O ano de 2019 marca o centenário de um dos comércios mais tradicionais de Caxias do Sul: o Bazar e Ferragem Andreazza, fundado em 1919 por Luiz Andreazza (1893-1980) e funcionando até hoje no mesmo ponto, na esquina das ruas Pinheiro Machado e Moreira César, em São Pelegrino.
O endereço é o mesmo, mas a paisagem mudou bastante. Em especial quando o estabelecimento sofreu seu principal revés: o incêndio de 29 de janeiro de 1948, que consumiu a antiga casa de madeira da família e parte da nova edificação em alvenaria. Matéria de capa do jornal "O Momento" de 31 de janeiro daquele ano destacou o episódio:
"Violento incêndio, irrompido na madrugada de quinta-feira, destruiu o velho edifício de madeira e parte do novo edifício de alvenaria em que se achava instalada a importante casa comercial do sr. Luiz Andreazza, uma das mais antigas lojas desta cidade e que era também uma das mais bem sortidas. O corpo de bombeiros acidiu ao primeiro chamado e trabalhou com denodo, mas, dadas as proporções das labaredas, todos os esforços para abafá-las se tornaram inúteis. Não obstante, o fogo foi impedido de propagar-se aos prédios vizinhos e muita mercadoria foi salva."
O texto também citava algumas cifras:
"Os prejuízos do sr. Luiz Andreazza são avultados, uma vez que os prédios estavam seguros contra fogo por 400 mil cruzeiros, e o valor dos prédios e mercadorias sobe a mais de 2 milhões de cruzeiros. O dr. Nazario Leitão dos Santos, que foi das primeiras autoridades a comparecer, dirigiu os serviços de salvamento e abriu inquérito para apurar as causas do incêndio".
Na foto acima, a antiga "Loja de Luiz Andreazza em 1919", eternizada pelo artista plástico e joalheiro Júlio César Andreazza (1928-2014) , um dos quatro filhos do casal de fundadores – irmão de Ely, David e Têmis. O desenho decora o escritório do mezanino, onde diversas outras reportagens e certificados enaltecem o pioneirismo da família. Exatamente na mesma esquina onde tudo começou.
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Bodas de ouro
A reportagem de 1948 do jornal O Momento encerrava destacando a solidariedade do então prefeito Luciano Corsetti e a atuação do padre Eugênio Giordani, pároco de São Pelegrino. Foi ele o responsável por comunicar o incêndio ao tenente do antigo 9º Batalhão de Caçadores (quartel), coronel Jerônimo Rodrigues, e ao inspetor de Polícia, sr. Acosta, além de prestar auxílio à família.
Não por acaso, Giordani era um dos assíduos frequentadores da famosa adega subterrânea dos Andreazza, tendo celebrado a missa e abençoado os vinhos abertos durante as bodas de ouro de Luiz Andreazza e da esposa Anaide Chiaradia, em 1970 (foto abaixo).
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Dinheiro nos cofres
O sinistro de 1948 deu fim também ao dinheiro dos agricultores, que tinham na loja uma espécie de instituição financeira, onde os valores eram aplicados a juros. Conforme as lembranças da família, as somas estavam guardadas nos cofres, mas não escaparam de serem consumidas pelo fogo.
Os Andreazza precisaram, então, abrir mão das filiais abertas em Vila Oliva e Vacaria e de parte do patrimônio próprio. Tudo para sanar as dívidas e manter o nome já consagrado na praça – principalmente entre os consumidores da zona rural.
Nas reproduções abaixo, o incêndio destacado no jornal "O Momento" em 1948.
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Um boi dentro da loja
Em depoimento ao Banco de Memória do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami em 1990, Anaide Chiaradia Andreazza, esposa do comerciante Luiz Andreazza e nascida em 26 de outubro de 1900, recordou do comércio da família.
Principalmente nos primórdios do século 20, quando o pó, o barro e os cavalos e bois ainda dominavam as ruas de boa parte da cidade.
"Os tropeiros vinham dos Campos de Cima da Serra e traziam queijo, açúcar mascavo, cachaça, charque. Nós comprávamos os produtos deles e eles levavam o açúcar, o sal, o arroz, a farinha… E tinham aqueles que traziam as boiadas para os matadouros. Vinham da Estrada Conselheiro Dantas e passavam na Pinheiro Machado. Nós tínhamos que fechar todas as portas. Um dia entrou um boi na loja. Foi aquela correria pro boi não derrubar a exposição dos tecidos que tinha e as louças... E pra segurar o boi foi um transtorno dentro da loja. Afinal de contas, se conseguiu botar pra rua e se fechou a porta até eles passarem".
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