Declarar é verbo intransitivo, no cunho vernáculo significa tornar público, oralmente ou por escrito, é sinônimo de anunciar, revelar, manifestar. No cunho real, declarar é ato de alívio, sinônimo de libertação, gerador de possibilidade de um futuro assertivo. Em suma, declarar-se é botar pra fora, vomitando ou declamando, o modo pouco importa.
Na negação do intransmissível verbo, guardamos para nós os sentimentos que de nós emana, e que em algum momento nos consumirá. Declarar-se é ser confesso ao mundo de nossas próprias ideias, nossos verdadeiros sentires, dos nossos mais profundos desejos. É, sobretudo, aceitar nosso próprio eu.
Ao nos revelarmos ao outro nossa existência nos libertamos da interpretação que se possa ter do que somos, do que vivemos, do que sentimos.
Ao declarar amor, por exemplo, não devemos ter medo da rejeição. Sentir afeto por alguém é uma dádiva. Amor é do plano das delícias e não pode ser atrelado a nada mais que seu pleno sentir. O amor, mesmo que unilateral, tem que fluir. Quando amo, me declaro à criatura-musa dos meus desejos, vou lhe contando como num diário as encantadoras percepções que tenho sobre ela, sobre a intersecção do nós e de como isso me faz bem. Me sinto livre quando imersa na não-dissimulação do que meu coração anseia, ele fala e eu sou condutora da sua voz.
Ao me revelar insatisfeita, dou sinais claros dos meus incômodos. Sou honesta, peço diálogo. Se minha tentativa de palavra é acolhida, tento ao teto. Mas, se percebo egos a bradar entre si, como cães na madrugada que ladram para almas penadas, me boto quieta, abstente. E, se sinto minha voz silenciada e minha história invalidada, me afasto e deixo a porta bater às minhas costas.
Com palavras ou não, manifesto-me. Saio às ruas, sendo bandeira hasteada da nação que sou, de fronteiras limítrofes à minha carne, pele e ascendência. Cada gesto meu conta muito sobre mim, toda decisão que tomo resulta da minha história. Avanço declaradamente pela vida, liberta.
E liberto-me diariamente ao sair às ruas sendo eu, com minhas roupas, meu corpo, meu cabelo, meu sorriso abobado. Não há nada que se possa exigir de mim além do que se lê. Sou livro aberto, de letras grandes e linguagem comum, carregado de obviedades e transparências. Não tem mistério, nem segredo. Sou apenas o que se vê e isso me faz um bem danado.
Anos de terapia e muitas tentativas frustradas de me relacionar com mundo, fizeram-me despida, uma mulher nua que anda por aí e somente. Anos de terapia e tentativas frustradas também me ensinaram que não há necessidade de ser nada além de quem sou, então respeito essa mulher de base rígida a qual me transformei. E, por ter orgulho dela, declaro-a ao universo inteiro.