Os pesquisadores já sabem como resgatar a kiwicultura na Serra. Ao longo dos últimos 10 anos, foram feitos estudos que descobriram uma planta resistente ao fungo Ceratocystis Fimbriata, que devastou pomares inteiros e ainda mata kiwizeiros ano a ano na região. Além disso, foram desenvolvidas boas práticas de plantio e manejo e técnicas de clonagem para multiplicar as novas mudas sadias. Agora, é uma questão de tempo. A expectativa é que a partir de 2022 haverá plantas em número suficiente para venda em pequena escala. Os produtores, ainda reticentes, mas esperançosos, torcem para que a pequena muda, que ainda está em fase de laboratório, chegue ao campo, cresça e dê frutos.
Já em 2017, ano em que o kiwi perdeu o protagonismo da festa nacional da fruta realizada em Farroupilha, o engenheiro agrônomo Gervásio Silvestrin acreditava que o estudo liderado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Uva e Vinho encontraria a "cura" para o fungo. Responsável por trazer algumas das primeiras mudas de kiwi para o município e ajudar os produtores a introduzirem a cultura nas propriedades, agora ele tem a missão de multiplicar os exemplares resistentes ao patógeno que foram enviados pela Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais. Simultâneo a isso, a Embrapa também está trabalhando em Bento Gonçalves para encontrar plantas resistentes.
Para chegar a essas mudas, ocorreu um esforço conjunto entre pesquisadores de instituições públicas e privadas. A Universidade de Viçosa acabou fazendo parte do processo porque tinha o mesmo objetivo de encontrar plantas de kiwi resistentes a este fungo a pedido da Nova Zelândia, um dos maiores produtores da fruta no mundo. Os pesquisadores de Minas Gerais tinham expertise em Ceratocystis em eucaliptos, não em kiwizeiros. Por isso, receberam apoio local com amostras de frutas e de sementes de Farroupilha que foram levadas para Viçosa. Lá, expuseram uma grande quantidade de exemplares ao fungo e, entre eles, detectaram aqueles que não foram afetados. Quatro dessas mudas resistentes foram enviadas a Farroupilha em outubro do ano passado aos cuidados de Silvestrin. Ele as plantou no campo para testá-las e delas fará a multiplicação. O processo consiste em retirar uma gema da planta original, fazê-la se desenvolver in vitro e multiplicá-la em laboratório criando clones. Na propriedade, o engenheiro agrônomo instalou um contêiner laboratório onde já realiza esse processo com plantas de kiwi e de outras frutas. Por enquanto, apenas uma mudinha foi feita a partir da original e está em tubo de ensaio.
– Quando se encontra um indivíduo (planta) resistente, se quer essa genética, então, se passa a multiplicar, fazer a clonagem dele. É o que estamos fazendo. De quatro mudas, pretendemos fazer centenas. Mas estamos bem no início – explicou Silvestrin.
As plantas resistentes ao fungo serão porta-enxertos, ou seja, a parte do kiwizeiro que enraíza no solo, onde está o patógeno. Elas crescerão até determinado tamanho e depois terão as variedades enxertadas nelas. Essas são as copas que brotam, florescem e produzem os frutos. A tecnologia terá um custo a mais para o produtor. As mudas atuais custam cerca de R$ 15 e as novas, segundo projeção de Silvestrin, devem ser 15% mais caras.
– Com as plantas resistentes e as novas variedades que estão chegando, acredito muito que a cultura vai voltar e com muito mais força, inclusive – ponderou Silvestrin.
Variedades da fruta:
1. Bruno - É o tipo de kiwi mais conhecido na região. Tem formato alongado, a polpa verde e possui pelos. É um dos mais plantados em Farroupilha.
2. Elmwood, Hayward e Monty - Três tipos de kiwi similares. Possuem formato mais arredondado, com pelos e a polpa com coloração verde. Entre essas variedades, destaca-se o Elmwood, que, junto com o Bruno, está entre os mais cultivados no município.
3. Farroupilha, Golden King, MG06 e Yellow King - Quatro variedades de kiwi que integram um mesmo grupo. Eles não têm pelos e possuem formato arredondado. Além disso, caracterizam-se pela polpa amarela, sendo mais adocicados que as variedades de polpa verde.
4. O município está iniciando o cultivo de variedades consideradas mais nobres e saborosas de polpa amarela (Sungold), com direito de patente. E começa a importação de outras de polpa vermelha (Red).
Pesquisas apontaram boas práticas
A partir do surgimento dos casos de morte dos kiwizeiros, teve início uma série de estudos para identificar o causador, desenvolver mecanismos de controle e uma forma de eliminação da doença. A Embrapa Uva e Vinho fez um levantamento de campo em 20 propriedades rurais de Farroupilha, entre 2013 e 2014. Nele, foi feito mapeamento da cultura analisando o solo, as raízes, material vegetativo da copa das plantas. Foram detectados problemas de manejo e condução, e também houve a confirmação de que o Ceratocystis Fimbriata era o principal patógeno responsável pela morte de 80% das plantas.
– Esse trabalho foi muito importante, porque permitiu isolar o patógeno em laboratório para, a partir daí, fazer as pesquisas – declarou o agrônomo Samar Velho da Silveira, doutor em Fitotecnia e pesquisador da Embrapa Uva e Vinho.
As análises foram feitas na sede da Embrapa, em Bento Gonçalves. Na sequência, foram realizadas reuniões com pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade de Caxias do Sul (UCS), Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (antiga Fepagro) e empresa Proterra de Vacaria, com a Emater Regional e escritório municipal de Farroupilha, mais a prefeitura de Farroupilha, Silvestrin Frutas e os produtores, onde todos passaram a colaborar. Foi elaborado um projeto de pesquisa aprovado e financiado pela Embrapa em 2016.
