Em seus primeiros movimentos, Negócio das Arábias ameaça seguir pelo pedregoso caminho da comédia que busca graça no choque do americano que tem os Estados Unidos como o centro do universo e uma cultura que lhe é estranha. O resultado desse tipo de filme quase sempre desanda no reforço de estereótipos e destila preconceito e grosseria.
Negócio das Arábias, porém, tem uma boa matriz: o romance Um holograma para o rei (título original do filme em inglês), de Dave Eggers, lançado em 2012 e publicado em 2015 no Brasil. Nele, o autor americano reflete os efeitos da recente crise econômica global na desesperada aventura de Alan Clay, executivo que encara a queda livre após a falência de sua empresa, o beligerante fim do casamento e a pressão para manter em pé ao menos a faculdade da filha. Um humor amargo conduz a jornada do protagonista, lançado para dar sua última cartada bem longe de casa.
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É com a faca no pescoço que Alan, vivido por Tom Hanks, desembarca na próspera Arábia Saudita para tentar vender ao rei daquele país um sistema de videoconferência por projeção holográfica. As chances de sucesso parecem bastante boas naquele cenário de abundância financeira e expansão imobiliária, onde metrópoles futuristas são erguidas em pleno deserto.
Quem dirige Negócio das Arábias é o alemão Tom Tykwer, projetado com Corra, Lola, corra (1998) e que já assinou de dramas densos, como Triângulo amoroso (2010), a superproduções que fizeram água, caso de A viagem (2012), realizado com as agora irmãs Wachowski, Lana e Lilly – com elas trabalhou também no seriado Sense8.
Na adaptação que fez para o texto de Eggers, Tykwer preservou o tom de desencanto que acompanha Alan em sua jornada de esperada redenção. O diretor até faz concessões a clichês que acompanham esse tipo de narrativa, ilustrados na figura do falastrão motorista e guia do estrangeiro (papel de Alexander Black). Arrisca ainda algumas gags próximas do nonsense e do pastelão. Mas se sai bem abordando temas como a convivência entre a ancestral tradição árabe e a moderna ostentação de produtos de luxo ocidentais, a função reguladora da religião, o tratamento que os sauditas dão aos imigrantes que lhe batem às portas e o papel da mulher naquela sociedade patriarcal.
Este último tema é representado pela médica Zahra (Sarita Choudhury), que após ajudar Alan a tirar um simbólico peso das costas, apontará a ele a oportunidade de reconexão afetiva.
Negócio das Arábias é muito devedor à performance de Tom Hanks, ator com estofo e carisma que transbordam na tela. Ele faz de Alan um personagem cativante, com quem é possível se identificar na exasperada busca por uma segunda chance. Alan cumpre uma gincana melancólica e também divertida para se reerguer, com destaque para o seu titubeante, delicado e caloroso rito de aproximação com Zahra.
Hanks brilha em qualquer registro e serve de apelo para que Negócio das Arábias não seja mais um interessante filme a passar batido no circuito dominado por blockbusters juvenis.