Era a noite de 7 de janeiro de 2018, um domingo, quando visitei dona Aracilda da Costa Lima Piazza pela primeira vez. Nem eu e nem ela sabíamos ainda, mas Dona Araci, como costumava ser chamada, seria uma das principais fontes para a matéria que buscava resgatar a história de sua irmã Anoema da Costa Lima - a vítima esquecida da explosão da Metalúrgica Gazola, ocorrida em 22 de julho de 1943.
Deparei com uma senhora extremamente simpática, que ajudou a recordar do triste episódio que abalou a família e a cidade 75 anos antes, durante a Segunda Guerra Mundial. Intercalando café, sorrisos e algumas lágrimas, dona Araci confirmou dados, revelou detalhes e acrescentou diversas outras informações que enriqueceram a reportagem publicada por este colunista dali a uma semana, em 14 de janeiro - mesma data em que a irmã morreu, em 1945, após quase dois anos sofrendo com os ferimentos da explosão.
Reproduzimos aqui parte daquele material:
Nascida em 1929, dona Aracilda tinha 14 anos quando a fábrica explodiu. Morava com os pais e irmãos em uma chácara na esquina das ruas Vinte de Setembro e Humberto de Campos, próximo ao Parque da Imprensa. Lembra que, após ouvirem o estrondo naquela manhã, os pais correram até a então recém-inaugurada BR-116 para saber de Anoema. A filha, porém, só foi identificada no Hospital Pompéia. A mãe, Maria Rita, reconheceu-a por um pedaço do casaco: o rosto estava tomado de fuligem e queimaduras.
– Rasparam a cabeça por causa dos ferimentos, daí ela passou a usar uma espécie de turbante. Os médicos tiravam os pedacinhos (estilhaços de ferro) da cabeça dela um por um – conta.
Dona Aracilda recebeu a reportagem na companhia dos filhos Luiz Eduardo Lima Piazza, Regina Lima Piazza e Elizete Piazza Adami. Todos, em algum momento da vida, ouviram da mãe a história da tia morta na explosão da Gazola. E alguns detalhes lembrados por dona Aracilda no último domingo jogaram ainda mais luzes sobre a saga de Anoema.
Toda essa história ressurgiu no final de agosto, mais precisamente no dia 25, quando dona Araci faleceu, aos 91 anos. Assim como ela auxiliou a resgatar a trajetória da irmã, nesta quinta, dois anos e meio depois, resgatamos também uma parte de sua história.
Na foto abaixo, Aracilda com a família na chácara dos bugres, próximo ao Parque da Imprensa, no fim dos anos 1940. Da esquerda para a direita, os irmãos Jovelina Bueno e Agenior, Luiz Vicente Piazza, Araci, o pai Archemimo, Raquel, Ary, Alzira Schiavo e Bortolo Schiavo. Embaixo, Mário Bueno e um homem não identificado.
A família
Fiquei sabendo da morte de dona Araci pelo neto Guilherme Piazza, que homenageou a avó com uma emocionante postagem no Facebook. Foi Guilherme, juntamente com seus familiares, que forneceu as fotos e informações para esta página.
Nascida em 27 de maio de 1929, em São Francisco de Paula, dona Araci era a mais velha de uma prole de nove irmãos, formada por Alzira, Anoema, Jovelina, Agenior, Anoyr, Adayl, Nilza e Ary. Filha de Archemimo Ribeiro de Lima e Maria Rita da Costa Lima, a jovem migrou para Caxias do Sul quando os pais passaram a residir na antiga Chácara dos Bugres - era a época em que seu Archemimo atuava na antiga Estação Experimental de Viticultura e Enologia.
Localizada nas proximidades do Parque da Imprensa, a chácara foi moradia da jovem até seu casamento com Luiz Vicente Piazza, nos anos 1950. Inicialmente, a família morou na Rua Ernesto Alves, no Burgo. Posteriormente, os Piazza residiram na Rua Vinte de Setembro, no mesmo bairro, e nas ruas Luiz Michelon e Antonio Broilo, ambas no Cruzeiro.
Viúva desde 1994 de seu Luiz - metalúrgico atuante na Maesa por 35 anos -, dona Araci deixou, além dos filhos Regina, Luiz Eduardo, Marlene, Elisete e Heloísa, os netos Andréa, Cecília, Adriane, Renata, Thaís, Juliana, Guilherme, Felipe e Laura.
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Em livro
Em 2018, dona Araci - acompanhada das irmãs Jovelina Bueno e Alzira Schiavo, e de vários familiares - compareceu à cerimônia que recordou dos 75 anos da explosão da Gazola, no antigo complexo fabril da BR-116. Na ocasião, houve o descerramento de uma placa extra com o nome da irmã Anoema, junto ao obelisco que homenageia as demais jovens mortas em 1943.
A partir da matéria de 2018 e dessa reparação histórica, a trajetória de Anoema impulsionou ainda o romance ficcional Anoema - A História não Esquece, de autoria da escritora Tania Scuro Mendes. E do qual, logicamente, dona Araci é uma das personagens.
O lançamento presencial teve de ser adiado em função da pandemia, devendo ocorrer em data a ser definida, na Livraria Do Arco da Velha.
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