Na última semana de abril, antes da maior tragédia climática da história provocar pânico e dor ao povo gaúcho, resultando em mais de 180 mortes, muito antes do tema emergência climática se impor como prioridade, a Fundação Marcopolo organizou uma excursão para a Colômbia.
Impactados pelo que viram por lá, alguns integrantes dessa comitiva resolveram criar um evento onde pudessem compartilhar essa experiência. Nascia assim o 1º Simpósio O Futuro que Queremos, a ser realizado nos dias 19 e 20 de agosto, no UCS Teatro, em Caxias do Sul.
Em Medellín, sempre utilizando transporte público, a comitiva que reuniu de empresários a acadêmicos, de artistas a esportistas, transitou por diversas comunas, o equivalente, aqui no Brasil a zonas (Norte, Sul, Leste e Oeste). Em comum, não importa qual o perfil do bairro, o que se via eram incontáveis parques bibliotecas, creches, espaços de recreação, praças esportivas, escolas, em meio a uma série de iniciativas inovadoras e criativas, sejam empresariais ou acadêmicas.
— Tu vais encontrar as melhores estruturas, criadas pelos melhores arquitetos, com os melhores serviços, não importa em qual bairro estejas. É tudo público — exemplifica Jean-Edouard Tromme, cientista político, atual diretor de Projetos e Estratégia do Escritório Resiliência de Medellín, um dos guias durante a excursão promovida pela Fundação Marcopolo, ao lado do antropólogo Santiago Uribe Rocha.
Creio que é importante entender que existe um ponto de chegada comum e é importante envolver um conjunto diverso de atores, pois isso fortalece o sentido de participação e de empoderamento dos cidadãos.
Uma pergunta que ecoava entre os membros da comitiva e que virou uma espécie de mantra, resume o espírito que paira pela cidade com 2,5 milhões de habitantes, capital do Estado da Antioquia:
— Por que tantas bibliotecas?
— Mas são tão poucas — respondia, Santiago.
Para se ter uma ideia do que seria uma Biblioteca Parque ou uma Unidade de Vida Articulada, que se tornaram modelos mundo afora, segue uma comparação. Em Caxias, há o Centro de Cultura Ordovás, no bairro Panazzolo. Imagine que o prédio é uma biblioteca, erguida em uma edificação envidraçada, para que as pessoas se sintam atraídas para entrar e conhecer o espaço. Além disso, imagine que o prédio está construído em uma grande área arborizada, com áreas de convívio e quadras esportivas (melhores que muitos clubes sociais privados).
No entorno, haveriam ainda escolas de Ensino Fundamental ou Médio, a depender da necessidade do bairro, e creches, chamadas por eles de Bom Começo (simbólico e afetivo, não?). Mais do que erguer prédios, a preocupação deles, há 30 anos, de forma ininterrupta, não importam as trocas de governo, é oferecer o melhor serviço, com acompanhamento às crianças e aos jovens, durante esse percurso, dentro e fora da sala de aula, com resiliência e perseverança.
Sentido de urgência
Para Jean, "o sentido de urgência" que ressoava em Medellín, entre as décadas de 1980 e 1990, por causa da violência causada pelo cartel chefiado por Pablo Escobar, pode ter a mesma força mobilizadora no atual cenário brasileiro, não apenas de emergência climática, mas sobretudo por uma convergência de transformação social passando pela educação:
— Esse sentido de urgência se apresenta como uma sensação de uma ação imediata, de que não se trata de esperar que o futuro chegue, mas de moldá-lo ativamente desde o presente. Temos de aplicar soluções hoje, para seguir melhorando. Adaptando sempre o movimento, as estratégias, as perspectivas para que os planos respondam, obviamente, à evolução da sociedade.
O caminho para se construir um futuro a partir das ações do presente, na visão de mundo compartilhada por Jean, passa, essencialmente, pela participação de diversos atores da sociedade.
— É muito importante uma prática de governança participativa. É uma prática valiosa na gestão pública, porque permite que os diversos setores da sociedade se vejam refletidos nas políticas públicas. Isso dá legitimidade e aceitação aos processos de elaboração e implementação de políticas públicas, porque, obviamente, todos se vêem refletidos nelas.
Cidade educadora
Inspirado pelas práticas inovadoras, ancoradas em mudanças de consciência e cultura da sociedade, com ênfase em ações educacionais, Luciano Balen, atual coordenador da Fundação Marcopolo, buscou uma forma de compartilhar o que um grupo de cerca de 20 pessoas viu em Medellín. A ideia se consolidou com o tema, simbólico e provocador: o futuro que queremos.
