Um recorte da trajetória de Ercília Moreira dos Santos ganhou ampla repercussão no final de semana. Passados quase 50 anos, a antiga fotografia em que ela, uma doméstica negra, posava com o filho do patrão, um menino branco e loiro, para uma das famosas e inovadoras vitrines do Varejo do Eberle, em 1968, também despertou uma série de lembranças entre seus descendentes.
Dona Ercília: um Dia das Mães multicor em 1968
Se a reportagem de sábado ficou incompleta por não conseguirmos localizar parentes, com a publicação toda essa emocionante história ganhou novos contornos. A partir do contato dos netos, descobriu-se, por exemplo, que a foto com o menino Vicente Arioli, filho do gerente Enio Arioli, não teria sido a primeira a estampar a vitrine da Rua Sinimbu.
Cerca de dois anos antes, em 1966, dona Ercília já havia posado para as lentes do fotógrafo Lydio Provin, desta vez com o neto Evandro Machado da Silva no colo. Teria sido uma espécie de "teste" do gerente Enio Arioli, que, em 1968, inovaria a vitrine do Dia das Mães com uma nova imagem, agora mesclando as duas raças.
– Por anos, esse pôster da vó Ercília com o neto Evandro serviu para decorar as vitrines do varejo. Também tínhamos essa outra fotografia, com ela segurando o filho do seu Enio, mas acabou se extraviando – recorda o neto Claiton Machado da Silva, 48 anos, irmão de Evandro.
O enorme painel de dona Ercília permanece com os descendentes até hoje (foto abaixo). Na imagem vemos, a partir da esquerda, a bisneta Kaliandra da Silva Porto e os netos Claiton, Vitor, Carlos e Ivete Machado da Silva.
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Padrinhos de batismo
A relação de dona Ercília com os Arioli ultrapassou o vínculo patrão e empregado. Tanto que seu Enio Arioli e a esposa Ada foram padrinhos de batismo da neta Elizete Machado da Silva.
Alexandre Arioli, filho mais velho de seu Enio, participou do batizado no bairro Sagrada Família, na época em que ainda existiam banhados e preás no lugar.
– Era criança, mas lembro que buscamos a água do batismo, que vertia do tronco de uma árvore – conta.
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Conforme o neto Claiton Machado da Silva, dona Ercília era considerada parte da família Arioli.
– Era um convívio muito próximo, de confiança e respeito – recorda Claiton, que junto com os irmãos costumava rumar ao casarão dos Arioli, no Centro, para buscar a avó e acompanhá-la até em casa todo final de tarde.
A motivação era explícita: os doces, pães e guloseimas que "vó Ercília" costumava comprar na volta...
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Herança reconhecida
Dona Ercília faleceu em 2000, aos 85 anos, mas o legado da senhora ramificou-se de diversas formas. Foi ouvindo desde criança a avó assoviar valsas, tangos de Carlos Gardel e clássicos de Vicente Celestino e Orlando Silva que o neto Vitor Luiz Machado da Silva, 60 anos, seguiu na carreira de músico.
Já a bisneta Kaliandra Porto, 23, que desenvolve esculturas, herdou outra prática imbatível da avó: o corte e a costura.
– Mas a maior herança foi a honestidade e a garra. Nunca vimos ela reclamar ou se queixar de nada, nem quando estava doente, no final da vida – recordam os netos Carlos e Ivete.
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Consciência negra
A foto de dona Ercília com o neto Evandro Machado da Silva, provavelmente datada de 1966, também foi escolhida para ilustrar o folder de divulgação da Semana da Consciência Negra de Caxias do Sul.
O evento, promovido pela Câmara de Vereadores, com apoio do Conselho Municipal da Comunidade Negra e da Coordenadoria da Igualdade Racial, foi realizado de 13 a 22 de novembro de 2013.
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