A gente se olha no espelho todos os dias. Várias vezes ao dia até, certo? E o que vemos? Num dia comum, num tempo passado, me olhei no espelho e me vi. Me vi real. Uma mulher de verdade, cheia de histórias, dores, alegrias e, principalmente, vi uma mulher que sobreviveu. E sobrevive!
O espelho do quarto é grande, abrange bastante imagem. Passei por ele e, de uma forma diferente da costumeira, me mirei fortemente, encarei o reflexo e comecei a me medir de cima a baixo. E do avesso. E outra vez.
Eu poderia ter visto minhas olheiras de mãe de uma criança que demanda muito e dorme pouco. Talvez, poderia me ver como uma incansável trabalhadora de funções impossíveis de serem vencidas. Ou, então, quem sabe, poderia ter visto como estou magra por nunca conseguir adequar minha alimentação aos meus três turnos de vida. Ou, ainda, ver outros tantos defeitos que acumulei nesses 35 anos: rugas, flacidez... Mas não, eu vi uma mulher perfeita.
Eu vi uma mulher perfeita em suas imperfeições, uma mulher que carrega suas cicatrizes como quem porta uma bolsa Channel. Eu vi um ser humano vívido, contrariando todas as expectativas de ter nascido mulher e pobre no Brasil. Enxerguei em mim uma criatura tão forte que, por um instante, pareceu, literalmente, que eu empunhava uma espada e uma coroa. Fiquei orgulhosa do meu reflexo, da minha força, da beleza de ser quem sou.
Sabe, a vida me ensinou a chorar assim que nasci, mas eu aprendi a sorrir antes de ter dentes. E sigo sorrindo para crianças, velhos e cachorros que me atravessam. Assim, sorrindo para o vento que passa. Desse jeitinho, sorrindo para a lua grande e brilhante que impera no céu escuro. Sorrindo, seguindo.
Não é que eu seja abobada, sorrindo atoa vida afora. É que um dia eu me olhei no espelho e me vi, achei graça da minha existência e na minha vontade de realizar sonhos - os meus e dos meus amores. Me vi e só posso crer que se deve doar alegria a um ser que contraria a possibilidade da má sorte.
Eu sei dos meus dias ruins. Sei dos dias que a vida se tornou penosa e me botou contra a parede. Sei das decisões duras que tive que tomar. Sei das decepções profundas que tive que lidar e lidei. Sei das noites que sangrei sozinha. E, principalmente, sei das infinitas dúvidas e inseguranças que vivenciei. Só eu sei, para ser bem precisa.
Mas, ao me olhar no espelho, vi essa mulher frágil também e ela tem sua beleza de ser. Suas lágrimas poucas e sua dureza de existir são belas, inclusive. No entanto, são dias nublados necessários para que apreciemos o sol que chega. Ele sempre chega com luz e sorrisos, pois nem os dias ruins duram para sempre.
E, afirmo, minha beleza e minha alegria nada tem a ver com o que o mundo impõe, tem a ver com minha ânsia descontrolada de ser quem eu sou, pagar o preço e levar alegria por aí. Eu mereço me louvar por ter conseguido chegar até aqui, apesar dos pesares. Todos nós merecemos!