Pera lá, calma, calma, é só o título, lê mais. Não tem ninguém chorando ao escrever esse texto. Sorrio de canto de boca, até. Sei que ao ler o título muitos pensarão tanto e tanto. Sem chegar aqui, terão fé no quanto a vida dessa escritora é triste e solitária, que estou largada às cobras. De fato, sou bem solitária e não tenho medo de cobras, mas nada há de tristeza.
Não minto: nunca fui tão sozinha como sou nesse momento. É a realidade, foi uma escolha. Sim, estar só também é escolha e essa decisão não, necessariamente, precisa estar cercada de drama e dor.
Em algum momento do meu passado recente, me dei conta de que havia influência alheia demais sobre minha existência. Vozes demais a soprar em meus ouvidos, passos demais à minha frente tentando me guiar. Me vi confusa, então, resoluta, decidi arcar com o preço da minha própria vida, do meu próprio caminho.
Fiz cálculos simples, planilhados cerebralmente, e hierarquizei àquelas criaturas as quais jamais poderia viver sem, botei-as no topo da lista, dentro do meu coração, dos meus dias. O restante da lista, deixei no restante. O pé da lista, descartei sem pudor, sem medo.
Olhei nos olhos de muita gente e disse que não as queria em meu cotidiano, tentei até explicar, pois sou gentil. Por entender que a única pessoa responsável pela minha sobrevivência, construção de futuro e felicidade sou eu, fui objetiva na decisão de seguir sendo navio de mínima âncora.
Não digo, também, que todos os dias foram fáceis. Os sábados são árduos, geralmente. Porém, já foram mais complexos e estão cada vez mais amenos. Há nessa viagem solita um querer colo sem alcance do desejo; querer papo em meio ao silêncio. Assim sendo, sento na banqueta alta do balcão e respiro, contemplo o pouco tempo que tenho e produzo.
Decisão tomada no passado, dias se foram, cá estou: zero arrependimento. Como poderia ter vivido tão intensamente como vivi? Dias de pouca autoestima e muita garra, onde fiz a pose da heroína e fui ao fronte. Noites, pós bebê na cama, onde escrevi loucamente, tomando inesquecíveis vinhos baratos e, ainda, consegui dançar na varanda. Noites e dias onde as quedas emocionais e físicas se fizeram presentes, mas o reerguer-se só devo a mim.
Não repúdio e nem cuspo no passado. Ele é responsável pela mulher que sou. A cada vez que não obedeci minha voz interior e segui as demais, me afastei mais da plenitude de ser eu. Precisei estar só – por decisão – para que pudesse, no silêncio, ouvir os sussurros da Sandra que me habita.
É incrível descobrir a pessoa que mora sob nossa pele. No meu caso, a vejo: tão assertiva, bela e talentosa, se dói na dor dos outros, cheia de manias bobas, tem péssimas piadas e as vomita nas horas mais indevidas, e, encantadoramente, fala sorrindo.
Tem sido entretenimento puro, acompanhar a existência dessa mulher que só pude conhecer há pouco. Essa criatura tem maturidade não condizente com sua idade, mas se compromete com seus propósitos de forma visceral. Essa criatura só pude conhecer porque nunca fui tão sozinha assim.