No imponente palco montado ao lado da Catedral Diocesana de Caxias do Sul, o repertório executado pela Orquestra Municipal de Sopros e pelo Coro Municipal encanta o público que se espalha pelas arquibancadas e se enfileira ao longo da Rua Sinimbu, no segundo dos seis desfiles cênicos e musicais da 33ª Festa da Uva. De frente para o palco, o operador de áudio Kiko Duarte presta atenção se cada um dos 90 microfones posicionados no palco está captando conforme a passagem de som feita enquanto o dia transcorria normalmente em uma das ruas mais movimentadas da cidade.
Já são 35 anos que Kiko se dedica ao que define como uma paixão pelo áudio, em especial pela captação de orquestras no palco. Quando as edições de 2010 e 2019 da Festa da Uva optaram por trilhas com som mecânico, não teve a mesma graça.
– A gente encara chuva, encara sol, mas trabalha feliz da vida. Quem escuta pode achar que é só colocar os microfones no mesmo volume, mas cada instrumento tem a sua particularidade. O arranjador sabe como cada um deles tem de soar, e a gente precisa conhecer a música para ajudar a alcançar esse resultado. Requer muita sintonia com o Bebeto (Gilberto Salvagni, regente da Orquestra e do Coro) – comenta Kiko, que durante o auge da pandemia teve de ajudar o irmão como instalador de câmeras e alarmes, para se manter.
Kiko e seus três assistentes estão entre as dezenas de pessoas que, sincronizadas como uma orquestra, trabalham para fazer acontecer cada uma das seis edições do Desfile Cênico. São servidores municipais, equipes terceirizadas e voluntários que vestem camisetas roxas ou pretas, vistos pelo público, mas raramente percebidos enquanto a atenção se dirige a um carro alegórico ou a alguma ala do cortejo que se estende da Rua Alfredo Chaves até a Dr. Montaury. E é melhor que assim seja: quanto menos o trabalhador dos bastidores é notado, melhor o desfile transcorreu.
JORNADA DUPLA SEM PERDER O SORRISO
Servidor da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma), há três edições da Festa Valtuir Pissaia empresta sua disposição e sua simpatia cativante para o desfile cênico. Como em anos anteriores, sua função consiste em ajudar no atendimento ao público que paga por um lugar na arquibancada e garantir que o ambiente esteja limpo e organizado.
Quando os espectadores chegam, Valtuir entrega folhetos, pede documento e comprovante vacinal, ajuda algum idoso que precise de ajuda para se acomodar. Depois que o desfile começa, põe-se atento a ir até alguém que o chame ou erga a mão a fim de pedir alguma ajuda ou informação. Outros três servidores foram destacados para fazer o mesmo serviço, em setores diferentes das arquibancadas, que somam 1,2 mil lugares.
– Nossa missão é deixar o lugar o mais bonito possível, para que ninguém fique com a impressão de que a cidade está suja. No domingo, tivemos de correr atrás de panos para dar conta de secar os assentos molhados pela chuva. Dá um suador danado. Quando chego em casa tomo um banho frio, como alguma coisa e vou dormir, porque no dia seguinte, às 7h, já estou na rua de novo para cumprir minha jornada na Semma. Mas faço isso aqui com muito amor e vontade. Se fosse pra vir aqui e ficar parado ou reclamando, nem vinha.
MOTORISTAS E BATEDORES
A parte mais distraída do público talvez nem perceba, até porque certamente não os enxerga, mas cada um dos 10 carros alegóricos, mesmo sendo puxado por trator, é guiado por um motorista. Mãos ao volante, são eles que mantém os carros em linha reta, desviam de algum obstáculo e fazem com o máximo de precisão as curvas do trajeto desde a Maesa, onde ficam guardados, até a Rua Sinimbu (e depois, na volta, pela Rua Os 18 do Forte).
Um dos carros mais emblemáticos do desfile, que representa e religiosidade e traz a imagem de Nossa Senhora de Caravaggio, tem como motorista, exatamente abaixo da imagem sacra, o metalúrgico Kim Pereira. Para tornar menos claustrofóbica a cabine onde iria passar quase cinco horas, Kim pode enxergar e respirar melhor através de uma tela parcialmente coberta por folhas. É o primeiro ano de desfile em que não é visto pela família, que se acostumou a vê-lo como batedor, espécie de manobrista dos carros alegóricos, que auxilia o motorista do lado de fora:
– No primeiro desfile (domingo) a gente decidiu em cima da hora que eu iria dirigir, daí não deu tempo de avisar que eu estaria aqui dentro. Hoje minhas irmãs, que vieram assistir, já sabem. Vou dar um jeito de colocar a mão pra fora e acenar pra elas – diz o evangélico, que aproveita o período da Festa para incrementar a renda com um serviço extra.
Contratados por quatro empresas de decoração para eventos que prestam serviço para a Festa, motoristas e batedores também são responsáveis por construir os carros. Pregar, soldar, colar e eventualmente pintar as alegorias, é um trabalho que dura cerca de dois meses. Ao longo do evento, fazem também a manutenção após cada desfile, pois no trajeto algo sempre pode ser danificado pelo contato com um galho de árvore, ou por uma rajada de vento mais forte.
Um entre as dezenas de batedores do desfile e construtores dos carros, Paulo Abreu trabalha com alegorias o ano todo, há 12 anos. No final do ano passado, percorreu cinco cidades gaúchas e catarinenses durante o Natal. A próxima empreitada será na Páscoa, mas só depois das merecidas férias.
– O desfile vai terminar às 23h. A gente chega na garagem e faz uma revisão para ver o que foi avariado, e amanhã, às 8h, já vou estar na manutenção. Sempre tem algo que cai, que descola, que risca. Mas é divertido. Não gostaria de ter de trabalhar em lugar fechado, na indústria. O que me realiza é estar na rua, vendo o público feliz e sabendo que a gente faz parte disso.
APÓS O DESFILE, A UVA COMO PRESENTE
A Orquestra e o Coro já apresentam suas últimas músicas, o roteiro já foi lido e as soberanas já acenaram para quase todo o público, quando então se inicia a distribuição de cachos de uva para as mais de 10 mil pessoas que passaram duas ou três horas prestigiando o Desfile Cênico Musical. Só aí entra em cena uma equipe de voluntários, em maioria adolescentes e jovens adultos, todos membros de uma entidade paramaçônica que já é parceira da Festa há algumas décadas.
Entre os quase 50 voluntários, que até o fim do evento deverão ter distribuído mais de 20 toneladas de uva na Sinimbu, estão as jovens Júlia Ferrareze e as primas Laura e Giovanna Cecconello, todas estreantes no Desfile. Entre uma entrega e outra, cabe às meninas explicar que a organização só permite entregar um cacho por família, e tentar impedir que alguém leve a mão direto na caixa para pegar a uva.
– Alguns não respeitam o distanciamento e avançam além da demarcação da calçada, mas não é que haja muita inconveniência. É divertido. O clima de festa deixa todo mundo um pouco mais alegre – comenta Laura.
Depois da entrega feita para o público, chega a vez de presentear os participantes do desfile com a fruta e toda a equipe de bastidores com a fruta.
– Essa parte também é bem legal, porque as pessoas estão cansadas, mas antes de ir embora recebem esse mimo que também é um agradecimento por toda a dedicação para fazer o desfile acontecer – destaca Giovanna.
Programe-se
Ainda há quatro edições previstas do Desfile Cênico Musical até o fim da 33ª Festa da Uva: neste sábado (26), e nos dias 1 e 5 de março, sempre às 20h.