Ninguém fica imune à travessia tempo adentro. Mais do que envelhecer, atravessar o cotidiano implica em compartilhar quem somos com quem amamos e também com quem só cruzamos pelo caminho. Tudo isso em modo acelerado, deixando por aqui e por ali, um pouco de quem somos, quase em fusão com os cenários por onde passamos. Talvez seja esse o registro mais simbólico desse tempo contemporâneo. Para uns, disruptivo. Para outros, aterrorizante. Talvez fugaz, superficial e provisório.
Pois é esse o mote da exposição Solo provisório, da artista visual caxiense, radicada em São Paulo, Gabriela Stragliotto. A abertura ocorre nesta quinta-feira (4), a partir das 19h, na Galeria Municipal de Arte Gerd Bornheim, que fica ali na Casa da Cultura, bem no centro de Caxias do Sul. A mostra permanece em cartaz até o dia 30 deste mês.
Subindo as escadarias que dão acesso à galeria, antes de contemplar as obras, há um texto explicativo desse “solo provisório” da Gabriela. Quase no final dessa resenha crítica, está a primeira chave para entrar nesse etéreo universo criado por ela. É um trecho do poema Círculos se ampliando, de Rainer Maria Rilke, que diz:
“Eu tenho estado circulando por milhares de anos
e eu ainda não sei: eu sou um falcão,
uma tempestade, ou uma grande canção?”
— Essa série toda que se chama Solo provisório é sobre a relação com o tempo. Então, também eu estou nesse passar do tempo e também eu me vejo ali como uma pessoa provisória, como essas pessoas passageiras pelas quais eu cruzo — comenta Gabriela, graduada em Comunicação Social, com passagem pela Central Saint Martins, Universidade de Artes de Londres, pela Academia Internacional de Cinema de São Paulo, e atualmente cursando a especialização em Arte e Filosofia pela PUC-Rio.
Para criar as 18 telas expostas, uma das estratégias foi sair pela Avenida Paulista, uma das mais frenéticas do mundo, capturando as cenas do cotidiano com uma pequena câmera de vídeo. O processo está registrado e será exibido durante a exposição, em dois pequenos monitores. Flagradas as cenas, na tela, ela pinta esses personagens deslocados dos cenários onde foram originalmente gravados. Nessa sua releitura da vida como ela é, nessa travessia em que ninguém fica imune, ela desconfigura tempo e espaço para conduzir o espectador a um lugar de quase silêncio.
— Esse lugar de silêncio a gente pode achar em qualquer lugar. Vamos supor, estamos aqui conversando, podemos estar na nossa rotina, no dia a dia, mas também podemos ter nosso tempo de pensar... Eu acho que é mais de presença, de estar aqui, de verdade. Vivemos um pouco na superficialidade — argumenta Gabriela.
Depois de uma pequena pausa, enquanto fitava a etérea paisagem de uma série de pequenos quadros dispostos na parede, milimetricamente fixados no centro da galeria, a artista visual, continua a sua divagação e, traz, quem sabe a segunda chave que dá acesso a esse universo provisório e, por vezes, intransponível:
— Por causa do ritmo, a gente vive um pouco sem prestar atenção.
Gabriela revela ainda que suas obras atravessam sempre a questão do tempo e dos espaços contemporâneos versus o lugar onde ela cresceu, no interior. Nascida em Galópolis, depois morou com a família no Mato Grosso e atualmente vive na selva de pedra da capital paulista.
— Eu sempre escrevo sobre as telas antes de fazê-las. Então tem uma coisa verbal no meu trabalho, sabe? Às vezes eu penso no título da exposição antes, como o nome dessa, Solo provisório, que veio antes de fazer as obras. Tem uma coisa verbal e tem uma coisa de cena no meu trabalho. Então, no fundo, tem uma coisa de contar uma história — revela a artista visual, entregando a terceira chave ao espectador.
Se a travessia começou em tom poético, com a citação de Rilke, que aliás, dá nome a maior das telas, expostas na galeria, esse texto precisaria fechar no mesmo tom:
— Pra mim, a pintura é o lugar da meditação.
Programe-se
- O quê: abertura da exposição “Solo provisório”, da artista visual caxiense Gabriela Stragliotto.
- Quando: a partir desta quinta-feira (4), às 19h. A mostra segue em cartaz até o dia 30 de maio. Visitação de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h e, aos sábados, das 10h às 16h.
- Onde: Galeria Municipal de Arte Gerd Bornheim (Rua Dr. Montaury, 1.333 - Caxias).
- Quanto: entrada franca.