"Legenda para quem não ouve, mas se emociona."
Estampada em camisetas, a frase ecoava como um grito no auditório do Centro de Eventos da Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs), em Gramado, na tarde de sábado. Paralelamente à programação do Festival de Cinema, dezenas de jovens e adultos praticamente lotaram o espaço atendendo a um pedido do movimento da Cultura Surda para reivindicar legendas nos cinemas para filmes nacionais e dublados. Um detalhe ainda esquecido na maioria das salas de exibição espalhadas pelo país.
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A ideia de trazer a atividade para Gramado surgiu em 2005. Inspirada em uma iniciativa de Recife, a educadora Carelissa Dall’Alba resolveu aproveitar o burburinho do festival para promover a reflexão de algo tão simples, mas que faz toda a diferença para quem não ouve.
– O surdo gosta muito de ver filmes, mas sem legendas, não consegue compreender quando a produção é brasileira ou dublada. Tem de esperar para ver em DVD (o que significa ver na televisão, ou seja, numa tela pequena), mas não é a mesma coisa – salienta ela, que também é surda.
Carelissa cita como bom exemplo o fato de, desde 2015, uma lei municipal de autoria do vereador Rafael Bueno (PDT) obrigar os cinemas de Caxias do Sul a oferecerem sessões de filmes brasileiros e dublados com legendas em português. Para ela, outras cidades deveriam copiar a medida.
Além de chamar a atenção para a causa, o encontro, que reuniu mais de 350 pessoas de diversas cidades do Estado, teve esquetes de mímica e a exibição de vídeos produzidos por estudantes surdos. Em um deles, alunos da escola Hellen Keller, de Caxias do Sul, falam sobre as dificuldades dos surdos no dia a dia.
– Sempre tinha que chamar meu pai, minha mãe, minha irmã para interpretar os filmes para mim – diz a personagem de um dos vídeos.
Em outro trabalho, os integrantes do projeto Mãos Livres, coordenado pela professora Melânia de Melo Casarin, do Departamento de Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), exibiram vídeos a respeito das lendas da mandioca e da erva-mate interpretados com a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
– Os surdos estão muito aquém do que se constituiu como a herança cultural da humanidade, como as lendas, por exemplo, porque essas histórias não chegam a eles – reflete.
Em setembro, o Mãos Livres deve lançar uma coleção de livros sobre mamíferos brasileiros. Em três volumes ilustrados, acompanhados de DVDs com a interpretação em Libras, os leitores conhecerão mais sobre espécies ameaçadas de extinção.
Ainda durante o encontro de sábado, foi exibido o curta Crisálida, com direção de Serginho Melo e produção e roteiro de Alessandra da Rosa Pinho. Premiada no edital do Fundo Municipal de Cinema de Florianópolis, a produção mostra os desafios enfrentados pelos surdos em uma sociedade "desenhada" para os ouvintes.
– Tem um público carente de informação. Falam que os surdos não vão ao cinema. Mas não vão porque nunca tiveram acesso – afirma o diretor.
Em Caxias
Em salas do GNC e do Cinépolis, dois filmes em cada são oferecidos com legendagem descritiva (que indica, para surdos, ruídos e sons importantes para a construção da narrativa), além de legendas.