Na sala de reuniões transformada em camarim, o clima é de expectativa enquanto 16 modelos e uma dezena de preparadores dão os últimos retoques nos vestidos e perucas confeccionados especialmente para a ocasião. Estilizados com a técnica de moulage (em que o molde é feito sobre o próprio manequim), os vestidos são oferecidos pelo curso de Design e Moda da UCS. As perucas, elaboradas por cabeleireiros de diferentes salões de beleza, foram criadas com cabelos doados para o Banco de Perucas do Hospital Geral. Tudo para o Desfile das Estrelas, evento em prol do combate ao câncer de mama que lota o restaurante da CIC de Caxias do Sul nesta aprazível noite de quarta-feira, 18.
As modelos são jovens pacientes da Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) do Hospital Geral. Ao escolher mulheres de até 35 anos, as Amigas de Peito e Alma, que organizam o evento, pretendem focar a campanha de conscientização numa faixa que, por não estar no grupo de maior risco de ter câncer de mama, acaba por não fazer o autoexame ou a mamografia, que permitem detectar precocemente o nódulo. Há também a intenção de passar uma mensagem positiva a outras jovens pacientes que sucumbem diante do diagnóstico.
– Passar por um momento difícil não é motivo para achar que a gente não pode estar de bem com a vida. Depois do choque inicial, sempre procurei ver pelo lado bom, que é a bagagem de vida que a gente ganha ao conhecer outras pessoas e aprender um pouco com a experiência de cada uma – comenta a paciente Gabriela Corrêa, 32.
Moradora de Gramado, Gabriela descobriu o câncer em janeiro, ao perceber a retração no bico do seio. Na próxima segunda-feira, fará a última sessão de quimioterapia em Caxias, para depois começar a radioterapia. Enquanto observa no espelho os cabelos ondulados que usará no desfile, conta que, no dia a dia, prefere cobrir a cabeça com lenços.
– Meu cabelo é loiro natural, bem liso e comprido. Sempre foi uma característica minha. Seria muito estranho me enxergar com qualquer outro cabelo – explica.
Engana-se, porém, quem pensa que Gabriela sofre com a falta das madeixas:
– Desde o início sabia que eu ia me adorar careca. Tomar três banhos por dia no inverno, não me preocupar mais com xampus. Tudo traz um lado positivo!
Entre a infinidade de cores dos tecidos transformados em vestidos, Juliana Monteiro, 29, optou pelo rosa, que simboliza a luta contra o câncer de mama e a campanha que ocorre em todo mês de outubro. A batalha de Juliana começou em março deste ano e está na fase de quimioterapia. Ajustando uma vasta cabeleira loira, que diz ser muito parecida com o seu penteado natural, ela conta como a doença transformou o seu modo de encarar a vida:
– Comecei a me importar menos com coisas pequenas e a dar mais valor para o que importa, passando a viver de uma forma mais saudável. E jamais pensei em desistir. A mensagem que vamos passar hoje é que é possível continuar brilhando, mesmo convivendo com a doença.
Presas às últimas dobras dos vestidos, as estrelas se dirigem ao hall de entrada da CIC, onde formarão fila para aguardar sua vez de adentrar a passarela. Na plateia, estão 400 pessoas que pagaram R$ 60 pelo convite. A renda, segundo a oncologista Janaína Brollo, irá custear exames oncogenéticos (que detectam a possibilidade das pacientes terem outro câncer). Em caso de alta probabilidade, elas podem tirar mamas e os ovários para reduzir as chances de desenvolver a doença. A atriz Angelina Jolie tornou-se símbolo da causa ao fazer os procedimentos anos atrás.
– Até 10% dos cânceres são relacionados à hereditariedade. O teste oncogenético é necessário quando há histórico na família ou em pacientes jovens que tiveram a doença, pois irá detectar a predisposição a desenvolver um novo câncer. O risco pode chegar a 90%. Por isso há a indicação de se retirar mamas e ovários, pois reduz muito a chance de aparecer outro câncer.
Sob olhares tão esperançosos quanto os que retribuíam ao desfilar pela passarela, as modelos passaram individualmente e depois retornaram para um desfile coletivo. Ao final, formaram um semicírculo na extremidade da passarela e jogaram para o alto as perucas, apanhando-as na queda. A luta não acaba em outubro. Mas nesta noite de quarta-feira, 16 pequenas batalhas foram vencidas.