Há tempos eu não conseguia manter uma rotina mínima de atividade física, mesmo sabendo que era necessário. Há tempos eu evitava sentar a bunda na cadeira para estudar, eu alegava que minha criatividade só frutificava se meu corpo estivesse em movimento e, assim, mantive minha apreensão de conhecimento estática. Há tempos eu jamais teria coragem de olhar nos olhos alheios e liberar – com fé e alegria – um sonoro e categórico não. Há um tempo eu não tinha ideia de como me defender das ofensas alheias. Há tempos, há um tempo ou foi ontem?
Precisei olhar para o mais profundo de mim e perceber que se eu não me mexesse ninguém se mexeria por mim. Então, tudo ficaria parado, como, de fato, ficou. Dei o primeiro passo e analisei meu passado abissal, tentando identificar onde foi que parei de me importar comigo ou se já me importei algum dia. Eu me encarei tão profundamente que me constrangi com tamanha autoindulgência, tal desconforto me deu forças para mudar. Aquela pessoa no espelho não era quem eu queria ser, definitivamente.
Busquei, sobretudo, não ser cruel comigo, não foi fácil, o chicote já estava empunhado. Tive que entender que muito do que se passou comigo vem de uma sociedade galgada na aridez das relações, que compartilha interesses que, para mim, são desinteressantes. Ademais, sou mulher-trabalhadora-mãe-solo, é muita característica progressista para um mundo conservador.
Se frustrar e desistir é feijão com arroz no prato do brasileiro, estou mentindo? É o caminho óbvio, mais fácil. E eu quis desistir a cada minuto, eu quis chorar incontáveis vezes, mas me lembrava da infelicidade passada, da sensação de inexistência, me recompunha e tentava mais um pouco.
Vocês sabem, a tendência que nós, criaturas humanas, temos é a de sermos contraprodutivos: reclamar ao invés de fazer algo; chorar ao invés de superar; acumular mágoas ao invés de perdoar e seguir. Bom, comigo não é diferente, mas eu fui tentando melhorias cotidianas a partir da análise dos velhos erros.
Então, pé por pé segui e tenho obtido algum sucesso. Lembrando, mudanças íntimas vêm carregadas de um sem fim de mínimas e máximas derrotas, precisei estar preparada para cada uma delas.
Comecei com uma caminhada, comecei fazendo a matrícula na academia. Comecei com meia hora de estudo e comprando um bonito caderno e canetas coloridas. Comecei me indignando com o abuso alheio, comecei dizendo não. Criei uma rotina, tentei seguir, falhei, não parei. Tentei outra vez e de novo.
E, quando não, eu me peguei assistindo da arquibancada minhas pequenas-gigantes vitórias. Semanas e meses se passaram e eu já consigo me ver no centro da minha própria existência. E, afirmo, não há melhor sensação do que a de poder aplaudir a si mesma.