Passei grande parte da minha vida adulta morando no Rio Grande do Sul. Lembro de um dia, em meados de 2016, escrever: não sou daqui, mas amo esse lugar. O sentimento era legítimo. Eu amadureci pisando em solo gaúcho, virei gente – como dizem. Fiz amigos pra vida inteira, vivi amores inesquecíveis, rodei o Estado quase todo a trabalho e me redescobri mais vezes que eu cria estar encoberta. Sou imensuravelmente grata a esse Estado, a essa gente, à vida que me levou até aí.
Há alguns anos não sou mais uma ‘goiúcha’, como meus amigos brincavam ao descrever minha naturalidade goiana e gaúcha, mas ainda me sinto parte, ainda sou colorada, ainda preservo os costumes que aprendi aí. Meu uai se mescla com bah, meu sotaque ainda é todo misturado e, sobretudo, parte do meu coração ainda pertence a esse território e a essas pessoas.
Aqui, em Goiás, o tempo está claro, sol a pino, calor ardido, mas, em meus olhos, tudo está nublado, chuvoso e catastrófico, assim como está o tempo no meu amado Rio Grande. No dia que soube das primeiras grandes tormentas, meu desejo era, indubitavelmente, sair correndo, pegar um avião, descer em Porto Alegre e sair às ruas para resgatar o povo da terra que me acolheu. Mas, a vida, amigos, às vezes, ela não deixa. A vida real de mulher-mãe-trabalhadora me deixou aqui, inerte, com lágrimas nos olhos, uma oração na boca e o pensamento longe.
Eu nem sou das criaturas mais religiosas, confesso. Guardo meus pedidos a Deus para horas específicas, de desespero mesmo. Não sei das regras do céu, acho que tenho medo de ficar pedindo demais e gastar minhas fichas. Se eu posso fazer, faço, não peço em oração. Mas, vejam que esse é o momento em que só me resta ter fé.
Tenho passado dias e noites com o peito apertado de preocupação. Penso nos amigos que estão aí, na família da minha filha, no meu amor que também faz dessa terra ganha pão e, quando não, tudo fica chuvoso dentro de mim. E desaba água torrente na minha existência.
Fecho os olhos e vejo as casas alagadas, as pessoas correndo. Fecho os olhos e ouço os gritos, os choros. Fecho os olhos e sinto o medo. Daí, mantenho os olhos fechados e entro em profundo estado de desesperada oração.
Sabe, eu sou mãe (de gente, de pet, de planta), eu sou filha, eu sou irmã, sou amiga e sou o ar de alguém. Cada gaúcho sob a chuva, o sinto como se fosse um ente querido meu, alguém com quem divido a vida. E isso dói. Dói não poder dar a mão a quem precisa, não poder remediar suas dores, não confortar num abraço e com um chimarrão bem quente.
O sol goiano sob o qual tenho vivido meus dias se tornou um fardo. Ele me lembra de quem não tem o privilégio do tempo firme, do dia bom. Isso tem me enchido de raiva e de lágrimas. Tem, também, me enchido de fé. Eu preciso acreditar que logo isso tudo vai passar e que, salvaguardados os acertos dos duros dias, tudo vai passar.
Se você, como eu, não puder estar nas operações de suporte e resgate, doe qualquer quantia para o SOS Rio Grande do Sul. Vai ser de imensa valia. As contribuições podem ser feitas por pessoas físicas e jurídicas pela chave pix CNPJ: 92.958.800/0001-38.