Em um bosque repleto de flores da estação primaveril estão alguns artistas a pintar cenas bucólicas. Entre eles, um pintor emoldura em tela um cesto de frutas carregando em tintas o denso diálogo entre o claro e o escuro. Os convivas fitam ao longe um grupo de câmara e uma dezena de coralistas a entoar uma ária de Claudio Monteverdi (1567-1643).
Sim, a cena é só um devaneio onírico, mas que tenta nos colocar dentro de um período histórico em que o mundo deixava de lado a dureza medieval e entrava na idade moderna. Na pintura, há um recorte importante que se impôs como gênero, a natureza-morta, cujo ápice se deu no século 17, na Holanda. Essa contextualização serve de abre alas para a série de exposições organizada pelo grupo Conhecendo Arte, que tem sua abertura oficial na próxima sexta-feira (3), na Galeria Municipal de Arte Gerd Bornheim, na Casa da Cultura Percy Vargas de Abreu e Lima, em Caxias do Sul.
Os amigos José Antonio e Hieldis Martins, Vera Vanin, Jacks Ricardo Selistre, Elizabeth Fitchner, Guadalupe Bolzani, Jaqueline Martins, Matheus Montanari, Viviane Pinto Bado e Ademar Roberto Sebben compõe o Conhecendo Arte e esmeram-se por oportunizar à comunidade o acesso às obras de artistas plásticos brasileiros que fazem parte da Pinacoteca José Antonio e Hieldis Martins, uma das mais relevantes coleções particulares do Brasil.
— Começamos a comprar obras assim mais como investimento, mas aos poucos tomamos gosto — revela Hieldis Martins, ao explicar que ela e o marido Antonio mantêm uma vasta coleção cujas peças têm sido adquiridas há cerca de 40 anos.
Abrir anualmente o acervo particular é o principal projeto do grupo Conhecendo Arte, que pretende realizar uma grande mostra até 2022, quando do centenário da Semana de Arte Moderna, de 1922, marco histórico das artes no Brasil.
Para esta exposição, daqui a três anos, a preciosidade será a apresentação de um desenho em carvão sobre papel, da pintora Anita Malfatti (1889-1964), apresentado na Semana de 1922. O preço das obras sempre suscita curiosidade, afinal de contas, tratam-se de peças raras e referenciais na história da arte. Conforme o curador e apreciador da arte Ademar Roberto Sebben, o valor das obras sempre é relativo, porque depende do preço que as pessoas estão dispostas a pagar.
— Aqui na Pinacoteca do Antonio e da Hieldis Martins, há uma obra do Alfredo Volpi, que é conhecida como a série "Ogivas". Não é esse o título da obra, mas é assim que ela é mais conhecida, enfim, mas uma pintura dessa mesma série foi recentemente vendida em um leilão por R$ 6 milhões. Mas é claro que não é esse o preço de mercado, que talvez seja em torno de R$ 2 a R$ 3 milhões. Só que o preço depende do quanto cada um está disposto a pagar — revela.
Hieldis prefere não comentar a respeito do preço pago pela obra em questão, mas diz ter sido muito menos do que a média apontada por Sebben.
— Ah, o Sebben diz que pode custar isso tudo, mas pagamos bem menos, sei lá, nem um décimo disso — desconversa Hieldis, sorrindo.
A primeira das cinco exposições que fazem parte do panorama deste ano, abre na próxima sexta-feira, dia 3 de maio, na Galeria Municipal da Casa da Cultura, com curadoria de Hieldis Martins e Jacks Ricardo Selistre. Logo a seguir, no dia 6 de maio, teremos a Natureza-morta - Outros Olhares, com obras do Acervo Municipal de Artes de Caxias do Sul (Amarp), na sala de Exposições do Centro de Cultura Ordovás, com curadoria de Ademar Roberto Sebben. No dia 8 de maio, é a vez de conhecermos a seleta de obras dos alunos do Curso de Artes da UCS, no Campus 8, com curadoria de Jacks Ricardo Selistre e Guadalupe Bolzani.
Na semana seguinte, dia 17 de maio, serão exibidas as obras do acervo da Galeria Arte Quadros, com curadoria da colecionadora Vera Vanin. E para encerrar o panorama de arte, com recorte nas obras do gênero natureza-morta, ocorre a Retrospectiva Júlio Andreazza, na inauguração do espaço Colavoro Sanvitto, que deve ocorrer em junho, ainda sem data definida, com curadoria de Elizabeth Fichtner.
Diálogos sobre a natureza morta
Para entender o recorte da principal exposição, que abre na Galeria Municipal, dia 3 de maio, nada melhor do que uma conversa para apresentar essa Natureza-morta em Diálogo:
— Como podemos contextualizar a natureza morta dentro da história da arte?
— A natureza morta é um gênero recorrente na história da arte e foi disseminado por volta do século 17, na Holanda. Este gênero privilegia objetos estáticos como mesas postas, flores e livros — ensina Jacks, doutorando em Artes Visuais pela UFRGS.
— E que 'diálogo' é esse que vocês propõem?
