Nossa, já são 21h30min, passa da hora. Ai, meu Deus, estamos atrasados! Todos muito atrasados. Absurdamente atrasados. Passou da hora de pararmos e olharmos para dentro, tipo umas três gerações. A revolução emocional é a mais necessária desde a industrial, penso. Vai ser um estouro quando rolar, estou na arquibancada da vida só esperando acontecer.
Vai ser uma loucura quando as pessoas não saírem às ruas, pois estarão em casa no atendimento psicoterapêutico online ou dentro de consultórios País afora. Elas não estarão nas ruas, não terão tempo para marchar por qualquer razão que seja, pois fora a demanda casa-trabalho, estarão ocupadíssimas tratando feridas de mil gerações que se foram.
Nesse dia os jornais nada noticiarão, estarão em profundo momento de reflexão sobre o que é relevante ou não. Mal posso esperar por esse dia, quando todos nós estaremos cuidando tanto de nossa própria existência que abençoaremos a vida do coletivo.
Nesse fatídico dia, olharemos tanto para dentro de nós que, em efeito espelho, veremos nossas mães, nossos irmãos, nossos filhos e filhas e teremos infinita pena da nossa própria humanidade. Amaremos ainda mais nossos amores e até nossos desamores, respeitaremos absurdamente toda e qualquer criatura que respire, pois entenderemos que dores que nos doem também doem no outro. Não haverá dor maior em toda a existência do que a que compartilharemos nesse dia.
Anseio profundamente por esse dia que está no porvir, quando sangraremos juntos – cada um no seu canto. Nenhum de nós colocará suas aflições, alegrias e ambições acima de nada. O incômodo será tamanho que estaremos todos, no final da noite, deitados em posição fetal, chocados pela dureza da realidade que se sobrepõe àquela que vivemos. Dormiremos banhados pelas lágrimas das nossas avós que foram silenciadas; das crianças que, sem entender, receberam um mundo velho e triste; das lágrimas dos desacreditados; dos socialmente abandonados. Vai ser um dilúvio!
Mas, o outro dia vai chegar e, em meio às nossas fronhas molhadas e salgadas, levantaremos e andaremos por ruas vazias de propósitos. E, cabisbaixos, seguiremos. Entre um sinal vermelho e um verde, acenaremos timidamente com o rosto para um desconhecido, como quem diz: eu sei, viver dói, né?!
Então nossa humanidade surgirá como uma Fênix, brilhante e calorosa. Uma Supernova virá das sombras enevoadas do céu e nos entregará uma existência inédita. Tudo terá, então, um novo significado. Palavras que, em vício, utilizamos durante décadas e estão esvaziadas, como empatia, amor e liberdade, serão coisas novidadeiras e belas.
Parece um filme de realidade utópica essa narrativa. Sim, eu sei. Mas, a gente precisa sonhar. Precisa, ao menos, tentar. Eu vivo dentro do meu escritório, sabe?! Eu já vivi plenamente o mundo lá fora e ele acabou comigo. Me fez descrente e amarga. Eu não quero acreditar num futuro em que meu mínimo escritório de 2 por 3 seja o melhor lugar para se estar. Quero mesmo um universo no qual eu creia que minha cria seja mais feliz do que eu. E a sua também.