Existem duas maneiras de entrar para a História: pela porta da frente e pela porta dos fundos. A turma dos defensores do politicamente correto, sempre de prontidão e em guarda, se me ler, virá exigir a apresentação de uma terceira via para minha tese, já de saída. E eu, estudioso que sou do Irrelevantismo, vejo-me apto a fornecê-la, de saída também. Ei-la, então, a pedidos, a terceira via: não entrar para a História de jeito nenhum, que é a opção praticada pela avassaladora maioria das gentes ao longo da mesma História, uma vez que, segundo pesquisas desenvolvidas por colegas estudiosos do Irrelevantismo, descubro que, desde o surgimento do primeiro ser humano sobre a Terra, até hoje, já viveram 108 bilhões de pessoas. Dessas, quantas entraram para a História? Ínfimas, por certo. E ao par dessa infimidade portentosa, sustento haver aquelas duas maneiras de ingressar nas páginas da imortalidade histórica, conforme exposto na primeira frase desta hoje reflexiva crônica de segunda.
Pela porta da frente e pela porta dos fundos, portanto. A título de ilustração, que sei que a madama aprecia as coisas bem ilustradinhas, evoco o exemplo do Guilherme Tell, o arqueiro aquele que entrou para a História flechando uma maçã disposta sobre a cabeça de seu próprio filho, em épocas remotas nas quais barbaridades dessa natureza eram permitidas. Guilherme entrou para a História pela porta da frente, mas temerariamente, uma vez que a flechada partiu ao meio a dita maçã, e não a cabeça oca de seu filho, que concordou em se prestar à brincadeira de gosto duvidoso. Mas e se Guilherme tivesse errado? Se não houvesse treinado o bastante? Quantas maçãs precisou rachar com flechadas antes de levar ao público o show, suficientemente seguro de seu desenlace? E quantas cabeças de sobrinhos, afilhados e garotos da vizinhança pode ter ferido antes de colocar a do próprio filho na alça da mira? Ah, Guilherme, Guilherme, que temeridade... Entrou pela porta da frente, admito, mas que a dos fundos escancarava suas portas para ele, isso escancarava, né, madama? Que temeridade!
Falando em temeridades e ingressos na História pela porta da frente ou pela dos fundos, parece-me haver aqui algum trocadilho pulsando desejoso de vir à tona nessas mal-traçadas de segunda, mas não se me clareia a mente agora. Talvez a madama possa me ajudar. Por enquanto, pensemos nisso: se for para entrar para a História pela porta dos fundos, melhor ficar à sombra de uma árvore tranquilamente degustando uma maçã, a senhora não acha? Aí não haverá nada a temer.