Há uma linha tênue, fininha, quase invisível, entre o ser uma boa pessoa para si e ser uma boa pessoa para o mundo, somente. De um lado você se enxerga, se respeita, sabe que é alguém decente e muitíssimo digno de ter vez e voz e, assim, pode levar benesses para o próximo. No contraponto, você chega a esquecer quem é, segue os dias a servir a quem lhe pede a mão, seu brilho desaparece e a subserviência domina sua cabeça.
Desprezar sua identidade e o valor dela te leva, naturalmente, para o abismo. Um passo a mais rumo ao outro e você pode estar perdido de si. Ali no buraco tudo é escuro, não há nem sombras para te guiar. Mas, aqui há uma boa nova: se você estiver no fundo do poço e não enxergar mais nada, olhe para cima e verá luz. Aproveite o chão firme e enlameado para impulsionar o salto e tentar a todo custo sair dali, não há outra opção.
Cair no abismo é fácil. Há, na sociedade, preceitos que te conduzem para lá. Certamente você já escutou milhares de vezes essas frases: seja humilde; ame o próximo; o amor é uma prisão; amar dói; o trabalho dignifica o homem; família acima de tudo; e etc.
Sabe, eu não discordo das máximas sociais acima, não totalmente. Sei que foram construtos de séculos, vernáculos que traduziram nossas vidas práticas dos velhos tempos até hoje. Representam, sim, um modo de vida que, na minha opinião, aqui jaz e há muito foi sepultado. Manter essas verdades como sumidades norteadoras do nosso futuro só pode trazer ansiedade, descontentamento e o uso necessário muita medicação psicotrópica.
Decupando um pouco as frases citadas acima, convenhamos, elas são um nítido caminho rumo ao abismo da saúde mental. Nem o amor romântico sofrido e nem a dor do autosacrifício em prol do bem-estar alheio devem ser a base das relações. Também, não há evolução no excesso de humildade onde você vira um tapete que serve tão somente para limpar os pés sujos que te atravessam. Para além disso, o trabalho não pode ser a única força dignificante do seu ser, é preciso que a dignidade te habite e dali ela sai emanando ao universo. Em complemento, afirmo: pessoas da sua família, que dividem o sangue, o DNA e, por vezes, o teto com você, têm incalculáveis chances a mais de te machucar do que estranhos.
Não digo aqui para não se entregar ao amor, não respeitar sua força de trabalho ou não considerar sua família. Digo para se amar, se enxergar e se valorizar acima de tudo. Só assim, poderá se entregar a todas as formas de relações possíveis e existentes com profundidade, respeitando, antes de tudo, a si.
Individualmente, se você não se enxerga, não reconhece um humano de valor sob sua própria pele, você não existe. Um ser inexistente não ama ninguém, não constrói nada, não chega a lugar algum. Não é egoísmo, é sobrevivência.
Em suma, existir, cada vez mais, exige de nós protagonismo no filme da vida, da nossa vida. Dentro de um bom senso do que é ser parte de uma sociedade, é vital que construamos nossas próprias regras de bem-viver. Tudo começa por entender que somos únicos, necessários e insubstituíveis para nós mesmos, e que não há nada a fazer pelo mundo antes de interiorizar essa concepção.