Já em sua primeira fala como participante do Big Brother Brasil 2023, o empresário e professor caxiense Cristian Vanelli fez questão de mostrar que autoestima não falta em sua personalidade. Pelo contrário, parece sobrar. Ao falar que tem um “topete invejável” e que é um homem que “chama a atenção”, Cristian deixou claro seu “papel” na casa: ser o homem hétero cheio de autoconfiança. O desafio? Mostrar que não é apenas um rosto bonito na tela.
A psicóloga bento-gonçalvense Marina Zuccolotto, que já ministrou cursos sobre autoestima e autoconfiança, destaca que essa qualidade não pode ser resumida a um rosto ou um corpo bonito. Há muitas outras formas de autovalidação, e trabalhá-las pode ser um longo processo de desconstrução de ideias negativas sobre si mesmo. Confira a seguir a entrevista com a psicóloga:
Almanaque: Pessoas que cultuam sua própria beleza física, como é o caso do brother caxiense Cristian Vanelli, devem ter cuidado para não virem a desenvolver problemas psicológicos por conta dessa autoestima elevada? Em que ponto deixa de ser saudável se considerar atraente?
Marina Zuccolotto: A autoestima nada mais é do que a percepção que uma pessoa tem sobre si mesma. Quando crianças nós não temos uma visão consolidada a nosso respeito, dessa forma o nosso espelho é o outro. São as opiniões, os feedbacks, as validações externas que moldam o nosso senso de quem nós somos. E os atributos físicos são apenas uma parte disso. Alguém que trabalha como modelo desde cedo, que tem o corpo em evidência e como fonte de reconhecimento, pode ter a percepção de que seu próprio valor está relacionado ao nível de beleza. Isso se torna um problema quando nos tornamos escravos do nosso corpo, fazendo sacrifícios ou comprometendo a nossa relação com as pessoas.
Em consultório você atende muitos casos de pessoas com a autoestima baixa? Aparência física é a razão mais frequente? Como isso costuma afetar a vida desses pacientes?
Boa parte dos problemas que eu atendo partem de uma avaliação negativa que as pessoas possuem sobre si mesmas, mas a aparência não é a razão mais frequente. Geralmente são questões de autoconfiança, de dificuldade de se relacionar, de gerir as próprias emoções e outras questões mais sutis e subjetivas. Trabalhar a autoestima não é tão simples, porque é preciso abandonar o que se acreditava sobre si e começar a construir uma nova visão. E esse processo demanda bastante autoconhecimento, para que a pessoa identifique suas habilidades e suas capacidades, até que ela possa testar na prática, se aprimorando pessoalmente.
Que relação pode ser traçada entre autoestima e felicidade? O quanto é importante a pessoa estar com a autoestima em dia para buscar a realização pessoal?
É certo que as pessoas que possuem uma boa autoestima são mais felizes. Elas se sentem mais seguras, mais confiantes, com mais facilidade de se relacionar com os outros e de impor limites nas relações. Mas autoestima não pode se resumir a uma visão positiva do próprio corpo.
E quando a autoestima elevada pode se misturar ou ser confundida com arrogância? Essa era uma preocupação de amigos e familiares do Cristian (BBB), antes e também nos primeiros dias de programa: que ele não tivesse tempo para mostrar que não era um cara arrogante pelo fato de se considerar atraente.
A pessoa se torna arrogante quando usa das suas qualidades para se sentir superior. Para demonstrar ter mais poder ou fazer a sua verdade valer mais do que a verdade dos outros. Quando a gente tem uma autoestima elevada, precisa ter um certo cuidado e humildade para preservar os nossos relacionamentos.
A autoestima elevada pode ser uma espécie de escudo que a pessoa utiliza para esconder fragilidades emocionais?
É aquele velho clichê. Todo excesso esconde uma falta. Uma pessoa com boa autoestima dificilmente vai precisar se autoaprovar a todo momento. Todo mundo gosta de ser elogiado e reconhecido. O sofrimento começa quando eu passo a depender disso pra me sentir bem comigo.
A cada edição do BBB se acende a discussão sobre a “autoestima do homem hétero”, muitas vezes associada a demonstrações de comportamento machista. O excesso de autoestima (do homem hétero) pode estar relacionado a um comportamento machista ou misógino?
Além de se desenvolver através de experiências individuais, a autoestima é permeada também por aspectos sociais e culturais. Apesar dos avanços na igualdade de gênero, ainda há resquícios do patriarcado... que exalta os valores masculinos e diminui os femininos. Enquanto os meninos se identificam com a força e o poder dos super-heróis, as meninas se identificam com a fragilidade, com a preocupação em agradar e seguir o padrão de beleza das princesas. A mídia também reforça a todo momento os atributos físicos mais desejáveis. Isso faz com que exista uma eterna insatisfação feminina com a própria imagem. Ainda temos um longo caminho pela frente. E a consciência dos homens sobre seus privilégios é um passo importante para essa mudança.
Isso me fez lembrar que, recentemente, uma pesquisa apontou que apenas 3% dos homens brasileiros se consideram feios…
Existe uma brincadeira por aí...que a autoestima do homem hétero deveria ser vendida em cápsulas. Eu discordo. Uma sociedade pautada no narcisismo exacerbado é egoísta, fútil e mesquinha. Nossos consultórios estão lotados de mulheres e carecem de homens reconhecendo que precisam de ajuda. Desejo que, independente do gênero, todos sejam capazes de enxergar suas qualidades e reconhecer seus pontos de melhoria.