Mônica Zanotto e Andréia Menegotto não se conhecem, mas suas trajetórias têm muito em comum. Ambas são mães, ambas alcançaram sucesso na carreira profissional, ambas viram o preço desse sucesso engolir suas vidas pessoais no momento em que mais precisavam dar atenção aos filhos. Ambas, então, optaram por recomeçar em novas áreas de atuação, que permitissem ter mais tempo e mais propósito no atual momento de suas vidas. E as dificuldades no caminho foram também muito parecidas.
Moradora de Caxias do Sul, por 10 anos Andréia atuou na área em que se graduou, a Arquitetura. Foi sócia em um escritório que, na mesma medida em que prosperava a cada novo contrato, também tomava mais tempo em reuniões com clientes e inspeções às obras. Tempo que se tornou cada vez mais precioso após a chegada de Pedro, hoje com 9 anos, e Antonio, hoje com 6.
– O trabalho me exigia muito e me doía cada vez que precisava deixar os meninos com a avó. Sentia falta de passar tempo com qualidade, como se eles tivessem se desenvolvendo e eu não acompanhasse. Não levantava mais com o mesmo prazer para ir trabalhar – conta.
Comunicativa por natureza, entre 2017 e 2018 Andréia manteve o clube Elas Para Elas, que realizava diversos workshops, bazares e palestras voltados para mulheres. Quando o olho deixou de brilhar pela Arquitetura, o gosto por ajudar pessoas fez prevalecer o desejo de mudar de área. E foi assim que a Arquitetura perdeu uma profissional, ao mesmo tempo em que o marketing digital e as mídias sociais ganharam uma nova. E Antônio e Pedro ganharam uma mãe mais feliz e presente:
– A pandemia foi o empurrão que precisava para entrar com os dois pés nessa nova fase. Hoje consigo acompanhar a rotina dos meninos, que também passam mais tempo em casa, e profissionalmente sinto que consigo contribuir mais com as pessoas, que é algo que também me motiva. Como arquiteta eu vibrava quando podia ajudar alguém a ter resultados melhores no seu trabalho com uma sala ou escritório planejado por mim. Hoje sigo podendo ajudar as pessoas em seus negócios, mas no ambiente digital.
O ritmo de vida mais racional também foi decisivo para ajudar Andréia em um tratamento contra o câncer, diagnosticado em dezembro do ano passado:
– Uma coisa ajuda a outra. Poder trabalhar de casa, em horário reduzido, e com os filhos por perto, fez toda a diferença para a evolução e melhora do tratamento.
Nem tudo, no entanto, foi simples no processo de transformação pessoal e profissional. Deixar de lado uma carreira que demandou anos de preparação e investimento por parte da família exigiu muitas explicações, nem sempre compreendidas rapidamente. Comunicar ao pai que não atuaria mais na profissão em que se formou com tanto esforço foi o momento mais difícil.
– A projeção que a gente deixa as pessoas jogarem para cima da gente é algo que precisamos trabalhar. “O que vão pensar de mim, o que o meio vai falar do que estou fazendo? E ter estudado tanto sobre comportamento humano me ajudou a estar mais preparada. A conversa com o meu pai foi a mais difícil, mas a mais libertadora. Parece que ganhei carta branca, porque ele entendeu o que mais importava pra mim – conta.
DA GERÊNCIA PARAO UNIVERSO HOLÍSTICO
Assim como Andréia, Mônica Zanotto teve na conversa com o pai o momento mais delicado em seu processo de reinvenção movido pela maternidade e propósito de vida. Por 13 anos, ela trabalhou em uma cooperativa de crédito, sendo os últimos cinco com cargo de gerência. Com as duas irmãs igualmente bem empregadas, uma bancária, a outra gerente em uma cooperativa de alimentos, formava um trio que sempre orgulhou o pai. Dar a notícia de que estaria deixando um emprego com bom salário, direitos e benefícios, para começar do zero como terapeuta holística, dois meses atrás, exigiu boa dose de coragem.
– Foi um pouco complicado, mas aos poucos ele entendeu que era um dom, que era um trabalho importante para as pessoas, e que me faria mais feliz do que estava tentando vender para as pessoas coisas que muitas vezes elas não precisavam – conta a moradora de Ipê, cujo marido tem uma empresa de pequeno porte e uma loja de implementos automotivos.
Foi também a maternidade a principal razão que fez Mônica repensar a vida profissional. Começou com a busca pelo conhecimento após ter o primogênito, João Lucas, 4, que a aproximou das sabedorias ancestrais, e se intensificou quando teve o segundo filho, Gabriel, hoje com um ano e quatro meses. Passou a fazer diversos cursos e treinamentos, já vislumbrando uma nova área de atuação que a permitisse ter horários mais flexíveis e mais tempo para a maternidade.
– Meu trabalho me exigia muitas atividades fora do horário comercial, e sempre me doía ter que deixar os meninos com a avó. Eu ia para a reunião, mas a cabeça ficava em casa. Com o tempo também passei a sentir que eles tinham a necessidade de que eu estivesse mais próxima – conta.
Ao atender a reportagem, Mônica não escondia a felicidade por estar na sala em que irá iniciar os atendimentos de reiki, aromaterapia e cristaloterapia. “Estou realizada”, comemora a nova terapeuta do mercado, que está fazendo capacitações para logo começar a oferecer thetahealing e constelação familiar.
