ficou 50% acima do previsto com a atualização, ele prefere esperar:
— O reajuste impactou e vamos aguardar.
Materiais de construção
As vendas no segmento de material de construção cresceram 3,8% em maio, de acordo com Pesquisa Mensal do Comércio, realizada pelo IBGE. Foi o segundo mês de alta consecutiva.
Crescimento de 30% no faturamento neste ano
Com a reforma (ou sem ela), muitos lares precisaram de móveis novos e, para muitas fábricas, 2020 e 2021 foram os melhores dos últimos anos. Sócio proprietário da Ki Arte, de Flores da Cunha, Juliano Zembruski conta que, depois da tensão dos primeiros meses de pandemia, a procura aumentou de forma exponencial. No ano passado, o faturamento cresceu 20% em relação a 2019. Neste ano, o faturamento já é 30% maior na comparação com 2020. A empresa fechou, há dois meses, os pedidos até o final do ano.
— Teria trabalho para 30%, 40% da nossa capacidade. Não conseguimos pegar tudo, não tem mão de obra para suprir. É um problema bom — comenta.
A tendência, segundo Zembruski, é que as boas vendas continuem no próximo ano, porque há uma demanda reprimida. Há falta de material, o que alarga o prazo de entrega.
— Antes da pandemia, tinha tudo a pronta-entrega. Hoje não. O cliente aprova um projeto de cozinha verde, por exemplo, e precisa trocar a cor porque não tem no mercado — conta.
Quem também viu a rotina na fábrica ser tomada por pedidos foi o marceneiro Carlos Marcelo Ramos. Funcionário de uma empresa de Caxias do Sul, ele confessa que ficou apavorado no início da pandemia, imaginando que não teria trabalho. Mas foi só passar o período inicial da crise que não parou mais de trabalhar – inclusive fazendo hora-extra.
Teria trabalho para 30%, 40% da nossa capacidade. Não conseguimos pegar tudo, não tem mão de obra para suprir. É um problema bom.
JULIANO ZEMBRUSKI
Sócio proprietário da Ki Arte
— Como o pessoal precisou trabalhar em casa, pedia escrivaninhas com rodinhas, desmontáveis para adaptar à casa. Nunca trabalhei tanto — conta.
Há 20 anos atuando nesse mercado e há 10 na atual empresa, Ramos percebeu que o dinheiro antes usado pelas pessoas para o lazer acabou sendo destinado paras as melhorias em casa.
— Tinha gente que não cozinhava em casa e passou a cozinhar — acrescenta.
Vendas aumentaram no físico e no digital
Assim que reabriu as portas no ano passado, depois do período de fechamento imposto pelas medidas sanitárias, a Docasa Casa e Construção percebeu um movimento intenso. Clientes buscando os mais diferentes itens para reformas. E não só na loja física, que fica no bairro Santa Catarina, mas também pela internet.
— Aprimoramos as vendas pelo WhatsApp e intensificamos a divulgação pelas redes. Na nossa região, o pessoal gosta muito de ver, de tocar. Mas as vendas online aumentaram de 10% a 15% — estima Gustavo Cavalli, sócio proprietário da Docasa.
Segundo ele, a maior procura é por acabamentos e tintas. Muitos consumidores pesquisam antes o que desejam e já chegam com o produto decidido. Apesar do preço elevado de alguns materiais, as pessoas têm comprado mesmo assim.
— Quando sabem que a taxa de juros está baixa (4%), continuam comprando. Dizem: "tá caro, mas preciso" — conta Cavalli.
Para facilitar o pagamento, a empresa ampliou o parcelamento, que era de três a quatro vezes sem juros para 10 vezes sem juros. A intenção é aumentar mais a quantidade de parcelas, explica o proprietário.
— Para nós, é um dos melhores períodos. Já tinha um crescimento pré-pandemia e agora retomamos. É um crescimento sólido e acredito que vai se manter — destaca Cavalli, acrescentando que o incremento nas vendas neste ano já é de 35%.
Aumentou a procura do consumidor final
Tradicional loja do setor em Caxias, a Rock Tintas tinha entre as empresas seus principais clientes. Com a crise sanitária, o estabelecimento viu aumentar na sua cartela as pessoas físicas. Os consumidores finais, como são também conhecidos, passaram a buscar produtos para que eles mesmos pudessem fazer suas reformas.