— O nome da exposição é um diálogo com outros gêneros da pintura, porque não quisemos apenas selecionar obras clássicas da natureza morta, mas ampliar o conceito, ao apresentarmos uma obra, como a do Fernando Baril, em que ele pinta um rosto humano, mas que na verdade é um vaso e da "cabeça" saem flores — explica Jacks.
Neste instante, achega-se à mesa, Hieldis Martins:
— Eu já deveria ter me sentado aqui antes, para aprender com vocês — diverte-se.
— Aqui não se trata apenas de apresentar a natureza morta, mas enfatizar a presença do gênero, em meio a outras situações retratadas nas obras, ampliando o conceito desse recorte da arte — defende Jacks.
— Hieldis, e o que leva a senhora e o seu marido a expor obras do acervo particular?
— Se isso aqui tudo ficar entre quatro paredes será uma pena, um desperdício. Isso tudo pertence ao mundo, e não a nós! — diz, entregando com os olhos o gesto da gentileza.
— Em 2018, cerca de 1.500 crianças visitaram a exposição, qual o significado disso para vocês?
— Essa é a parte fundamental para nós, porque se não tivermos o apoio essas crianças deixarão de ter acesso a arte deste nível. Queremos contar com o apoio da prefeitura para expandir o projeto de visitação este ano. Ano passado tivemos um ônibus, mas imagina se pudermos ter dois. Daremos acesso ao dobro de crianças — deseja Hieldis.
— O que vocês esperam que suscite nestas crianças?
— Se não fosse através dessa exposição, muitas dessas crianças não teriam contato com esta arte e acho importante porque é uma forma de instigar o interesse delas por artes plásticas e com certeza vai aumentar a sensibilidade delas para a vida — entende Hieldis.
A mostra Natureza-morta em Diálogo deve contemplar cerca de 20 obras selecionadas por Hieldis Martins e Jacks Ricardo Selistre. Entre os pintores cujas obras estarão à mostra, expoentes importantes da história da arte brasileira, como Cícero Dias (1907-2003), Leopoldo Gotuzzo (1887-1929), Carlos Scliar (1920-2001), Juarez Machado, Volpetiz (1941-2016), Fernando Baril, além de expoentes locais como Jane Toss De Bhoni, Selestino Oliveira e Antonio Giacomin.
Garimpo no Amarp
Mais do que tudo, Ademar Roberto Sebben, é um cara que ama as artes plásticas. Figura conhecida de todos os tipos de exposições que ocorrem em Caxias, seja de artistas consagrados ou iniciantes, Sebben colhe histórias interessantes sobre o seu convívio com pintores como Aldo Malagoli (1906-1994). Mas isso é assunto para um outro dia. Hoje importa dizer que Sebben é o curador responsável da mostra Natureza-morta - Outros Olhares, fruto de um garimpo minucioso, conferindo obra por obra do Acervo Municipal de Artes de Caxias do Sul.
O Amarp, com 15 anos de história, contempla 1.150 obras de artistas que tiveram exposições em espaços públicos de Caxias, além de ter herdado importante acervo da Pinacoteca Aldo Locatelli, criada em 1975.
— Eu me sinto à vontade aqui no Amarp, e conheci tudo, obra por obra, contando com a ajuda dos estagiários que sabem de tudo aqui do acervo — agradece Sebben.
Nesse garimpo artístico, havia dois enfoques objetivos: obras bidimensionais e com referência de natureza morta. Mas ao conversar com Sebben, ficou claro que o espectador não vai encontrar apenas a clássica imagem de um cesto de frutas sobre a mesa.
— Gosto muito da tela "Beijo 2", do Marcos Cleber de Souza Clasen. Apesar de retratar um beijo, como diz o título, o que também se vê na tela são cores distintas e definidas, bem delimitadas criando formas inertes, uma das características observadas em naturezas mortas — explica Sebben.
Outro ponto a se destacar da mostra Natureza-morta - Outros Olhares, são as múltiplas linguagens e técnicas, o que justifica o nome desse recorte sob curadoria de Sebben. As obras, produzidas entre 1976 e 2014, apresentam técnicas como acrílico sobre tela, fotografia, spray, manipulações digitais e foto pinhole, entre outras.
Entre os pintores selecionados há desde uma tela de Lídia Mambrini, um óleo sobre eucatex, registrada como obra número dez do Amarp, fruto do acervo da Pinacoteca Aldo Locatelli. Há ainda, obras de Neuza Zini, Miriam Calcagnotto Garcia, Leonor de Alencastro Guimarães Aguzzoli e Gustavo Gomes, dentre uma seleta de 17 artistas.
Esse recorte chamado de Natureza-morta - Outros Olhares, estará à mostra entre os dias 6 de maio a 9 de junho, na Sala de Exposições do Centro de Cultura Ordovás.
Interferências acadêmicas
Uma outra forma de estabelecer um diálogo mais intenso entre a perspectiva de expor trabalhos de artistas consagrados, como é o caso das obras da Pinacoteca José Antonio e Hieldis Martins, ou de um recorte garimpado no acervo do Amarp, foi a provocação aos alunos do curso de Artes, do Campus 8, da UCS.
