Um dos principais argumentos utilizados pelo governo federal ao defender a Reforma Trabalhista, o de que sua implementação resultaria na diminuição das ações trabalhistas, é contestado por especialistas em Direito do Trabalho. Ao menos no Foro Trabalhista de Caxias do Sul, a projeção é de que a demanda aumentará a partir de novembro, quando a reforma passa a vigorar na prática. Atualmente, as seis varas da estrutura recebem aproximadamente 15 mil reclamatórias por ano.
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Apesar de ver uma série de pontos positivos na reforma, o diretor do Foro de Caxias, Rafael da Silva Marques, analisa que a legislação, aliada à aprovação da terceirização irrestrita, enfraquecerá o trabalhador. Podem pesar para isso, na ótica de Marques, o fortalecimento das negociações diretas entre empregado e empregador e também a criação de novos tipos de contratos de trabalho.
– Uma legislação que fragiliza a classe trabalhadora tende a aumentar o número de demandas – define Marques.
O contrato intermitente (com remuneração por hora trabalhada) e a criação da figura do “autônomo exclusivo” (que poderá trabalhar continuamente para uma única empresa) são algumas das principais novidades da reforma e poderão gerar novos tipos de demandas trabalhistas, diz Marques. O juiz diretor do Foro caxiense prevê o aumento da precarização no mercado de trabalho, a partir do avanço da terceirização.
O Foro também atende aos municípios de Antônio Prado, Flores da Cunha, Nova Pádua e São Marcos. Pela forte presença da indústria na região, hoje a maior parte das ações que tramitam em Caxias é relacionada às rescisões contratuais dos trabalhadores demitidos nos últimos anos e à insalubridade e periculosidade dos trabalhos.
Neste sentido, uma das modificações mais polêmicas da reforma diz respeito ao trabalho de gestantes em condições insalubres. Pelo texto, nas atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, a grávida ou lactante terá de apresentar atestado médico para ser afastada. Antes, a dispensa era automática, independentemente do grau de insalubridade.
O juiz prevê que as reclamatórias chegarão à Justiça mais enxutas, com menos pontos a serem discutidos. Isso porque, caso o trabalhador perca a ação, ele terá de arcar com as custas processuais. Outro ponto questionado por Marques é com relação às indenizações por dano moral. Com a reforma, o valor a ser pago ao funcionário terá conexão direta com a sua remuneração.
– Temos dois funcionários, um ganhando R$ 5 mil e outro R$ 2,5 mil. Cai uma peça em cada um e os dois perdem o olho. A indenização do que ganha R$ 5 mil vai ser o dobro daquele que ganha R$ 2,5 mil. Por que o olho de um vale mais do que o do outro? Esse tipo de tarifação não funciona, não existe em lugar nenhum – exemplifica Marques.
Por outro lado, o juiz vê como positivo o fato de o trabalhador ser obrigado a comparecer às audiências e a criação de multas para testemunhas que alterarem seus depoimentos.
Extensão dos efeitos será sentida com a vigência
Especialistas em Direito do Trabalho acreditam que alguns dos efeitos proporcionados pela reforma só poderão ser calculados a partir do momento em que a lei começar a vigorar. Uma das interrogações é sobre como funcionará na prática a jornada de 12 horas, que poderá ser realizada desde que não se excedam as 44 horas semanais.
– Grande parte das demandas (da Justiça do Trabalho) discute horas extras e adicionais, como periculosidade e insalubridade. A possibilidade de estender a jornada a 12 horas vai gerar reflexos em férias e 13º salário – analisa Adriane Lopes, professora de Direito do Trabalho na Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Adriane acredita que a reforma era necessária em determinados pontos, mas interpreta que o enfraquecimento do papel dos sindicatos pode ser prejudicial ao trabalhador. Isso em um contexto no qual o contrato de trabalho poderá ser alterado a cada 12 meses, caso haja concordância entre empregado e empregador. A professora defende que os dois atores tenham igualdade de força, sem que um se sobreponha ao outro.
O professor de Direito do Trabalho do Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG) Pablo Dutra constata que a nova lei não suprime direitos trabalhistas e define que há pontos positivos e negativos ao longo do texto. Dutra lembra que a prevalência do “negociado sobre o legislado”, mote central da reforma, modificará as relações de trabalho e impactará diretamente na atuação da Justiça.
– Hoje se faz a negociação coletiva e não há cumprimento desse acordo muitas vezes. Em contrapartida, grande parte das demandas vem do descumprimento (pelo empregador) com o pagamento das verbas resilitórias (direitos trabalhistas). E isso deve continuar existindo – analisa.