Acordo tarde, depois das 9h, dormi mal. Minha filha teve uma noite agitada e eu tive uma noite infernal. Ela teve pesadelos. Conversou, brigou, chutou, gritou e chorou muito. Tudo isso enquanto dormia. Eu, como mãe, criatura dotada de amor e, sobretudo, preocupação, velei seu sono em todo o processo. Corri pelo menos cinco vezes do meu quarto para o dela até ali definir que eu não deveria nem sair dali. Tirei vários pequenos cochilos e, a cada um, acordei assustada pela realidade onírica-fóbica da minha cria.
Como sempre, eu estava exausta da vida do dia anterior. Vocês sabem da minha rotina: eu corro, eu mato, eu morro. Corro atrás do relógio, dos boletos. Mato o tempo com navalha e veneno, tentando o retrocesso das horas. Morro de exaustão e culpa por não conseguir ser o mínimo que espero da mulher-mãe-trabalhadora que penso ser. Eu tô sempre em dívida comigo. Tenho consciência, meu maior algoz sou eu. Sim, anos de terapia e muita auto-análise me fazem conseguir discernir isso, mas não tiram a dor do não êxito.
Tudo doi. No peito, na alma, no fio de cabelo. Até minha alegria traz consigo um tantinho assim de preocupação. Em meus raros momentos de descontração, não descanso. Miro involuntariamente o que deveria estar fazendo e, ali, estaciono.
Sabe, eu só queria a paz do instante do estar. Quero, para ser bem exata. Não sei como encontrá-la.
Não sei, mas tenho como meta achar essa danada, mesmo que ela esteja no mais recôndito de mim. Vou mergulhar sem medo em minhas vísceras, no meu passado, na história dos meus ancestrais e encontrar o que me falta. Eu sei, é lá que está a razão da minha existência. E, é na minha existência que está meu propósito, a razão pela qual fui posta aqui, sobre a terra, enquanto ser caminhante.
Tenho 37 anos de sonho, sangue e América do Sul, como disse Belchior. Sonhei e sangrei sobre esse solo continental, de mil cores e mil tipos de gentes. Estou cansada do livro de ponto sem um porquê. Estou assinando, geralmente em hora indevida. Qual o propósito do contra-cheque? Para quê fui criada, ó, Deus dos perdidos?
Em alguns dias, quando a insônia não bate e nem a maternidade me surra, acordo cheia de alegrias e vontades, olho fixamente para o céu e tenho fé. Sinto os raios solares adentrarem à minha pele, agradeço à vida por ter tido o privilégio da encarnação.
Sou uma mulher comum, ser humano mais que normal, não quero ter problemas excepcionais. Os mais bestas, aceito de bom grado e com sorriso no rosto. Não precisava eu, justamente eu, sentir as dores de todas as mais de 11 milhões de mães-solo do Brasil no couro.
Mas, sem escolha, sinto. E muito. Sinto a solidão de cada uma delas. Sinto suas dificuldades financeiras. Sinto a ansiedade em dar (sem dar) conta de tudo que o mundo lhes entregou. Sinto seus amanheceres perambulantes. Sinto a falta de esperança. Sinto, sobretudo, seus corações que anseiam que o futuro chegue logo numa vida melhor, mais digna para si e seus rebentos.
Sinto e sinto. Qual o propósito de tanto sentir, se tudo que a gente necessita é de uma noite decente de sono?