"Caxias do Sul até bem pouco ressentia-se da falta de um confortável e moderno hotel, onde pudessem se hospedar os forasteiros e as autoridades que visitam a cidade". Com essa breve introdução, o jornalista Duminiense Paranhos Antunes descrevia a chegada do Caxias Hotel, no início de 1946.
Irmãos Paranhos Antunes visitam Caxias do Sul em 1952
Conforme Antunes, o novo espaço, que "rivalizaria com os melhores da capital do Estado", tinha como sócios proprietários os empresários Dino Felisberto Cia, Carlos Leonardelli, Luiz Bertola e Guerino Isidoro Calcagnotto. Graças principalmente à gestão de Dino Cia, o majestoso espaço situado à Rua Vinte de Setembro (atual Hospital Saúde) logo se consagraria como um centro de atração de turistas do Estado e do país.
Naqueles tempos do pós-guerra, luxo mesmo era oferecer 25 apartamentos privativos, com banheiros, além de 20 quartos, todos com água corrente. Já o amplo salão de refeições, com 300 metros quadrados, trazia, entre outras novidades, iluminação direta, soalho de parquet e luz fluorescente, além de ser atendido por "pessoal competente e especializado".
Turbinado pela fama de sua cozinha - responsável por iguarias clássicas como o ravióli de espinafre, manteiga e sálvia, o frango recheado com manjerona, a maionese de galinha, os bifes à milanesa e a lendária sopa de aspargos-, o hotel foi destino de hóspedes ilustres entre os anos de 1947 e 1954. Pelas mesas do restaurante passaram nomes como o governador do Estado Walter Jobim, o então candidato a presidência da República pela União Democrática Nacional em 1950, Brigadeiro Eduardo Gomes (derrotado por Getúlio Vargas), o estadista gaúcho Osvaldo Aranha, os políticos Pedro Marques Vianna e Luiz Compagnoni, e os empresários caxienses Humberto Bassanesi e Américo Ribeiro Mendes.
Profissionais liberais também fizeram do hotel moradia temporária a partir da segunda metade dos anos 1940. Foi o caso do médico Augusto Caetano Sartori, falecido em julho do ano passado, um mês após completar 100 anos. Na imagem maior acima, vemos o jovem Sartori (segundo sentado, à esquerda) em 1947, juntamente com a esposa Heleda e a recém-nascida filha Regina Sartori Bellini (no colo), durante um almoço. Abaixo, Sartori e um grupo de amigos no salão principal, também por volta de 1947.
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Encerramento das atividades em 1954
O fechamento do hotel coincidiu com a noite em que o presidente Getúlio Vargas suicidou-se, no Rio de Janeiro. Conforme detalhado por Alvino Brugalli, autor do livro Vocação para Hospedar - Trajetória de um Hospital/ Hotel/ Hospital, "na noite de 24 para 25 de agosto de 1954, as Irmãs de São José, compradoras do estabelecimento, chegaram com as malas contendo o dinheiro da transação. Reunidos, vendedores e novos proprietários ainda contavam o dinheiro quando o Repórter Esso, na voz inconfundível de Heron Domingues, começou a narrar, para um Brasil atônito, a morte de Vargas".
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Após o encerramento das atividades hoteleiras, o espaço voltou à sua vocação original de estabelecimento de saúde - o prédio sediou o pioneiro Hospital Santo Antonio, a partir de 1934 (leia mais no link abaixo). Depois de abrigar a Escola de Enfermagem Madre Justina Inês, a partir de 1957, o local consolidou-se como o atual Hospital Saúde - cujas atividades iniciaram-se oficialmente em 1974.
Hospital Saúde: um prédio com vocação para hospedar (e ensinar)
Hóspedes platinos
Enquanto sediou o Consulado do Uruguai, o Caxias Hotel foi o grande hospedeiro dos turistas vizinhos que rumavam à Serra. Todos os anos, durante a Semana Santa - que no Uruguai era um legítimo feriadão de segunda a domingo -, Caxias se via tomada pelos irmãos platinos.
Colaboração
Informações e fotos desta coluna são uma colaboração da leitora Flavia Bellini (neta de Augusto Sartori), Américo Ribeiro Mendes Netto e Alvino Brugalli (in memoriam), autor de um livro sobre a história do prédio.