“Não é só tempo, também realização”
Outro ponto que aproxima as trajetórias de Andréia e Mônica é que ambas encontraram na mesma pessoa a ajuda para recalcular suas rotas de vida. Não por acaso, também essa uma mãe que ressignificou sua vida profissional a fim de passar mais tempo com qualidade junto com a filha, alinhada a um propósito de vida. Carolina Maino, 42, mãe da Lívia, de 2, atuou como modelo profissional e empresária antes de iniciar o trabalho de mentoria de carreiras que, durante a pandemia, teve aumento próximo a 100% na procura.
Com especializações em Psicologia Positiva e Gestão Empresarial, entre outros cursos voltados para comportamento e empreendedorismo, Carolina conta que a motivação para desenvolver o trabalho veio da falta que ela mesma sentiu enquanto buscava, às cegas, um propósito de vida. Trata-se, acima de tudo, de ajudar a superar o que já se tornou um jargão no mundo dos coachs: as crenças limitantes.
– Meu trabalho é voltado para o empreendedorismo, mas minha trajetória acaba atraindo muitas mulheres, especialmente mães, que se identificam. Elas chegam muitas vezes depressivas, algumas com pânico, e sentem que precisam mudar de carreira, ter mais liberdade e tempo para si e para os filhos, porém têm muito medo de arriscar. Eu ajudo a trabalhar nestes desbloqueios – conta.
Carolina considera que a pandemia foi determinante por fatores que vão desde a perda de emprego até a descoberta do home office e do trabalho online como possibilidades que antes pareciam distantes para muitas mulheres. Mais decisivo, no entanto, foram fatores emocionais.
– Acho que a pandemia trouxe muita reflexão sobre a morte. Aquele medo de estar vivendo e, se por acaso morresse amanhã, partiria cheia de arrependimentos. É como se fosse um chamado a repensar o que está fazendo da vida: qual legado eu deixo? Eu vivi como eu gostaria? É um momento de poder olhar para o sonho de infância, para o que quer realmente fazer da vida, aliado à descoberta de novas possibilidades que o home office trouxe para pessoas que agora não querem mais voltar a bater ponto na empresa – avalia a coach.
No instituto que leva seu nome, no bairro Sanvitto, em Caxias, Carolina atende só à tarde. As manhãs e as noites são dedicadas à filha. Embora o trabalho tenha aumentado, consegue equilibrar entre demandas online e presenciais, de modo a não sobrecarregar sua agenda:
– Não é sobre ter mais tempo, apenas. A realização pessoal e o legado de felicidade irão refletir muito na criação dos nossos filhos.
Pandemia acelerou processos de mudança
Assim como num relacionamento, ao deixar de se identificar com algo que já fez sentido e foi até mesmo apaixonante por determinado tempo, como uma profissão, é normal que as primeiras reações sejam de frustração e autocobrança. O peso das escolhas, no entanto, não precisa ser carregado por toda a vida. E sequer precisa ser, de fato, uma carga pesada. É preciso, contudo, tirar um tempo para colocar em perspectiva o que passou, e assim entender a própria história como uma construção em que nada precisa ser apagado para dar lugar ao que está por vir.
No consultório da psicóloga caxiense Cassiane Rech, especialista em Saúde Mental, a maternidade é um dos principais motivos que levam cada vez mais mulheres a buscar a reopção de carreira. Outro, não excludente, é a pandemia, que motivou a busca ainda maior pelo sentido da vida – busca que é o foco da logoterapia, abordagem seguida por Cassiane e criada pelo psiquiatra austríaco Viktor Emil Frankl (1905-1997) – autor da obra seminal O homem em busca de um sentido (Ed. Lua de Papel, preço médio R$ 54,90).
– Muitas mulheres chegam exaustas com a carga de trabalho, porém com um sentimento de insegurança provocado pela vontade de trocar de carreira e até de arrependimento, por achar que não fizeram as escolhas certas. Na terapia a gente faz uma retrospectiva que vai fazê-la entender que a opção fez sentido no momento em que foi tomada e a ajudou a ser quem ela é, mas que é normal que em outros momentos da vida. A gente escolhe de acordo com a maturidade que tem, e é normal que aos 18 anos a gente quisesse algo que não quer mais aos 30, ou aos 40 – comenta a psicóloga.
Após a retrospectiva, a profissional orienta a construir um planejamento para alcançar novos objetivos, que sejam o mais livre possível das pressões de família ou de expectativas de terceiros e que visam alinhar realização pessoal e profissional. E, no que tange às mães, no entanto, priorizar o bebê não é razão para deixar de lado a busca pela satisfação e prazer com o trabalho.
– A chegada de um filho muitas vezes é um divisor de águas que impulsiona as mulheres a reorganizar a vida profissional, pois não é nada fácil dar conta de todos os papéis ao mesmo tempo. Nisso, descobre-se novos talentos e habilidades que viram oportunidades de sair da zona de conforto e buscar uma realização que alinhe carreira e vida pessoal. Tem sido muito gratificante ver o resgate do brilho no olhar quando as mulheres se reencontram em outra profissão, que elas fazem com prazer e motivação, e não só por um sentimento de obrigação.