Além de trazer a Caxias a dupla que guiou a comitiva por Medellín, o cientista político Jean-Edouard Tromme e o antropólogo Santiago Uribe Rocha, participarão da primeira edição do simpósio que ocorre em agosto, no UCS Teatro, o biólogo Átila Iamarino e o jornalista Caco Barcellos.
— Encontramos em Medellín uma forma de ser e de viver em que a sociedade se organizou a partir da educação, cultura cidadã, esporte, geração de trabalho de qualidade, mobilidade urbana, fomentando a indústria do turismo e as inovações tecnológicas e sociais — pontua Balen.
O simpósio a ser realizado em agosto, no UCS Teatro, terá entrada gratuita, estimulando a participação dos mais diversos atores sociais.
— A cidade é das pessoas. Se ela é nossa, a responsabilidade não é só do gestor público, do empresário, do vereador, do professor. É uma responsabilidade de cada um que vive nela. Que cidade queremos? Que futuro queremos? Não tenho a menor dúvida de que esse futuro passa pelo caminho da educação e da cultura. Não dá para contar só com o acaso ou com a sorte. É preciso projetar uma cidade educadora. E a hora é agora!
Tratado de paz
Um dos membros da comitiva que visitou Medellín em abril deste ano, o rapper, escritor e doutor em Diversidade Cultural e Inclusão Social Chiquinho Divilas revela ter ficado impressionado com o senso de pertencimento e engajamento dos jovens, aliado à sinergia de gestores públicos, empresários e acadêmicos focados no mesmo objetivo:
— Cito o projeto permanente para combater a violência e a desigualdade social com políticas públicas continuadas, especialmente para os mais pobres, a criação de um conselho que dialoga com as organizações comunitárias, a atenção e investimento em educação infantil. Enfim, o apoio da sociedade foi muito importante, porque eles não ficam esperando apenas pela boa vontade política.
Chiquinho também vai participar do simpósio em uma mesa de bate-papo tendo como enfoque a cultura de paz. Antes disso, como preparação para o evento, o rapper tem percorrido escolas da rede municipal desenvolvendo o projeto Geração Consciente, sensibilizando os jovens para a importância de uma participação mais efetiva na criação de políticas públicas para sublinhar o tema do simpósio: o futuro que queremos.
— É a geração protagonista e está nas escolas. Muitos líderes que ali estão precisam da continuidade das atividades. Precisam ampliar seus repertórios. E assim, estimulamos os jovens a seguirem. Foi isso que aconteceu comigo, fruto de um palco singelo dentro da comunidade. Eu tive a oportunidade de seguir em frente — avalia.
E o futuro, Chiquinho?
— Hoje, muitos projetos que desenvolvemos já são pensados diretamente aos jovens das periferias. Primeiro passo é levar atividades culturais a esses ambientes violentos, propondo um novo cenário: um tratado de paz. O futuro é hoje.
Fique ligado
A Fundação Marcopolo, a partir de uma experiência imersiva por Medellín, conduzindo uma comitiva diversa, desde acadêmicos a empresários e de artistas a esportistas, vai realizar a primeira edição do Simpósio O Futuro Que Queremos, nos dias 19 e 20 de agosto, no UCS Teatro, em Caxias do Sul. Os ingressos são gratuitos e estarão disponíveis partir de 8 de agosto, pelo site Sympla.
Alguns dos convidados confirmados:
- Átila Iamarino: biólogo, e doutor em Microbiologia pela USP. Ganhou notoriedade pela comunicação sobre a pandemia da covid-19 no Brasil, em redes sociais. Atualmente, mantém canal no YouTube com mais de 1,6 milhão de inscritos. Também atua na área educacional como consultor e produtor de material didático digital e educação na internet.
- Santiago Uribe Rocha: antropólogo, pesquisador social e gestor de políticas urbanas e sociais com mais de 20 anos de experiência na concepção e direção de programas e projetos de desenvolvimento humano. Por seis anos, atuou como diretor de Resiliência da Cidade de Medellín, cidade membro da Rede das 100 Cidades Resilientes da Fundação Rockefeller.
- Jean-Edouard Tromme: cientista político, gestor e pesquisador ligado a projetos principalmente no cenário internacional e promotor de políticas públicas, com mais de 25 anos de experiência na preparação, avaliação e gestão de programa de intervenções públicas e privadas. Diretor de Projetos e Estratégia do Escritório Resiliência de Medellín.
- Caco Barcellos: jornalista especializado em jornalismo investigativo, recebeu o Prêmio Jabuti pelos livros Rota 66, na categoria Reportagem, e Abusado - O Dono do Morro Dona Marta, nas categorias Reportagem e Biografia, e Livro do Ano Não-Ficção. Atualmente, produz e apresenta o programa Profissão Repórter, na TV Globo.