Já vai longe o tempo em que a história do galo de Flores da Cunha deixou de ser motivo de gozação ou vergonha. Na longínqua Festa da Uva de 1972, por exemplo, dois carros alegóricos enalteciam a figura do animal e a cidade, já consagrada como a Terra do Galo.
O primeiro veículo, adornado por um galo de penas naturais medindo três metros de altura, evidenciava a Fenavindima, cuja segunda edição seria realizada em 1973 . O segundo reproduzia o tradicional Galo de Barcelos e destacava a empresa E. Kunz, do visionário industrialista Eloy Kunz. O empresário é apontado como o maior responsável por transformar um episódio trágicômico em um mega atrativo turístico.
A história (ou lenda) remonta à década de 1920, quando um mágico surgiu na pequena vila de Nova Trento. Com a promessa de cortar a cabeça de um galo e depois fazê-lo cantar novamente, o charlatão teria deixado a plateia esperando pelo final do truque e fugido com o dinheiro da bilheteria.
Verdade ou mentira, com inúmeras controvérsias e versões, o incidente começou a ser visto com outros olhos em meados dos anos 1950.Foi quando chegou à cidade o "forasteiro" Eloy, que valeu-se da figura do animal para criar uma linha de bebidas que marcaria época.
Despontavam, a partir de 1959, clássicos como o whisky Cockland (Terra do Galo), seguido por outros destilados do gênero, como o Redcock (Galo Vermelho) e o aperitivo Sang'Galo. Rapidamente, as garrafas (e os galos) começaram a circular por eventos e feiras pelo país, colocando Flores em um roteiro turístico que atingiria seu auge em 1973.
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Clovis Boff, o senhor dos galos em Flores da Cunha
O segundo carro do corso de 1972 reproduzia o tradicional Galo de Barcelos e destacava a empresa E. Kunz, do visionário industrialista Eloy Kunz. (Foto: Hildo Boff/Acervo pessoal de Ricardo Boff, divulgação)
A Pousada do Galo Vermelho
Visionário e de olho no potencial turístico da região, Eloy Kunz inaugurou, ainda no final dos anos 1960, a Whiskeria. Mas foi com a estreia da Pousada do Galo Vermelho, em plena Fenavindima de 1973, que o turismo de Flores "extrapolou" nacionalmente.
Totalmente de vanguarda, o empreendimento hoteleiro surgia com apartamentos e chalés munidos de telefone, calefação, lareira e geladeira, serviço de bar, piscinas, galpão crioulo, quadra de tênis, restaurante, boate e sala de convenções, tudo em meio a uma ampla área verde.
Não por acaso, passou a ser roteiro de lua de mel de centenas de casais e destino de artistas e empresários de todo país - entre tantas personalidades, a mais famosa filha de Flores, a atriz Maria Della Costa.
Fechado no início dos anos 1980 - e posteriormente vendido para a fábrica de móveis Florense -, o local encontra-se desativado desde então.
Maria Della Costa na Festa da Vindima de 1976
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O empresário Eloy Kunz
Natural de Novo Hamburgo, Eloy Kunz nasceu em 1927, passando parte da infância entre Gramado e Nova Petrópolis. Após constituir sua primeira indústria em Canoas, Kunz mudou-se para Caxias do Sul, onde atuou na antiga Fábrica de Bebidas Marumbi.
Na chegada a Flores da Cunha, em 1954, uniu-se ao empresário Ernesto Caetano Muraro, com quem fundou a empresa Kunz Muraro e Cia Ltda. Sociedade desfeita, inaugurou em 1959 o empreendimento próprio, a E. Kunz & Cia.
Descendente de alemães e italianos, luterano, poliglota (falava seis idiomas), Kunz teve de enfrentar embates com a população local, que nem sempre compreendia sua visão empreendedora.
Algo verificado também por outro ícone do turismo regional: o empresário Tarcísio Michelon, responsável por fomentar o turismo de Bento Gonçalves a partir dos anos 1990.
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Eloy Kunz faleceu em 1990, aos 63 anos, mas sua marca não ficou restrita ao turismo: juntamente com Felix Slaviero, criou o Coral Nova Trento, em 1972, e foi um dos idealizadores da Vindima da Canção Popular, cuja primeira edição ocorreu em 1975.
O whisky Cockland e o aperitivo Sang'Galo continuam sendo produzidos, agora pela empresa de bebidas Fante.
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Em livro
Do galo da vergonha ao galo da prosperidade, obra da historiadora florense Carla Maris Saretta, publicado em 2013 através do Projeto Memória Histórica e Cultural de Flores da Cunha, faz um apanhado geral da história, fatos e feitos que deram a Flores da Cunha o codinome Terra do Galo.
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