Através de um edital, os acadêmicos foram convocados a trabalhar a temática Interferências em Natureza-morta. Esse recorte acaba por ser mais um dos desdobramentos do diálogo a que Jacks Ricardo Selistre tanto fala com relação ao apanhado geral dessas cinco exposições que o grupo Conhecendo Arte está a organizar.
A mostra com as obras dos alunos abre dia 8 de maio, na Sala do Reitor, no Campus 8, com curadoria de Jacks e da professora Guadalupe Bolzani, coordenadora dos cursos de Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais, e do Programa de Linguagens da Arte pela UCS.
Foram selecionados os alunos Evelyn Teixeira Cagliari, Renata Formigheri Pacheco, Ana Carolina Salvi, Juliana Siqueira, Aline Chaves, Luana Lemos, Allef do Prado de Lima e Camila de Souza Cenci.
— Como incentivo, vimos que seria interessante colocar ao lado das obras selecionadas pelo edital, três obras da Pinacoteca José Antonio e Hieldis Martins. Então escolhemos pinturas de Carlos Scliar, Fernando Baril e Volpetiz. É uma ótima oportunidade para eles que são ainda estudantes, expor ao lado destes artistas já renomados — avalia Jacks.
Os critérios adotados para esta seleção deveriam, primeiramente, encaixar-se no escopo do edital, que trata da interferência em natureza-morta e, segundo, análise do potencial estético e conceitual das obras.
— Nosso interesse era perceber a expansão da temática, através da intervenção de vertentes contemporâneas no gênero clássico — argumenta Jacks.
A mostra Interferências em Natureza-morta abre dia 8 e segue até o dia 30 de maio, na Sala da Reitoria, no Campus 8, da UCS.
Para conhecer e colecionar
Na tarde da última terça-feira, a colecionadora de arte Vera Vanin, escolhia as obras que farão parte da mostra sob a temática da natureza-morta, que abre dia 17 de maio, na Galeria Arte Quadros. Entre dezenas de pinturas e gravuras, ela trocava ideias com a proprietária da galeria, Maria Inês Salvador. Mas a escolha final é de Vera, amiga de Hieldis e uma das integrantes do grupo Conhecendo Arte.
— Nunca estudei arte, mas sabe que tenho o 'feeling'? — provoca Vera.
E continua:
— Mas vou te contar, é sempre assim, tudo que eu bato o olho é sempre o mais caro, seja uma bolsa, ou uma obra de arte — diverte-se.
Por falar em preço, todas as obras à mostra na Arte Quadros estarão à venda. Entre os pintores selecionados por Vera, estão obras de Volpetiz, Vitor Senger, Carlos Scliar, Vasco Machado, Fernando Baril e Juarez Machado. Para se ter uma ideia, a pintura mais cara é de Carlos Scliar, no valor de R$ 16 mil. Fernando Baril, um dos pintores bastante representativos da linha surrealista, pode ser comprado por R$ 6 mil. Enquanto que uma obra do pintor Selestino Oliveira, nascido em Canela, custa em torno de R$ 3 mil.
— Eu acho que para as pessoas comprarem, elas tem de conhecer, e para conhecer elas têm de visitar galerias e exposições — defende Vera, enquanto bebe uma xícara de café.
Cerca de 30 obras estarão à mostra na Galeria Arte Quadros, há 46 anos no mercado de artes de Caxias, sendo 21 deles no bairro São Pelegrino.
— É um momento bem delicado para nós, mas estamos lutando para sobreviver — revela Maria Inês Salvador, reconhecendo que ações como essa são vitais para a sustentação do mercado das artes.
Natureza-morta, seleção da colecionadora Vera Vanin abre dia 17 de maio e segue em exposição até 11 de junho, na Galeria Arte Quadros.
Confira as mostras
O quê: Natureza-morta em Diálogo, obras da Pinacoteca José Antonio e Hieldis Martins
Quando: de 3 a 31 de maio
Onde: Galeria Municipal Gerd Bornheim, da Casa da Cultura
Curadoria: Hieldis Martins e Jacks Ricardo Selistre
Escolas podem agendar visitas guiadas pelo telefone (54) 3215-4307
O quê: Natureza-morta - Outros Olhares, obras do Acervo Municipal de Artes de Caxias do Sul (Amarp)
Quando: de 6 de maio a 9 de junho
Onde: Sala de Exposições do Centro de Cultura Ordovás
Curadoria: Ademar Roberto Sebben
O quê: Interferências em Natureza-morta, obras de alunos da UCS
Quando: de 8 a 30 de maio
Onde: Sala do Reitor, do Campus 8 da UCS
Curadoria: Jacks Ricardo Selistre e Guadalupe Bolzani
O quê: Natureza-morta - seleção da colecionadora, com obras do acervo da Galeria Arte Quadros
Quando: de 17 de maio a 11 de junho
Onde: Galeria Arte Quadros
Curadoria: Vera Vanin
O quê: Retrospectiva Júlio Andreazza
Quando: junho (ainda sem data definida)
Onde: Colavoro Sanvitto (Av. Júlio de Castilhos, 1.989 - Caxias)
Curadoria: Elizabeth Fichtner
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