— Com a pandemia, as pessoas começaram a fazer elas mesmas. Nós até introduzimos algumas linhas para facilitar para os clientes. Eles estavam mais tempo em casa e aproveitaram para fazer mudanças. Hoje, com as redes sociais, é muito fácil aprender a fazer algo novo — diz Cíntia Montemezzo, proprietária da Rock Tintas.
— Antes, sempre tinha um profissional acompanhando o cliente. Hoje não. Acho que a partir de agora vamos ter um novo comportamento do consumidor — acrescenta.
Com a pandemia, as pessoas começaram a fazer elas mesmas. Nós até introduzimos algumas linhas para facilitar para os clientes. Eles estavam mais tempo em casa e aproveitaram para fazer mudanças. Hoje, com as redes sociais, é muito fácil aprender a fazer algo novo.
CÍNTIA MONTEMEZZO
Proprietária da Rock Tintas
Apesar de mais pessoas físicas procurando a loja, isso não compensou as perdas nas vendas para pessoas jurídicas. Conforme Cíntia, em 2020 houve redução no faturamento. Neste ano, as vendas foram normalizadas.
— A pessoa física comprou mais, mas a pessoa jurídica comprou menos na pandemia. E dependemos mais de pessoa jurídica — explica.
Base de comparação é frágil, mas polo de Bento Gonçalves reage
O teletrabalho, imposto pela pandemia, que acabou produzindo mudança de comportamento com atenção maior aos espaços domésticos, também contribuiu com a indústria moveleira de Bento Gonçalves. Importante polo do setor no país, o município registrou crescimento de 69% no faturamento no primeiro semestre deste ano na comparação com o mesmo período de 2020, totalizando R$ 1,48 bilhão. É uma trajetória de retomada que começou há cerca de um ano. Mas o impacto foi sentido também na elevação dos custos de produção.
O preço das matérias-primas teve um acréscimo significativo durante a pandemia, conforme o presidente do Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves (Sindmóveis), Vinicius Benini. A chapa, que é um dos insumos mais utilizados para a produção de móveis, subiu quase 40%, segundo ele. Além disso, vale destacar que a base de comparação é frágil, porque inclui os primeiros meses da pandemia. Em março e abril do ano passado, algumas empresas chegaram a faturar 20% do que estavam acostumadas. Na comparação do resultado apresentado agora com o primeiro semestre de 2019, período anterior à pandemia, ainda assim se verifica um incremento de 65%.
Os 69% de crescimento representam uma média de faturamento entre mercado interno e externo. No primeiro, o aumento foi de aproximadamente 65%. Nas exportações, 81,4%. Ou seja, de janeiro a junho deste ano, as empresas moveleiras do polo de Bento exportaram US$ 34,4 milhões frente a US$ 19 milhões em 2020.
O principal destino dos móveis brasileiros, tanto dos produzidos em Bento Gonçalves quanto no país inteiro, são os Estados Unidos. A produção local é exportada principalmente para Chile, Uruguai, Peru e Reino Unido, conforme dados do Comex Stat, portal oficial de estatísticas de comércio exterior do Brasil e apurados pela Inteligência Comercial do Sindmóveis.
As empresas moveleiras de Bento respondem por 29% do faturamento do Estado – o total faturado no RS no primeiro semestre de 2021 foi de R$ 5,15 bilhões, um crescimento nominal de 64% frente ao mesmo período de 2020. Os números são da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul.
TRAJETÓRIA DE RETOMADA
Faturamento da indústria moveleira de Bento Gonçalves comparado de Jan-Jun 2020
Jan-Jun 2021: + 69%
Total: R$ 1,48 bilhão
Mercado interno: 65%
Mercado externo: 81,4%
Exportações 2021: US$ 34,4 milhões
Exportações 2020: US$ 19 milhões
Fonte: Sindmóveis, o Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves
SÓ CRESCENDO
Atividades relacionadas a arquitetos e urbanistas. Crescimento sobre os mesmos períodos de 2019
+12% (Out-Dez 2020)
+6,3% (Todo 2020)
+52% (Abr-Set 2020)
+15% (Só Nov-2020)
+14% (Só Dez 2020)
53% do total de serviços relacionados a arquitetos e urbanistas em 2020 são projetos arquitetônicos.
Fonte: CAU/BR, Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil