Em 1943, Hannah Arend, filósofa política de origem judaica, escreveu um texto intitulado "Nós os Refugiados", que mais tarde incorporaria um conjunto de textos nomeados como "Escritos do Exílio". Refletindo sobre as obscuridades que acompanharam o processo de exílio dos judeus alemães na segunda guerra, Arend colocou algumas questões pertinentes sobre a controversa – e eu diria atual – condição humana.
Nas descrições de Arend sobre o doloroso e ambíguo processo de perda, rejeição e busca por uma identidade no exílio, ela aponta dilemas profundos como, por exemplo, aquele do perigo de recorrer à representação de papéis para atender as expectativas dos locais. Essa constatação é acompanhada de uma advertência: "quanto menos livres somos para decidir quem somos ou para viver como gostamos, mais tentamos levantar uma fachada, para esconder fatos e representar papéis". O exílio (do latim exilium) representa uma condição de banimento de um local ou estado original, habitual ou tido como próprio.
Essa peculiar condição – ou sentimento – vivenciada de modo dramático atualmente por centenas de milhares de refugiados no mundo - também poderia ajudar-nos a refletir sobre nossas vivências cotidianas e pequenas de exílios na busca pelo enquadramento em um mundo que pode figurar fragmentado e fluir com mais rapidez do que conseguimos acompanhar. Quem de nós nunca experimentou a estranha sensação de um "incômodo" banimento diante de alguma situação ou local até então familiar?
Talvez, uma das grandes tarefas hodiernas seja a de perseguir essa liberdade de ser e de viver com maior autenticidade. Essa liberdade pode ser muito benéfica na construção de novas solidariedades com aqueles que experienciam o exílio da pátria, mas também para “nós exilados” de uma pós-modernidade que diariamente nos obrigada a configurar pertencimentos. Um impulso de em meio do exílio pós-moderno reencontrar um modo de ser autêntico que nos livre das armadilhas das representações e papéis.
*Frei Jaime Bettega, titular desta coluna, cedeu o espaço para a Irmã Maria do Carmo dos Santos Gonçalves em função do Dia Internacional da Mulher. Maria do Carmo está à frente do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) de Caxias do Sul desde 2010 e é reconhecida pelo trabalho de acolhimento e fortalecimento de migrantes em Caxias.