A pandemia que sufoca os enfermos, que espreme o sistema de saúde, que seca as economias dos pequenos e grandes negócios, que ceifa empregos, que expõe as fragilidades das comunidades, precisa ser combatida por todos, com todas as armas.
Apesar desse cenário estranho, como se fosse de guerra, a Páscoa pode ser uma boa metáfora para superar esse tempo duro e sombrio. A fé cristã ensina que foi durante a Páscoa dos hebreus, celebrada como a saída do jugo da escravidão do Egito, que Jesus Cristo, o ungido crucificado, ressuscitou e está sentado ao lado de Deus Pai.
Aos que creem nessa revelação, lhes será imputado como justiça, é o que dizem as Escrituras Sagradas. Em nome dessa divina providência, muitos têm realmente depositado sua fé, mesmo que não dogmática a fim de tocar a engrenagem da economia e fazer esse ciclo romper as curvas de declive.
Na Páscoa de 2020, quando eclodiu a pandemia no Brasil, com consequências diretas no comércio caxiense, o impacto foi imediato nas vendas. Segundo pesquisa da empresa de crédito Boa Vista, a queda foi de 33%, em relação a 2019, cujo mercado tinha crescido 1,5%.
Esse é praticamente o mesmo índice aferido pela Dotz, aquela empresa de pontos de fidelidade. Na avaliação da Dotz, houve uma queda de 29% nas vendas de ovos de chocolate em 2020. Na categoria bonbonnière, das caixas de bombons e barras de chocolate, sempre tão populares, o descenso foi de 56%. Esses dados se referem, sobretudo, à venda nos supermercados e grandes redes de varejo nacionais. Talvez seja por isso que, anualmente, nestes espaços, o consumidor tem percebido uma oferta menor de chocolate.
No entanto, esse mercado tem sido a cada ano, tomado por uma legião de trabalhadores, muitos deles informais, que têm se dedicado a dominar a arte da manufatura de chocolates artesanais. É incontável esse exército, que se divide entre desempregados, aposentados e trabalhadores em busca de uma renda extra.
Na reportagem a seguir, conheça mais sobre esse mercado, que cresce a cada ano, e aponta tendências de consumo e oportunidades de novos negócios. Todos eles apostam em uma Páscoa recheada de doçura e esperança. Doce para combater os dias amargos e recheado com a expectativa pelo fim da pandemia.
As delícias da Val
Valquíria Melo é, de certa forma, o resumo da história de empreendedorismo de quem se arrisca no ramo de chocolate artesanal. Enquanto trabalhava em uma corretora de seguros, Valquíria sonhava em ser fotógrafa. Para pagar as aulas de fotografia, já que estava desempregada, resolveu fazer cones recheados de chocolate para vender.
– Comecei há um ano e meio a vender cones recheados, de porta em porta, em Antonio Prado. As pessoas começaram a indicar porque haviam gostado dos cones. Então fui convidada a participar da FenaMassa, em novembro de 2019. Eu vendi uns 250 cones, por dia, nos três finais de semana do festival de gastronomia – revela Valquíria, 30 anos.
Despretensiosamente, Valquíria fechava o ano de 2019 com a esperança renovada para 2020. Aí, veio a pandemia. Mas, ao invés de cair de cabeça na produção de chocolate para a Páscoa, ela resolveu investir na sua formação. Focada, ela preparou-se para 2021, quando vai fazer sua estreia na data que é a mais importante do ano para o mundo do chocolate. Sua melhor fonte de divulgação tem sido pelo Instagram. No perfil Delisim Cozinha, ela já tem recebido as primeiras encomendas para os ovos de colher, ovos recheados e cones de chocolate.
– É Delisim, porque, independentemente de ser um doce tradicional ou saudável, tem que ser “uma delícia, sim” – brinca, ao explicar o porquê do nome.
A produção de ovos deste ano será a sua primeira Páscoa.
– Não comecei a produção ainda porque, normalmente, as pessoas deixam para fazer as encomendas na última hora. Por enquanto estou fazendo amostras pequenas para as pessoas provarem – conta.
Com relação ao preço das embalagens e dos insumos para a fabricação das suas delícias, Val diz que tem aumentando bastante.
