Quinta-feira pela manhã, minutos depois de ser anunciado o Nobel de Literatura para Bob Dylan, o jornalista e escritor Eduardo Bueno estava eufórico. Coisa de fã obstinado que já seguiu o ídolo pelos quatro cantos do mundo, chegou a esboçar uma biografia do cantor, e traduziu para o português um clássico que representa Dylan e toda uma geração On The Road. De olho na cena mundial, mas reescrevendo a história brasileira em livros que viraram sucesso de público, ele desenvolve muitos projetos ao mesmo tempo. Um deles é no formato de listas, tendo o numeral 101 como referência. Tudo tema para o bate-papo com ele, neste sábado, às 19h, no palco de Feira do Livro.
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Como avalia o Nobel de Literatura para Bob Dylan, teu ídolo?
Eduardo Bueno: Nunca imaginei que ia viver o suficiente e longamente para isso. Isso tem mais duas leituras. Óbvio que é honroso, espetacular, maravilhoso e que todo fã se sente ele próprio homenageado. Mas tem o outro lado que, pô, o cara sempre foi rebelde, mas há anos está sendo cooptado. Demorou um tempão, ele ganhou um Grammy em 1973! Ridículo! Ele já tinha 18 anos de carreira. Depois, ele ganhou um Oscar, com Things Have Changed, que é a música com que ele está abrindo sua turnê atualmente. Essas são chancelas do, para usar uma palavra ridícula e antiga, sistema. Então tu ficas pensando: é merecido? Tem um lado que sim, é evidente. Por outro lado, é literatura? Ele próprio sempre disse que não era poeta, que era letrista. Mas tem os caras que ele amava que nunca ganharam, como Henry Miller, Allen Ginsberg, o poeta que é uma das grandes referências da vida dele, de quem ele foi muito amigo. E ele ganha!? Tem um lado estranho nisso. O legal seria ele negar (risos), que é coisa que não vai acontecer. Ele mudou, é um senhor de 75 anos de idade. Tem esse lado que é lindo. Mas os verdadeiros fãs sabem que ele é um Nobel não só da literatura, mas das sétimas artes todas, inclusive do balé.
Você está preparando um romance e relançando os livros sobre história do Brasil?
Carioca, o romance, está com um problema judicial, pois eu quis trocar de editora e a editora anterior que eu tinha, a Leya, não aceitou. Então está rolando um processo na Justiça. Está parado, mas vou escrever certo. A coleção, que tinha o nome de Terra Brasilis, agora tem o nome de Brasilis e estão saindo os quatro primeiros volumes numa caixa da Sextante (Viagem do Descobrimento, Náufragos, Traficantes e Degredados, Capitães do Brasil, e A Coroa, a Cruz e a Espada). Agora é melhor comprar os quatro livros juntos, é muito mais acessível do que eles separados. Como essa coleção foi relançada, o outro livro está com este problema jurídico, resolvi fazer o quinto volume, França Tropical. Carioca fala da ocupação pelos franceses daquela ilha onde é o Aeroporto Santos Dumont, no Rio. Nem dá para falar de invasão, pois os franceses não reconheciam o Tratado de Tordesilhas e, por isso, para eles, o Brasil era um território português. E eles tinham uma ligação muito intensa, muito antiga, com os índios do Rio de Janeiro. Os portugueses eram aliados dos tupiniquins, de São Paulo, e os tamoios, do Rio de Janeiro, eram inimigos dos tupiniquins e viraram inimigos dos portugueses por tabela. Os franceses fizeram aliança com os tamoios, se instalando naquela ilha. Ficaram 10 anos lá, quando foram expulsos pelos portugueses, que fundaram então a cidade do Rio de Janeiro. É uma história que foi contada muitas vezes, mas não pela ótica que vou contar, que é pela ótica da rivalidade entre os índios do Rio e São Paulo. Então, essa história da rivalidade entre Rio e São Paulo vem de muito antes da chegada do branco nesses lugares. Como os portugueses derrotaram os franceses e os tamoios, é nesse contexto que surgem as duas cidades. Então, o livro (França Tropical) foca o surgimento das duas principais cidades do Brasil. E isso tudo faz parte também do meu romance.
Como avalia o boom de seus livros de história?
É muito legal. Eu gosto dos meus livros e sinto muito orgulho de ter ajudado a propagar o interesse pela história do Brasil. No meu caso particular, na história colonial do Brasil. Muito das mazelas do Brasil hoje, como a corrupção, tem origem lá no começo. A Coroa, a Cruz e a Espada, foco da minha conversa aí em Caxias, fala das corrupção e do judiciário do Brasil. E se a gente não foi capaz de resolver isso ainda, a culpa não é deles. A gente tem a mania de falar que a culpa é dos políticos. Não, a culpa é nossa que não exercemos a nossa cidadania, fazendo a nossa história. Cada país tem o que merece. O Brasil tem até mais do que merece. Poderia ser até pior.
Acredita na permanência de On The Road por gerações?
Achei legal que o filme acabou sendo feito por um brasileiro. Depois de cinco diretores terem desistido, o filme foi feito pelo meu amigo Walter Salles. Eu adoro o filme. A tocha vai sendo passada de geração em geração. Sempre teve uma geração com um flerte com a rebeldia, com a contestação. E isso tem a ver com Bob Dylan ganhando o Nobel, com determinados sonhos meio hippies. Alguns entram nessa aos 18, 25 anos, e outros chegam aos 70 assim. Estou editando dois livros, um com o Nelson Motta e outro com o Fernando Gabeira, e esses caras são assim. Os dois têm um pique, acordam às seis da manhã. Às 9h já estão a mil... Tem gente que é capturado por essa vibe e fica nela. Tipo eu, que já estou com 60. Por isso é bom que On The Road existe, que o Bob Dylan ganhe o Nobel... E que você me entrevista neste dia, cara!
Dá para ter uma ideia de quantos e quais outros projetos editoriais você está tocando?
O livro do Nelson Motta saiu nesta semana, 101 Canções Que Tocaram o Brasil, estou reeditando O Que Isso Companheiro?, do Gabeira. Estou dirigindo uma coleção chamada 101, daquelas de listas. Mas as minhas listas são melhores do que a dos outros (risos). Já saiu 101 Brasileiros Que Fizeram História, do Jorge Caldeira. O segundo volume é do Nelson Motta, que vai de Abre Alas, da Chiquinha Gonzaga, a Em Busca da Batida Perfeita, do Marcelo D2. Depois vem 101 Atrações de TV que Sintonizaram o Brasil, da Patricia Kogut, daí vem o meu, 101 Lugares Onde o Brasil Mudou. Aliás, esse periga sair antes do França Tropical. Estou fazendo os dois ao mesmo tempo. Estou dirigindo um projeto na editora Sextante, que se chama Estação Brasil. É um selo no qual a gente vai reeditar Mauá, do Jorge Caldeira, O Que é Isso Companheiro? e vários clássicos que precisam trocar de casa para ganhar uma nova roupagem.