– Desenvolvemos uma série de tecnologias ao longo do projeto, que visa desde a implantação dentro do que recomendam as boas práticas para que, no final, se tenha um resultado positivo – disse Velho.
Além disso, a Embrapa e o Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária estão realizando o trabalho de seleção de porta-enxertos resistentes à doença, semelhante ao feito na Universidade de Viçosa.
– Já tem materiais com uma boa perspectiva de controlar a doença e que estão na fase final de avaliação a campo para definir quais desses materiais têm a melhor resistência – projeta o pesquisador.
Por se tratarem de empresa públicas, o custo final das mudas aos produtores deve ser menor do que o de mercado. Não há prazo estimado para a comercialização.
– Esse porta-enxertos é, sim, muito importante, mas ele se insere dentro de um conjunto de tecnologias que são necessárias que o agricultor aplique no campo para ter sucesso. Esse conjunto de boas práticas tem que ser seguido para que o produtor não tenha problemas – pondera Samar Velho, referindo que as técnicas foram experimentadas em duas propriedades rurais de Farroupilha e uma em Vacaria.
"Temos todas as ferramentas para que a cultura seja retomada"
Outra linha de pesquisa desenvolvida pela Faculdade de Agronomia da UFRGS é a de melhoria do método de produção de mudas por meio de enraizamentos de estacas, utilizando os ramos das plantas, e não por meio das sementes. Essa fase ocorre depois que a muda é produzida em laboratório e ganha tamanho e ramificação.
– De uma planta grande, conseguimos pegar parte dos ramos, na época de calor, entre novembro e dezembro. Cortamos ramos com duas gemas (dois nós) colocamos em bandejas com casca de arroz carbonizada, aplicamos hormônios na base da estaca, que enraíza. Lógico, tem todo um manejo específico. Mas é possível fazer. É um sistema mais simples, desde que se parta de uma planta livre da doença – explicou o professor Paulo Vitor Dutra de Souza.
A ideia é produzir porta-enxertos 100% idênticos às plantas das quais são retirados os materiais, ou seja, clonagem. O método já está testado em outras plantas.
– Os vários resultados que conseguimos com esses projetos nos dão a garantia. Eu era um reticente, agora tenho certeza que tranquilamente vamos conseguir dar a volta. Já temos todas as ferramentas para que a cultura seja retomada, inclusive, estamos conseguindo importar variedades da China como uma alternativa a mais. Além das de polpa amarela, também as vermelhas. Então, estamos trazendo plantas livres da doença que, quando chegarem, já serão multiplicadas nos nossos métodos, para depois serem testadas e distribuídas aos viveiristas, como alternativas aos nossos produtores – relatou o professor.
Para tentar resgatar a cultura e incentivar os produtores ao cultivo, neste ano, a Emater realizou atividades coletivas presenciais na área de fruticultura em Farroupilha. Os encontros obedeceram as normas sanitárias de prevenção ao coronavírus. Participaram entidades e instituições ligadas à pesquisa e à extensão, prefeitura e produtores. Também foi formada a Associação dos Kiwicultores da Serra. Além disso, 35 profissionais da Emater de todo o Estado receberam formação no cultivo do kiwizeiro. E no último dia 14 foi realizado um seminário para informar aos kiwicultores sobre os resultados das pesquisas e as novidades do setor. O evento teve palestras e uma tarde de campo, quando os agricultores puderam visitas dois kiwizeirais – um antigo atingido pelo fungo e outro dentro dos novos padrões. Eles conheceram o laboratório e as mudas resistentes na propriedade de Gervásio Silvestrin.
– A desesperança do kiwicultor ainda é grande, mas há um túnel aberto no final da luz, dessa velinha que estava se apagando da kiwicultura – disse o engenheiro agrônomo da Emater, Enio Ângelo Todeschini.
A prefeitura, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Rural, colaborou com a pesquisa sobre a mortalidade dos kiwizeiros. Por isso, o secretário Daniel Troes enumera os resultados do trabalho em conjunto.
– Depois dessa pesquisa, se tem chegado a conclusões que a adaptação do kiwi vai fazer com que ele prevaleça como cultura aqui. O investimento deverá ser constante de melhoramentos e cruzamentos genéticos com porta enxertos nossos, e também importados, e na questão da sanidade das mudas para o replantil – disse o gestor municipal.
Segundo Troes, durante o seminário realizado em outubro, foi firmado um compromisso entre as entidades e administração municipal de que haverá continuidade dos estudos e que será proporcionado aos produtores o acesso às pesquisas que estão sendo desenvolvidas, com o compartilhamento dessas informações.
Quais são as boas práticas apontadas pelas pesquisas
:: Escolha da área e plantio em camaleão para que haja drenagem do solo e não acumule umidade (o sistema consiste na estruturação da plantação por sulcos, com o cultivo sobre os camaleões formados entre os sulcos).
:: Porta-enxertos resistentes ao Ceratocystis.
:: Escolha da planta com variedades que exijam menos horas de frio e que brotem melhor, que produzam frutos bem aceitos pelo mercado.
:: Uso de produtos químicos que ajudam a manter a planta saudável e torná-la mais resistente a doenças.
:: Sistema de condução e poda da planta, para deixá-la mais arejada e menos suscetível a ocorrência de doenças.
:: Métodos de esterilização das ferramentas (serrote e tesoura) usadas na poda com álcool 70%, hipoclorito de sódio ou amônia quaternária.