– Sabe que leite condensado e creme de leite, por exemplo, eu nem tenho mais comprado de distribuidores, porque está muito caro. Eu prefiro comprar no supermercado, porque, quando eles fazem promoção, fica mais em conta – explica.
Tudo que Val tenho colhido, financeiramente, ela reinveste na Delisim. Dessa forma, acredita que estará sedimentando uma melhor estrutura para o crescimento da sua empresa. Sem perder a doçura, é claro.
– No espaço que estou montando, vou fazer, sim, os doces tradicionais, mas também vou ter doces para pessoas que têm restrições alimentares, com glúten e lactose, por exemplo.
Doçuras e criações de mãe e filha
Enquanto a pandemia assombra lá fora, as garibaldenses Joanete e Ana Salvi, mãe e filha, vão para a cozinha produzir doçuras. Ana é fotógrafa e, a mãe, enfermeira no Lar da Velhice São Francisco de Assis, em Caxias do Sul. Então, de certa forma, manipular chocolate dando a ele a forma de um ovo que transborda doçura é uma maneira de subverter o caos lá fora. Tudo começou de uma forma despretensiosa, mas recheada de ousadia.
– Essa iniciativa de fazer ovos de Páscoa e, também bolos, surgiu em outubro de 2016. Uma amiga minha já trabalhava com chocolate, mas foi morar nos Estados Unidos. Como ela não queria ver morrer o trabalho dela com confeitaria, pediu se a gente queria tocar isso pra frente. Eu e minha mãe pensamos bastante. Pra mim foi um tempo bem difícil porque eu estava desempregada, então decidimos encarar até como uma forma de conseguir uma renda extra – recorda Ana, 27.
Aos poucos essa atividade de ganho extra tem ocupado mais o tempo de mãe e filha. O negócio tem crescido e já ampliaram bastante a clientela herdada do tempo que a amiga foi-se embora do país.
– Temos pesquisado cada dia mais e aprendido muito, buscando por novas técnicas e fazendo cursos online. Minha mãe, a Jô, é quem, literalmente, põe a mão na massa. Mas eu também sei fazer os bolos, brigadeiros e ovos de Páscoa. Mas, geralmente, eu cuido mais é das publicações nas redes sociais, fazendo as artes para o Instagram e trata da parte financeira – explica Ana.
A melhor venda das últimas páscoas ocorreu em 2018, recorda Ana. Em 2019, as vendas diminuíram, e 2020 foi o mais fraco até agora, desde que mãe e filha têm investido tempo a criar doçuras. Entre as opções, elas produzem e vendem ovos artesanais, inclusive veganos e sem glúten.
– Geralmente, os ovos que as pessoas compram nos supermercados são ocos e, muitas vezes, são caros por causa da tal da surpresa ou do brinquedo que vem dentro. Mas, no nosso caso, percebemos que as pessoas preferem até pagar um pouco a mais, mas querem comprar para comer e presentear um chocolate de melhor qualidade e mais natural – explica Ana.
O preço médio dos ovos que ela e a mãe vendem estão entre R$ 60 a R$ 65. Os ovos de chocolate veganos são um pouco mais caros, em torno de R$ 75. Elas já iniciaram a produção e estão aceitando encomendas por meio das redes sociais.
Uma casa que vende mais de 10 mil embalagens na Páscoa
A Páscoa é literalmente o ovo de ouro da Baggio Festas. A loja, que se apresenta como uma das mais importantes da região Serra, comercializa cerca de 36 mil itens e foi inaugurada há 17 anos. Todos os anos, a mesma história se repete, a maioria dos clientes deixa para comprar os insumos para a produção dos ovos de Páscoa, incluindo as embalagens para a fabricação e venda, em kits, para a última hora.
O gerente Flávio Basílio, 39 anos, que é também, confeiteiro, diz que é um efeito cascata. Como a grande parte dos consumidores demora muito para fazer as encomendas, quem produz doces em casa acaba buscando as lojas, como a Baggio, em cima da hora.
– Em 2019, tivemos um ano sensacional de vendas na Páscoa, que é a nossa melhor data do ano, melhor ainda do que o Natal. Com a crise do ano passado, que chegou bem na época da Páscoa, muita gente ficou com medo de arriscar. Mas eu sei de gente que vendeu, sozinha, no ano passado, mais de 800 ovos de colher. Só que muita gente se acovardou e poderia ter vendido mais, porque as lojas que vendem chocolate estavam fechadas e os supermercados não tiveram logística para entregar, sem falar no preço alto – explica Basílio.
