Assim que as chuvas chegaram, após meses que pareceram séculos, eu comemorei tanto. Sorri ao ver o mato se esverdeando infrutífero no quintal e os prados brilhando de relva no horizonte. Cantei, dentro do tema, uma música velha pra mãe às seis da manhã e ela cantou junto. Sabíamos que logo a grama teria que ser cortada. A manutenção do trabalho chegando e, ainda sim, pra nós, valia a canção, pois o ar estava úmido naquele nascer d’um outubro e a gente podia respirar gostosamente, enfim, no Cerrado.
Na minha corrida matinal, que começa assim que o sol aparece, eu segui a observar as plantinhas felizes a brotar no concreto do meio-fio, aproveitando a água que habitava a mínima terra que habitava a entre-massa que ali estava posta. Resistentes, essas plantinhas, pensava. Elas sorriram pra mim, tenho certeza.
Dias foram passando, minha vida correndo, um cheiro forte que meu bom faro tinha em memória, ia, aos poucos, se adonando da minha lembrança, até ter papel passado dos meus dias: a Dama da Noite já não mais dormia, brilhava e enebriava o mundo durante o dia.
Andei por tantos lugares, sentei-me em tantos outros,vivi em alguns, mas o perfume da Dama da Noite seguiu em minha memória mais afetiva, mais afetuosa. De criança, lembro-me de perguntar à mãe o porquê dessa plantinha tão pequena ser a Dama da Noite toda. Minha mãe, no auge de seu cuidado de não me entregar algo que eu não pudesse lidar em entendimento, dizia somente que as coisas pequenas também têm grande poder.
Eu, com minha resposta adquirida, contentava-me, à época. Hoje, cheia de pecados e armaduras, amores e desventuras, entendendo tanto das histórias das coisas e criaturas,acho a resposta da Mãe mais válida do que qualquer realidade. Sim, uma planta tão menor é uma gigante em suas potências únicas. Dama da Noite cheira tão mais que rosas gigantes, não é?
Não precisamos ser gigantes se não é da nossa natureza. Podemos ser pequenas e tímidas, mas ainda rescender a grande fragrância que emana das nossas pequenezas, que são imensas e preenchem o universo inteiro. Podemos, também, ser espalhafatosas, com grandes pétalas coloridas, d’onde perfumes leves saem - ou não.
O valioso é ser quem somos, arvorezinha de porte diminutivo carregada de florzinhas pálidas, que distribuem cheiro imperativo, como a Dama da Noite. Ou, talvez, flores robustas e majestosas que têm na estética, poder maior, como as rosas de buquê.
No exercício da minha vivência, sei onde me encontrar, sei qual tipo de criatura sou no jardim da vida. E, isso me basta. Aceito e até aprecio não ser rosa. Diria até que escolhi não sê-la. Rosas têm muito compromisso com o que é belo e eu só quero ser eu, na minha formatação comum. Gosto de onde me localizo e onde tenho raízes. Sou Dama da Noite com florzinhas brancas que são de pouca boniteza, com folhas bestinhas que mal aparecem, mas, no conjunto, formam uma ornamentação de excelência. E, o cheiro? Ah, eu vou perfumando por onde passo. Estou certa disso.