As mãos habilidosas guiam as finas astes pelo contorno da garrafa de vidro. Gradativamente, o fundo verde é recoberto por uma trama uniforme. O trabalho manual com o vime é uma das heranças da imigração italiana em solo brasileiro, desde 1875. Portanto, esse artesanato fortemente vinculado à tradição esta às portas de celebrar 150 anos na Serra gaúcha.
Em um século e meio de história, o material passou por transformações no formato, uso e significado social. Conforme o escritor e pesquisador da cultura italiana na Serra, Diogo Guerra, os artigos de vime foram essenciais para os imigrantes, tanto pela versatilidade, quanto pelo baixo custo.
— O vime era um material de fácil acesso, que permitia aos colonos recém-chegados produzirem seus utensílios. Eram berços para as crianças, cestos para os mais diversos trabalhos e até mesmo suportes para estruturar as videiras — explica.
Conforme Guerra, as técnicas de trançado são uma herança imaterial, aprendida em casa, no convívio familiar. Mesmo que o material original seja diferente do vime brasileiro, os imigrantes conseguiram adaptar a técnica para criar os artigos e utensílios.
Trabalho artesanal
Décadas mais tarde, essa mesma técnica se transformou em uma fonte de renda para centenas de famílias na Serra. Segundo Guerra, por volta das décadas de 1940 e 1950, quando a migração do interior para a cidade se intensificou, aumentou a oferta de mão de obra.
Foi nesse cenário que Domingas Aresi, 89 anos, se tornou uma das maiores empregadoras do setor vimeiro na região. Por quase duas décadas, ela coordenou uma rede de trabalhadores que empalhavam garrafões de vinho nos porões de casa. Domingas estima que, no auge da produção, cerca de 50 famílias prestavam serviço para ela, produzindo oito mil garrafões por mês.
— Meu esposo pegava os garrafões nas cantinas. Eu e mais um grupo de mulheres preparávamos o vime. Depois os materiais eram distribuídos pelas casas. Quando o empalhamento estava pronto, recolhíamos para enviar novamente para as cantinas — recorda Domingas.
A ascensão do vime durou até o final da década de 1970, quando a indústria se fortaleceu e optou por utilizar o plástico, por exemplo, como matéria-prima para revestir os garrafões de vinho, entre outros artigos.
Do design à arte: novos usos para o velho vime
Adaptação é a regra que norteou o segmento depois que outros materiais, como o plástico, substituíram o vime. Em Ipê, a empresa da família Nadal decidiu transformar a fabricação tradicional de berços, cadeiras e cestos, em uma produção conceitual. Com o suporte de um profissional do design, a linha de produtos foi replanejada, mantendo as características originais.
— Usamos a mesma trama das antigas produções. A diferença, é que agora temos mais possibilidades de criação. Conseguimos desenvolver um produto que mantém a cultura que aprendemos com os pais e avós, apresentando traços modernos — explica Geni Nadal, sócio proprietária da empresa.
No Acervo Municipal de Artes Plásticas (Amarp) de Caxias do Sul, as peças da artesã Genoveva Finkler, 88 anos, são outro exemplo da versatilidade e influência centenária da cultura vimeira na região. As obras mesclam a tradicional trama com formatos abstratos, fazendo referência à ancestralidade dos imigrantes.
— Aprendi a fazer trabalhos de vime com os meus pais. Antigamente todo mundo sabia fazer isso e tinha vime aos montes. Usei o que eles me ensinaram e fui criando esculturas que estão aí até hoje, mesmo depois de eu me aposentar — conta Genoveva.
De onde vem o vime?
- Originário do Antigo Egito, os vimeiros, árvores com galhos flexíveis, se disseminaram pelos continentes até a América.
- Comumente encontrados próximo às margens dos rios, os vimeiros se tornaram matéria-prima para a fabricação de móveis pela flexibilidade e resistência de seus galhos.
- Após serem podados, os galhos são descascados e secos.
- Durante a transformação em artigos ou móveis, as fibras precisam ser molhadas para ter elasticidade.