A quinta-feira nem bem amanheceu e Adler Antônio Pinto Nunes, 33 anos, já está na lida. A lista de trabalhos a serem cumpridos durante o dia é grande, e não há tempo a perder. Uma rotina que se inicia pouco antes das 7h da manhã e termina somente por volta das 21h30min, quando Nunes e a mulher, Daiane Macedo Hoffmann, 30, encerram a produção de queijos na propriedade localizada no Km 36 da BR-285, em Bom Jesus. Nunes é um dos cerca de 3 mil produtores de queijo artesanal serrano da região, atividade desenvolvida há mais de dois séculos e regulamentada por meio de lei estadual sancionada em janeiro, pelo governador José Ivo Sartori.
A primeira tarefa é a ordenha. Duas vezes ao dia, às 7h e às 18h, o rebanho é conduzido ao estábulo, onde o leite é extraído dos animais em grupos de quatro. Nessa etapa, que leva aproximadamente uma hora e meia, o líquido é obtido de forma mecânica e enviado por meio de mangueiras diretamente à queijaria instalada na sala ao lado.
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Nas duas ordenhas diárias são obtidos cerca de 200 litros. Os animais são da raça Girolanda, resultante do cruzamento entre bovinos de duas raças: a europeia Friesland-Holstein, também conhecida como holandesa, e a zebuína Gir.
– O leite de Girolanda rende mais – explica Nunes.
– Enquanto nas holandesas são necessários de 13 a 14 litros para produzir um quilo de queijo, na Girolanda vão apenas 10. O leite das holandesas é muito magro, não dá um queijo tão bom – diz.
O manejo do rebanho é primordial para a obtenção de um produto de qualidade. Chamadas pelo nome (Formosa, Tigrinha, Estrela, Janeca e Baixinha são alguns deles), as vacas alimentam-se apenas de pasto, plantado em 10 dos 50 hectares, e ração.
Nunes fala com orgulho do ofício que aprendeu observando a avó. É dele que tira o sustento da família, da qual também faz parte a filha Ágata, 10.
Por dia, a Queijaria São Francisco de Assis produz aproximadamente 20 quilos de queijo, vendidos ali mesmo, a R$ 20 o quilo, ou em uma fruteira na área central de Bom Jesus, a R$ 18.
Antes de começar a processar o leite, Daiane prepara um farto e revigorante café, com pão colonial, doces de frutas, bolo e, claro, o produto que eles mesmos fazem. Enquanto come, Nunes revela um detalhe curioso: apesar de produzir queijo "desde que se entende por gente", ele não consome a iguaria que atrai compradores que vão à propriedade especialmente para adquiri-lo. O único leite que ingere é o do tradicional camargo, como é conhecido o café com leite recém-tirado matinal. Outra curiosidade: Nunes tem alergia a tomate, por isso tem a própria plantação, na qual não usa agrotóxicos.
Na queijaria, que recebeu o nome de São Francisco de Assis, quem manda é Daiane. Em uma espécie de panela gigante, o líquido recebe o coalho e repousa por aproximadamente uma hora, até que a parte sólida se separe do líquido. Em seguida, a coalhada é dividida em formas e prensada até que todo o soro esteja drenado. Das prensas, as peças, entre um e três quilos, seguem para as prateleiras, onde ficarão maturando por pelo menos 60 dias até estarem prontas para o consumo. Quanto mais longa for a maturação, mais concentrados serão os sabores e aromas.
Embora tenha capacidade, o casal não planeja aumentar a produção, pois isso implicaria na contratação de funcionários.
– Até 25 quilos por dia temos condições de produzir sozinhos – contabiliza o produtor.
De jeito simples e de fala comedida, ele lembra de quando tinha 13 anos e tentou morar em Caxias com a mãe. Aguentou por seis meses na cidade grande e "não se acertou".
– Tudo aqui é melhor – garante.
Importância a pequenos produtores
A lei que reconhece os municípios que integram os Coredes Campos de Cima da Serra, Hortênsias e Serra como produtores de queijo artesanal serrano determina que o leite utilizado deve ser cru e da própria propriedade em que se situa a queijaria, até o limite de 300 litros por dia, sendo proibida a aquisição de leite de outros locais, mesmo que próximos ao estabelecimento. Quando exceder os 300 litros, o processo torna-se industrial, e o leite tem de ser submetido a um choque térmico para garantir sua sanidade. Nesse caso, passa a ser chamado "colonial", conforme explica Antônio Souza Lopes, 59 anos, presidente da Associação dos Produtores de Queijos Derivados do Leite dos Campos de Cima da Serra (Aprocampos), hoje com 40 associados.
O queijo também deverá ser comercializado somente sob registro ou título de relacionamento, ambos emitidos pelo órgão de controle sanitário do Estado ou por serviço de inspeção municipal. Além disso, deve estar identificado, contendo o número do cadastro, registro e nome do município de origem do estabelecimento.
Morador de Fazenda Rincão Comprido, em Silveira, segundo distrito de São José dos Ausentes, Lopes comemora a regulamentação da atividade, que já se tornou uma espécie de patrimônio da gastronomia regional. Filho de agricultores, aprendeu o ofício com os pais e avós e atualmente produz aproximadamente dois quilos de queijo por dia, que ele vende diretamente na propriedade, além de fornecer a um chef de cozinha de Porto Alegre que periodicamente visita-o para comprar o produto.
– Representa muito para os pequenos produtores, já que antes não eram reconhecidos. Também acredito que vai incentivar que mais produtores se adequem às normas, o que dará mais garantias ao consumidor, que busca cada vez mais saber a origem do que consome.