Siliane Vieira
Adelia Sampaio batiza o cineclube que Caxias do Sul e Porto Alegre passam a receber, mensalmente, a partir deste fim de semana. O nome homenageia a primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil e reverbera o protagonismo tantas vezes velado por preconceito racial e de gênero. Com consentimento da cineasta, que hoje tem 72 anos, o cineclube nasce com a vontade de exibir e discutir a filmografia produzida e protagonizada por pessoas negras. E a primeira edição, que chega a Caxias neste sábado (veja programação abaixo), é ainda mais "Adelia" justamente por carregar a temática do empoderamento feminino negro.
– Adelia Sampaio é pouco lembrada pela maioria, isso é uma práxis. O tempo inteiro a gente reforça a importância das mulheres negras, das criadoras negras, queria que não precisasse mais reforçar assim, mas estamos reivindicando nossos direitos, lutando contra um sistema que insiste em colocar a população negra no porão da sociedade – comenta Monique Rocco, carioca que mora em Caxias e é uma das organizadoras da programação deste sábado à frente do coletivo recém-criado Criadoras Negras RS.
A partir das 15h, a Sala de Cinema Ulysses Geremia exibe os curtas KBELA e Elekô, que investigam a representação da mulher negra de forma poética e ancestral. Ambas produções têm equipe e elenco formado majoritariamente por mulheres.
– O KBELA nasce a partir da experiência da diretora Yasmin Thayná com o próprio cabelo. Com um padrão de beleza pautado pelo racismo, a mulher negra sofre muita violência. O filme é como um catalisador de memórias, de ancestralidade, ele é potência, traz a dor de ser, mas também ressignifica esse lugar – comenta Monique, que foi uma das diretoras de produção do filme, lançado em 2015.
Monique também esteve na produção coletiva de Elekô especialmente para o festival 72HorasRio, que recebe filmes feitos em três dias. O coletivo carioca Mulheres de Pedra foi o responsável pelo trabalho e seis integrantes do grupo estarão em Caxias para trocar ideias sobre o filme e participar de um sarau.
– O Mulheres de Pedra é um espaço muito afetivo, levamos essa força para o filme. Costumamos dizer que transbordamos nossos processos dolorosos em arte – explica Monique.
Além das sessões seguidas de debate, a programação terá apresentações musicais e de dança, feirinha de economia solidária e exposições de trabalhos de literatura e artes plásticas. Um dia inteiro, porém, ainda é pouco para rever todas as reivindicações urgentes dentro do chamado feminismo negro.
– Ser mulher negra no Brasil é uma condição de asfixia social, com base nisso temos muitas pautas. As questões raciais têm suas especificidades que muitas vezes não são discutidas dentro do movimento feminista. É uma tripla opressão que envolve machismo, racismo e o preconceito pela classe social. Tudo isso abala diretamente nossa autoestima e impõe barreiras no nosso espaço de poder, permitindo que a mulher negra possa brilhar somente nas passarelas de bailes de carnaval, não no dia a dia. Eu estar morando em Caxias muito tem a ver com essa militância e a vontade de travar debates sérios sobre o racismo por aqui – reflete Monique, que planeja fazer um filme sobre mulheres negras de Caxias.