Se você é mulher, consegue me entender quando eu falo das pequenas agressões machistas que sofremos no cotidiano. Exemplifico: sabe, aquele comentário despretensioso e profundamente ofensivo sobre nossa existência feminina, aquela voz que sobe o tom sem ter um porquê, aquele questionamento infundado da nossa decisão racionalmente embasada, e, naturalmente, aquele silenciamento obtuso.
Eu, como mulher, já vivi inúmeras situações como essas. Seja nos relacionamentos amorosos antes da autovalorização, na escola quando jovem, em casa desde sempre, e, até, numa casinha de sapê. Mas, confesso, pensava que essas situações fossem minando à medida que eu fosse ascendendo profissionalmente.
Oh, Sandra Iludida. Oh, Sandra que tem a mania de crer que o mundo há de ser melhor no porvir. Oh, Sandra, não se desespere, sua força de existir é diretamente proporcional às batalhas que você enfrentará.
Estudei muito mais que a média, fui superando obstáculos sociais e de gênero desde que me reconheço, e, acima de tudo, sou uma invicta em conquistar as premiações mínimas da vida. Tudo isso para, ainda hoje, aos 36 anos, me ver frente a um macho desorientado e inseguro, que, na escala de carreira, está muito abaixo de mim, vociferar agruras para me pôr no ‘meu lugar’.
Mas, qual é o meu lugar? Meu lugar é onde eu defino cadeira. Cadeira que herdei, não usurpei. Minha cadeira foi presente de todas as minhas ancestrais e conquista dos meus risos e lágrimas. Essa cadeira a qual me acomodo e está num lugar de privilégio é bênção e fardo. Eu carrego com austeridade ambos!
Com rigidez no decoro, aceito a missão de enfrentar o mundo velho e torná-lo melhor para as meninas que crescem e que ainda não nasceram.
Mesmo que em menor número, ainda tenho que lidar com as investidas do machismo. Inclusive, tenho na bagagem agressões recentes, fresquinhas na memória. Apesar de já conseguir controlar minha reatividade, não esqueço nunca. Aconteceu duas vezes nos últimos dias, vindas da mesma pessoa. Ao rememorar agora, sinto o hálito ácido das palavras que saíam da boca cheia de raiva e ressentimentos e chegavam até mim como brasa.
Eu, numa posição hierárquica superior, tive que escutar subjetividades que encontravam minha responsabilidade sem nem culpa ter. Digo que foram palavras subjetivas, pois é assim que o machismo age: com covardia e falas indiretas. No entanto, sou gata escaldada. Senti cada palavra como lava que desce de um vulcão adormecido e encontra um vilarejo no pé do morro, queima e destrói tudo. O vilarejo sou eu em chamas.
Quando uma mulher se incendeia ela está no auge de sua vida. Mulheres são suas melhores versões quando se deparam com as ruínas da vida, tudo que ela produz depois das cinzas é criação divina. E, foi isso que de mim saiu. Gestei e gerei uma criatura nova dentro de mim, que me vestiu de armadura de ouro.
Não há o que me atravesse a pele ou o coração, não há o que me invada o latent sexo. Tudo o que vem do machismo nosso de cada dia, me pega pronta, armada, vencedora, com sorriso no rosto e salto agulha.