Não sei bem de onde veio essa escritora-poetisa que mora dentro de mim. Não sei ao certo quando e como ela me habitou. Se ela chegou no meu nascimento, se se pariu em mim entre um livro ou outro, enquanto eu e minha leitura amadurecíamos. Minha lembrança mais nítida da sua presença está na sala da velha casa, onde eu ficava por horas a revirar um sem fim de vinis herdados.
Ali, enquanto eu ouvia poesia musicada, sempre me vinha inspiração para, num laço ligeiro e assertivo, catar caderno e caneta e passar horas a escrever. E como não? Se aquelas vozes que saíam do som arcaico contavam tanto do passado e do futuro e, sobretudo, do amor.
Amor que, à época, eu não tinha consciência prática de como funcionava. Antes de viver um grande amor — ou um mínimo, que fosse —, o concebi em poesia, canção e palavras bem construídas impressas em páginas amareladas. Naquele tempo eu cria que o amor era a beleza dos sentires e desejares e, também, a dor das lágrimas do que não foi possível existir. Em ambas as situações, eu compreendia que o amor era absorto e, por isso, era tão necessário cantá-lo e escrevê-lo.
Daí, eu cresci. E o amor se fez morada em mim de tantas formas. Ora, gentis, ora violentas. Em todas as vezes que ele se mudou e deixou a casa vaga, era como se um exorcismo tivesse sido feito no local. Ficaram coisas quebradas e medo de que ele retornasse.
Acontece que o amor retorna, ele sempre volta. Ainda bem! A cada fase da nossa vida ele vem. Com novos trajes, novos interesses, outro jeito de falar e sorrir. E, a cada chegança dele, a gente vai amando com menos amadorismo.
Aos 15 anos, lembro de como o amor se apresentava: ele era lindo e tinha um longo cabelo, descia correndo a rampa da escola na hora do recreio. Naquela época o amor nem me notou.
Aos 20, o amor logo que me viu, me reconheceu. Foi pura identidade e diversão. Olhando hoje, acho fofo como nós achávamos que a eternidade era algo tão palpável. Era um sonho estranho, me estranhei, fugi.
Beirando os 30 anos, o amor veio pesado. Embaraçou os pés nos meus por debaixo da coberta, dividiu a cama, a casa e os traumas. Dividiu, também, o chicote da existência, e, em prantos, prometeu nunca partir. Doía muito, fui embora.
Agora, os 40 vêm aí, mais perto que longe, e me traz um novo amor e, junto, uma nova forma de amar. Eu gosto mais do amor de hoje, ele é maduro e entende as sobrecargas da vida, preza pela individualidade pois sabe que o preço a se pagar pela doação romântica é impagável. É real e eu prefiro assim: ego sob controle e muita disposição.
Eu amei o amor por toda minha vida, o afeto me forjou e me fez quem sou. Quero o estado ‘amante’ até o abandono da minha carne. Valeu a pena até aqui e vai valer a pena sempre. Porque sei escrever, porque sei falar, porque já sei amar — sou quase profissional.