O gerente diz ainda que o mercado de ovos artesanais tem ficado mais exigente e, de certa forma, essa é uma tendência, de melhor qualidade, visto que os produtos mais tradicionais, encontrados em supermercado tem sofrido queda nas vendas.
– O povo quer bons produtos. Esse ano inovamos ao vender as cascas dos ovos de chocolate puro já prontas. Como nem todos dominam a técnica da temperagem para a fabricação de um bom chocolate, resolvemos apostar nessa alternativa. E já vendemos todo o estoque, de 5 mil cascas de chocolate nobre – revela Basílio.
Anualmente, conta o gerente, a Baggio compra mais embalagens para a venda e quando se aproxima a data da Páscoa, o estoque está zerado. Em média, anualmente, a empresa tem vendido mais de 10 mil embalagens para a fabricação de ovos.
Dar aulas é um bom negócio
O catarinense Flávio Basílio trabalha há três anos como gerente da Baggio Festas, em Caxias, mas é na cozinha onde ele passa mais tempo, ensinando outras pessoas a apurar as técnicas da confeitaria.
– Fiz o meu primeiro curso online há cerca de um mês, porque percebi que as pessoas estão sedentas por informação. Eu ensino uma confeitaria prática, que não dá muito trabalho e tem uma saída mais comercial – explica.
O confeiteiro adianta que abrirá uma nova modalidade do curso para uma nova turma, logo após a Páscoa. As inscrições e mais informações sobre o curso podem ser solicitadas pelo perfil @basiliochefconfeiteiro, no Instagram.
Produtos com sabor de boas vibrações
A pandemia impôs uma série de barreiras, principalmente no convívio social. No entanto, também abriu portas e janelas para um mercado em expansão que não deverá será mais interrompido.
Mais do que a compra à distância, graças à internet, estão em franca expansão as linha de produtos afetivos, criados para atender a um perfil que se identifica aos valores de quem o produz. É o caso do Pão na Porta, um projeto tocado pela galera da Comunidade Osho Rachana, de Porto Alegre, um centro de terapia bioenergética e de meditações ativas criado há 23 anos na capital.
O sucesso do Pão na Porta, que comercializa cerca de 5 mil pães por mês, com distribuição também aqui na Serra, fez com que novas linhas fossem criadas. É o caso dos óleos essencias e das agendas, e de produtos sazonais como panetones e ovos de Páscoa. Além disso, a comunidade mantém uma propriedade, onde parte dos integrantes mora e planta verduras, legumes, hortaliças e frutas, tudo sem agrotóxicos.
– Somos muito inventivos. Fazemos um chocolate artesanal, resultado de um processo delicado, em que se gastam horas e horas para fazer. Nossa ideia é sempre criar produtos diferenciados, que as pessoas não vão encontrar em um supermercado, por exemplo – explica a jornalista caxiense Juliana Almeida, 36, que é chamada na comunidade de Vajra, um nome sânscrito, que, na tradução livre para o português significa Diamante do Amor.
Vajra diz que a forma de comercialização também difere um pouco do que tem sido adotado pela grande parte do mercado tradicional. A divulgação é pela internet, tendo o Instagram @paonaportaartesanal como maior concentrador das buscas e encomendas.
– Já fomos elogiados pelo nosso atendimento personalizado. Cada um de nós, que atende aos clientes, faz um acompanhamento individualizado – explica Vajra.
O pedido mínimo é de R$ 35 + R$ 5 de entrega para Porto Alegre e Região Metropolitana, Serra e Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Para Florianópolis e Litoral Sul de Santa Catarina o pedido mínimo é de R$ 80 mais o frete de R$ 10.
Vajra explica que, em Caxias do Sul, é realizada uma entrega por semana, geralmente às quintas-feiras. Já em Bento Gonçalves, Cotiporã, Carlos Barbosa, Garibaldi e Farroupilha, ocorre uma vez a cada 15 dias.
Os ovos de Páscoa de colher, recheados, custam em média R$ 60 e já podem ser encomendados pelas redes sociais do Pão na Porta.