Eu que não sei nada do mar, que nasci tão longe dele quanto possível, sinto saudades dos nossos encontros. Saudade de quando eu me prostrava frente sua magnânima presença e me sentia mínima poeira, sinto falta de como seu estrondoso falar silenciava meus pensamentos. Estar frente ao mar deixava tudo em mim plácido, num contraponto estranho ao gigantesco grito que dele emanava e me acertava como flecha, bem no peito.
Houve uma época em que tudo era confuso, barulhento e triste dentro de mim. Dias que me trazem pouquíssimas boas lembranças, mas foram dias de intimidade com o mar. Um tempo que eu fugia da vida e sentava frente a ele e esperava: a vida passar, a noite chegar, a dor não doer, as respostas de perguntas não feitas se materializar ali frente minhas retinas.
Enquanto nada acontecia dentro ou fora de mim, eu acompanhava as ondas indo e vindo, bravias ou calmas, revezando as intensidades da existência, numa levada de blues. Enquanto eu só sabia ser estática frente às minhas questões, uma barco chegava arrastando rede comemorando boa pescaria. Homens gritando, peixes agonizando nas tarrafas para trazer melhor vida pr’aqueles que sobrevivem do mar.
Nada daquilo me atingia. Nem machucava, tampouco me fazia feliz. Era somente o tempo fazendo seu trabalho no avesso da minha pele. Era só o processo que se restabelecia em mim. A coragem que eu não sabia ter, dando as caras. Perguntas sendo elaboradas no silêncio. Eram meus olhos voltando a brilhar.
Lembro-me da primeira vez que vi o mar, numa data muito anterior à narrada acima. Eu, deveras, nunca havia visto nada tão magistral, tão imenso, tão carregado de significados e vida. De braços dados com o vento, naquela vez, ele matou uma pessoa. Não no sentido figurado, ele, de fato, matou uma pessoa. Talvez o mar não tenha matado aquela mulher realmente, mas o não saber da gente em lidar com o máximos poderes naturais, sim. Penso que sabemos muito pouco da natureza e sua força.
Foi assim que pela primeira vez na vida tive dimensão do que era o eu e o universo e como nossos laços são fortes e cheios de amor e violência. Em meio a uma tragédia, de frente para o mar, enroscada numa ventania sem precedentes, eu vi dor e beleza. Foi desse jeito que entendi que coisas ruins acontecem em momentos de plenitude e nos resta lidar com isso, sendo os adultos que nos preparamos até ali.
Voltando ao meu estado de prostração perante ao Deus-Mar de outrora, onde eu buscava salvação, chegando aos dias atuais, onde me sinto salva. Hoje, onde sou, ora tempestade, ora brisa. Onde, vejo em mim criatura nascida do espelho da pura observação do mar e da vontade de ser força natural como ele. Hoje, me sinto bem, me sinto grata, me sinto brava, me sinto plena, me sinto mar.
No mais, sinto saudades de nossas conversas e silêncios.