Imagine trabalhar em um lugar em que sua rotina consista em viajar pelo menos quatro vezes ao mês para destinos como Orlando, Fort Lauderdale e Lisboa. Imagine que nessas viagens você fique hospedado em hotéis bem próximo às principais atrações da cidade e, enquanto espera a hora de embarcar de volta, possa conhecer lugares novos, fazer compras ou simplesmente curtir os momentos folga. Agora pense como seria se, nas férias, em razão da profissão que escolheu, você pudesse viajar para qualquer lugar do mundo sem pagar pela passagem. Para completar, o salário pode chegar a R$ 6 mil, dependendo do número de voos realizados no mês.
Seria esse o emprego dos sonhos? Para a caxiense Ana Paula Canalli, 33 anos, sim. Graduada em Psicologia, viu sua vida dar uma guinada de 180 graus em 2011, quando foi demitida da empresa onde trabalhava havia sete anos. Sem saber que rumo tomar profissionalmente, tomou conhecimento da carreira de comissária de bordo durante uma conversa com um amigo, que a incentivou a buscar mais informações. Coincidentemente, na mesma época, uma escola de comissários estava abrindo as portas na cidade e ela decidiu se matricular.
Mas até chegar ao status bacana que mantém hoje, Ana Paula viveu um período de incerteza. Terminado o curso, mudou-se para São Paulo, acreditando que lá conseguiria uma vaga mais rápido. Não foi bem assim. Por necessidades financeiras, voltou a Caxias do Sul e continuou a atuar como psicóloga em uma empresa.
Meses depois, foi contratada pela Azul Linhas Aéreas. Começou fazendo a escala de voos nacionais, por meio da qual teve a oportunidade de conhecer lugares aos quais jamais imaginara que um dia iria.
— Fui para todas as bibocas que tu possa imaginar — diz, citando cidades como Tabatinga e Eirunepé, no Amazonas, entre as mais distantes.
Há dois anos, passou para a escala internacional, na qual atende os passageiros dos voos para Estados Unidos e Portugal. Em média são quatro voos mensais. Com menos partidas semanais, sobra mais tempo livre antes de voltar ao Brasil. Há poucas semanas, por exemplo, conseguiu conciliar a ida a Lisboa com a passagem dos pais pela capital portuguesa. Na próxima, terá quase cinco dias livres em Orlando. Sempre que possível, estica a folga até Miami, a menos de uma hora e meia de distância. Volta e meia encontra algum famoso a bordo. O automobilista Rubinho Barrichello e os cantores Xandy e Carla Perez, são os mais frequentes, já que os três moram em Orlando. Em janeiro, toda a tripulação ganhou convites de Luan Santana para o show do artista também em Orlando.
Mas nem tudo é glamour. Quem vê tantas vantagens como as citadas acima talvez ignore — ou desconheça — as horas sem fim à espera em aeroportos e o trabalho na madrugada. Como Ana Paula precisa estar à disposição da empresa em horários diversos, ela dificilmente consegue ter a vida regrada de quem tem uma jornada com horários de entrada e saída fixos. Tem ainda a concorrência, segundo ela, comparável ao mais difícil dos vestibulares.
Sucesso no Instagram
Com o tempo, as postagens de Ana Paula mostrando seu dia a dia de comissária começaram a chamar a atenção de outros usuários do Instaram. Ao perceber que o número de seguidores no seu perfil @anacanalli, começou a aumentar, ela passou a interagir com a audiência e a postar dicas sobre a profissão. Hoje, são mais de 16 mil seguidores, com quem compartilha fotos e vídeos. Dos fãs mais empenhados, chega a receber presentes, como um anel de R$ 4 mil deixado anonimamente na recepção do hotel onde estava hospedada em Recife. Já ganhou também móveis e eletrodomésticos para o apartamento que está mobiliando em Caxias.
"Me leva na mala contigo!"
Michele Borghetti Furlan perdeu a conta de quantas vezes já ouviu o pedido vindo de quem conhece o trabalho que realiza. Graduada em Moda, consolidou-se no universo fashion da Serra ao atuar no planejamento de editoriais de moda para diversas empresas da região, sejam elas pequenas ou grandes. É dela a responsabilidade de pesquisar e apresentar sugestões de temas e locações aos departamentos de marketing de malharias e confecções e, assim, produzir o material que será utilizado nas campanhas publicitárias que serão divulgados aos consumidores.
Embora preste serviço a diversos segmentos, o trabalho que mais projetou Michele e que provoca, digamos assim, mais "inveja" são os editoriais da Biamar, de Farroupilha. A partir de 2013, a marca optou por internacionalizar suas produções e, desde aquele ano, Michele passou a coordenar as viagens. Na última delas, em novembro do ano passado, a equipe passou 15 dias entre Moscou e São Petersburgo, na Rússia, fotografando o material que está sendo publicado em três revistas ao longo de 2018.
