Eu já quis fugir de ser mãe. Em certas situações eu quis fugir mais de uma vez no dia. Neste mês, confesso, eu tive vontade de inexistir em algumas manhãs. Inexistir, para quem não entende, é aquela vontade de ser uma planta ao vento ou uma pedra no meio do pasto, nada tem a ver com morte. Só queria ficar quieta, sem demandas, sem obrigações, sem cuidar de ninguém.
Dia desses, enquanto eu ouvia o celular despertar cerrando à força os olhos, querendo não enfrentar a realidade, ouço a porta do quarto abrir e um peso-pena se lançar sobre mim e me cobrir de beijos. Sentia o toque fino das mãos pequenas, ao passo que tentava entender o furacão cheio de afeto e gargalhadas. Fui assolada pela grande razão da minha ânsia de fuga, da minha permanência, da minha resistência, da minha luta, do meu sorriso mais bonito.
Assimilei seu cheiro de coisa minha, me aprumei, agarrei suas costelas magras e pequeninas e a trouxe para mim como se eu estivesse me afogando e ela fosse a salvação. E ela era. Ela é. A abracei forte tentando recompor minhas forças e ali ficamos por infinitos minutos a brincar e a nos declarar uma para a outra.
A maternidade é linda, sim. Muito mais para quem não é mãe. Para nós, ela é desafiadora e, por vezes, degradante. É desesperadora todos os dias em que nos damos conta que estamos preparando gente para o mundo e essa gente precisa ser boa para si também. As nuances desse ofício são quase imperceptíveis para quem não tem bons olhos e invisíveis para os desatentos.
É preciso entregar desenvolvimento integral àquela nova criatura: nutrição para o corpo; afeto para a alma; autoestima e autonomia para a vida. Têm as primeiras letras e números, a correção do erro humano que é nato e do que é aprendido. Cuidado constante com a saúde física e mental. Além do brincar da infância, que está acima de tudo. É labuta!
Criar gente e ser uma mulher normal faz a normalidade surtar. E, fazer isso sozinha faz do surto, calmaria de riacho das veredas escondidas pelo Brasil. Nada abala, de fato, uma mulher que acorda antes do sol nascer e vai dormir sempre depois que o dia virou outro. Mães-solo estão sempre retardando um dia de vida. E isso soma, somatiza.
Entre o imenso passar do tempo do abrir e fechar os olhos, corremos. Levanta e corre para ficar saudável, segue correndo para deixar a cria na escola e ir trabalhar. No trabalho, corre para alcançar o objetivo do labor, inspirar pessoas, orgulhar a si, sustentar a cria. Quando parece que acabou, corre, busca na escola, e, sem parar, chega em casa, segue correndo para manter a geladeira cheia e tudo em ordem.
No final que nunca chega mas está sempre aí, frouxidão. Mal conseguimos pensar. Nem todo pós-banho, vinho e Sinatra dão conta do cansaço de uma mãe-solo. Não tem crença que traga paz, ideologias são balelas. No meu caso, Pilar é meu partido, minha militância. Ela é minha religião, a minha reza. É tudo por ela, para ela.
Superando o cotidiano de funções, após o tornado da existência, deito ao seu lado e seguro a sua mão, canto velhas músicas e adormeço de amor ao seu lado. Transcendo, descanso.