Menos de uma semana após sediar a terceira edição do evento Uma Noite no Arquivo, que busca aproximar a comunidade caxiense do local que abriga a maior parte de sua história, o centenário prédio da Avenida Júlio de Castilhos teve as paredes pichadas. Foi entre a noite de quinta-feira e a madrugada de sexta, feriado de Sete de Setembro. A maior parte dos símbolos atingiu a fachada — a lateral, na Rua Humberto de Campos, também recebeu pichação, mas em menor grau.
— Ficamos tristes e revoltados. A gente percebe que não só aqui, mas no país como um todo, as pessoas não dão valor ao que é cultural — lamenta a gerente do Arquivo, Neisi Coelho Zorzi, que levará a demanda à Secretaria Municipal da Cultura para avaliar a forma de remoção da tinta.
A pichação soma-se a uma série de ataques registrados ao Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami este ano. Nos primeiros meses, conforme Neisi, foram furtadas as calhas do prédio. Em maio, um furto de cabos de telefonia e fibra óptica deixou o prédio 10 dias sem internet e telefone, prejudicando o acesso ao acervo digital. Mais recentemente, no final de agosto, três fechaduras das portas localizadas no térreo foram levadas pelos criminosos.
* Com a colaboração de Alana Fernandes.
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Falta de monitoramento fixo
Além de causar indignação e revolta, todos esses ataques expõem a fragilidade do prédio, surgido por volta de 1905 e tombado pelo Patrimônio Histórico do Município em 2002. Não existem câmeras de monitoramento no local nem guarda fixa. A única segurança são o alarme e as rondas que a Guarda Municipal faz em horários alternados. Uma realidade que não condiz com a importância da edificação, a riqueza do acervo e tudo o que ele representa para a cidade e para pesquisadores e profissionais da área.
O acervo é dividido em setores: arquivo público (com relatórios das antigas colônias, intendências e administrações), arquivos particulares, biblioteca de apoio à pesquisa (com diversas obras raras), hemeroteca, banco de memória oral e fototeca. O setor de fototeca dispõe de aproximadamente 1 milhão de documentos fotográficos, que registram a história da cidade desde os primórdios da imigração, em 1875. São negativos em vidro, flexíveis e positivos, originários de doações de famílias, antigos fotógrafos e aquisições, como o do acervo do antigo Studio Geremia, salvaguardado pela instituição desde 2002.
Entre tantas imagens históricas, várias do próprio prédio e sua evolução, conforme vemos na sequência abaixo.
Opinião
"O Arquivo Histórico de Caxias tem uma trajetória linda, marcada pela luta pela preservação do seu rico patrimônio. Sempre lutou contra os vandalismos, tanto dos gestores públicos que pouco ou nada sabem da sua importância (a maioria deles nunca foi fazer uma visita) quanto pela ausência total de políticas públicas voltadas para a conservação e proteção do acervo. Esse é o pior vandalismo, que nunca ganha notoriedade pela imprensa.
Hoje, o Arquivo é referência nacional devido ao trabalho competente do corpo de funcionários, que volta e meia perde alguns de seus membros pelo completo desconhecimento dos gestores públicos de como e quanto custa formar um quadro especializado. As pichações são reflexo da atual conjuntura em que vivemos.
Trágico? sim, mas o grupo que trabalha no Arquivo Histórico Municipal já enfrentou e continuará enfrentando outros tantos vandalismos administrativos que são bem mais difíceis de combater. Não desanimem! Vocês enfrentam um leão por dia para manter este rico acervo. Poderia ser mais fácil, mas aí precisaríamos de uma classe política diferente, bem diferente..."
Maria Beatriz Pinheiro Machado, historiadora e diretora do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami entre 1998 e 2004
Nota do colunista: a prefeitura, por meio da Secretaria Municipal da Cultura, não emitiu sequer um comunicado oficial sobre o ocorrido no site www.caxias.rs.gov.br.
Pichação e bens tombados
Conforme a Lei Complementar 377, de 2010, "é proibida a pichação de muros e paredes, monumentos ou prédios e de bens públicos ou qualquer bem que venha a afetar a estética urbana, sujeitando-se o infrator, ou seu responsável, às penalidades da lei. Aplicar-se-á em dobro a multa administrativa se o bem atingido for tombado.
Datada de 13 de dezembro de 2010, essa lei teve substitutivo proposto pelo vereador Paulo Périco (MDB) aprovado na Câmara de Vereadores em 12 de junho último. As alterações incidiram nos artigos 182, 183 e 185 do Código de Posturas do Município. Com isso, foi ampliado o valor das multas e excluído das punições a arte do grafite.
Foi aprovado que a multa por pichação saía de 10 valores de referência municipal (VRM, hoje em R$ 32,18) para 150 (o equivalente a R$ 4.827,00). A matéria dispõe que, se o ato for realizado em monumento ou bem tombado, a multa será de 300 VRM (R$ 9.654,00), além do ressarcimento das despesas de restauração do bem pichado.
O surgimento
O Arquivo Histórico Municipal surgiu em 5 de agosto de 1976, atrelado à antiga Secretaria da Educação e Cultura e ao Museu Municipal. Por 20 anos, funcionou no prédio dos fundos do Museu Municipal, na Rua Visconde de Pelotas.
A mudança para o prédio da antiga Casa de Negócios de Vicente Rovea — e posteriormente do Hospital Carbone — deu-se em 1996. Já o prédio todo reformado e em pleno funcionamento foi entregue à comunidade em 1999.
Apesar de o letreiro da fachada identificar Negocio de Vicente Rovea – Cia Fundado no Anno 1890, data de surgimento do comércio em uma modesta casa de madeira, o prédio em alvenaria só foi erguido por volta de 1905.
Agende-se
Em tempo, nesta quarta-feira, dia 12, ocorre o VIII Colóquio no Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami, às 19h30min. A abordagem "Os tropeiros e a Rua Grande" será conduzido pelo escritor e pesquisador Luiz Antônio Alves. O encontro marca a continuidade do projeto "O outro lado da Júlio", de Roberto Filippini.
A entrada é franca. Mais informações pelo telefone (54) 3218.6114 ou pela página do Arquivo Histórico Municipal no Facebook.
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