O trabalho de Michele consiste em pensar o que a marca quer comunicar e em montar as equipes que participarão da produção e definir os cenários onde os looks — cerca de 150 por viagem — serão fotografados. Cada equipe conta com cerca de oito profissionais, entre fotógrafo, videomaker, maquiador e modelos.
— Consigo assim juntar duas das minhas paixões, que são a comunicação e a moda — diz ela.
Na Rússia, a equipe fotografou em lugares emblemáticos de ambas as cidades, entre eles o Teatro Bolshoi, em Moscou. Também serviram de locação praças e parques e um apartamento no topo de um edifício, alugado exclusivamente para a produção. Em campanhas anteriores, Michele já coordenou equipes na Itália, na França, na Espanha e nos Estados Unidos.
— O esgotamento físico e emocional por causa de tantas horas de trabalho por dia é tanto que sobra muito pouco tempo para fazer turismo — garante.
135 países e muitas histórias
Pode soar engraçado, mas foi numa viagem a trabalho para a Europa que o caxiense Beto Conte, 55 anos, resolveu abandonar a profissão como engenheiro civil e arquiteto e partir para uma carreira dedicada a viajar pelo mundo. Era 1985 e, pouco depois de concluir a graduação na UCS, partiu para Macedônia e Suíça para atuar na construção de shopping centers. Para fugir do inverno europeu, foi para a Ásia. Na Índia, conta ter tido um insight de que a construção civil não era o seu lugar.
— Me apaixonei por aquele lugar e tirei um ano sabático. Foi determinante para minha vida pessoal e profissional — lembra.
De volta ao Brasil em 1988, trouxe para o Rio Grande do Sul uma loja da STB, que já existia no Brasil desde 1971. Nunca mais parou de viajar. Além das viagens de intercâmbio para estudantes, a STB, que em território gaúcho ganhou passou a ser chamada de STB Trip & Travel, realiza viagens de imersão cultural para grupos fechados de 20 a 30 pessoas com duração de 15 a 20 dias. São os Grand Tours, três vezes ao ano.
O último deles foi para o México e ainda este ano Beto viajará com grupos para a Finlândia, na Europa, e ao Marrocos, na África. Para 2019 já estão agendadas saídas para Antártida, Israel, França e Bali.
Em 30 anos, já foram aproximadamente 50 Grand Tours. De todos, Beto guarda boas e más lembranças, como o cancelamento de voos e mudanças de percurso. Na Islândia, por exemplo, tiveram de alterar o roteiro para escapar de um vulcão em erupção. Na Índia, o grupo quase perdeu um voo porque a companhia aérea estava prestes a falir. Beto também já teve que lidar com problemas de saúde de passageiros.
— Toda essa adrenalina é compensada pela maravilha que viajar nos proporciona culturalmente — avalia ele, que passa cerca de três meses por ano viajando.
Ao todo, Beto já conheceu 135 países.
Lista
Os países preferidos de Beto Conte:
:: Na África: Quênia
:: Nas Américas: Costa Rica
:: Na Ásia: Índia
:: Na Europa: França
:: Na Oceania: Nova Zelândia
Os que ainda quer conhecer:
:: Etiópia
:: Ilhas Galápagos
Nunca mais:
:: El Salvador. Beto não tem boas lembranças do país da América Central, pois foi vítima de um assalto em plena praia.
O importante é ter propósito
— O sonho é individual e cada um idealiza a partir daquilo que gosta. Não necessariamente o emprego dos sonhos é igual para todo mundo — reflete a psicóloga organizacional Ana Cláudia Zampieri.
Integrante da Associação Serrana de Recursos Humanos (ARH Serrana), ela complementa que muitas pessoas associam a ideia de uma profissão "maravilhosa" à sorte, mas se esquecem de que é preciso ter muito envolvimento e dedicação para que isso aconteça.
— As oportunidades surgem para quem é qualificado — afirma.
Outra dica é buscar um propósito para o que se faz, independentemente do status que a profissão proporciona, aconselha a gerente de educação corporativa da Metadados, empresa especializada em fornecimento de soluções para a área de Recursos Humanos.
— Ou seja: dar um significado àquilo que se faz. O que é ser bem-sucedido? É ganhar bastante dinheiro? Ser famoso? Ou deixar algo de útil para a sociedade? _ questiona Andréia.
— As novas gerações lidam melhor com isso, têm um entendimento mais social da profissão. Quando eu identifico um propósito, um porquê de estar no mundo, o emprego dos sonhos se torna mais próximo — acrescenta Ana Cláudia.
DICAS DE LEITURA
:: O velho e o menino. A instigante descoberta do propósito, de Roberto Tranjan (Editora Buzz, 160 págs, R$ 24,90).
:: Além do sucesso. Redefinindo o significado de prosperidade, de Jeffrey L. Gitterman (Editora Clio, 264 págs, R$ 59,90).
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