As narrativas de gente que larga tudo e decide sair pelo mundo em busca de si têm sido cada vez mais constantes. E é bem difícil ficar indiferente a elas, mesmo sem ter esse desprendimento todo. Ouvir alguém falando o quanto é precioso dormir contemplando as estrelas, tendo apenas o céu e o silêncio como companhias, comove até quem gosta de uma cama fofinha arrumada com lençóis de fios egípcios. Ou sobre a facilidade de vestir-se quando se tem apenas uma muda de roupas e um calçado provoca reflexão em quase todo mundo que precisa parar por instantes para escolher como irá se apresentar para trabalhar todas as manhãs. Aquela sensação de que temos tudo o que precisamos — embora o mundo tente nos convencer do contrário — é preciosa. E rara. É difícil estarmos satisfeitos.
É difícil estarmos satisfeitos inclusive conosco, imagina com os outros. A efemeridade das relações, a dificuldade de se envolver e a busca sempre por algo melhor são algumas das características — tristes — do nosso tempo. Sair em busca de si, então, parece bastante lógico. Se isso envolver destinos mágicos, paisagens incríveis, contato com novas culturas, então, nem precisa pensar duas vezes, né? Quem nunca se perguntou se vale passar oito horas por dia trabalhando, para ganhar dinheiro para pagar alguns supérfluos e poder viajar nas férias? Quem nunca sentiu vontade de chutar o balde e sair desbravando novas formas de viver?
A parte interessante disso é que não existe uma resposta padrão, cada um precisa encontrá-la dentro de si. Talvez ter para quem e o que voltar sejam maneiras de aceitar pequenas saídas da rotina, que ajudam a equilibrar a vida. Esse é um processo bastante individual, por mais que tentem nos fazer crer que não.
Recentemente, assisti a um dos vídeos mais tocantes dos últimos tempos. Trata-se de uma conversa do espanhol Álvaro Neil, conhecido como Biciclown, com uma pequena plateia, onde compartilha impressões sobre paixão e achar sentido no que faz (procure por Biciclown: un viaje para descubrir la vida no YouTube). Para quem nunca ouviu falar dele, o apresento: em 2001, renunciou a um emprego fixo para perseguir um sonho e decidiu dar a volta ao mundo de bicicleta. E nunca mais parou. No caminho, faz apresentações de clown gratuitas, como forma de retribuir o carinho e a acolhida. Ao longo dos anos, ele publicou nove livros, seis documentários e criou um canal para viajantes, além de dar conferências e palestras mundo afora.
E, obviamente, a fala de alguém que passou por essas experiências traz uma lucidez absurda, algumas que ficam ecoando muito depois de ouvi-lo. Ele diz que mora em um país chamado presente, depois de ter conhecido mais uma centena deles. Apresenta-se como um nômade, mas diz que todos somos — estamos aqui de passagem e, felizmente, existe a morte, senão postergaríamos infinitamente nossos sonhos. Ser nômade o ensinou a saber que uma árvore é uma sombra e que quando os pássaros chegam cantando pela manhã estão dizendo bom dia.
Lindo, né? Álvaro também fala sobre a importância de distinguir o que é sonho do que é desejo, sobre como perseguir o que dá sentido a vida não deve ser uma renúncia, mas uma opção e que as maiores fronteiras que existem são as mentais, aquelas as quais nos impomos.
Entre tantas frases inspiradoras, adorei a analogia que fez com um objeto bem prosaico: um copo de água. Disse que se ele está cheio, a ponto de transbordar, e colocamos uma gota e ela derrama o líquido, quando a gota faz a água cair por toda a superfície da mesa fica impossível tentar achar qual foi a gota culpada... Não é exatamente assim nossa vida, especialmente quando decidimos acomodar sentimentos que não deveriam estar dentro por tanto tempo? Entendi que devemos manter nossa bagagem leve e o coração cheio de vida, para acomodar só o que nos ajude a seguir, seja lá o rumo que a gente decida tomar.